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Como manter o equilíbrio entre trabalho e lazer em tempos de home-office

Poder trabalhar de qualquer lugar economiza tempo e abre um leque de possibilidades. Mas como equilibrar melhor trabalho e lazer?

Passeio com o cachorro: lazer dentro da rotina de trabalho (Olga Rolenko/Getty Images)

Passeio com o cachorro: lazer dentro da rotina de trabalho (Olga Rolenko/Getty Images)

Ivan Padilla

Ivan Padilla

Publicado em 4 de outubro de 2022 às 06h00.

Última atualização em 24 de janeiro de 2023 às 19h46.

Quando os publicitários Isabella Scarpelini e Pedro Carreira descobriram que estavam grávidos, em novembro de 2019, já imaginavam que a rotina deles viraria de ponta-cabeça. O casal logo começou a preparar a vida para a chegada do bebê, mas, antes mesmo de isso acontecer, veio um novo plot twist: a pandemia, que detonou qualquer planejamento e nublou o horizonte com incertezas. Se criar uma criança já é uma tarefa e tanto, como seria fazer isso em tempos tão difíceis? Fácil não foi, mas pelo menos o home office facilitou as coisas.

“Depois que a criança nasce, demora para o casal encontrar e engatar um ritmo, e nesse sentido o home office foi fundamental. Realmente não conseguimos imaginar como seria ter um filho tendo de trabalhar em um escritório”, conta Scarpelini, account manager no Spotify. Já em 2021 a empresa adotou o home office permanente, permitindo que seus funcionários trabalhem de qualquer lugar do mundo. “Certamente perderíamos muitas fases da criança. Sem falar na logística do dia a dia, que seria totalmente confusa e exaustiva.”

O trabalho 100% remoto não diminuiu as obrigações profissionais do casal, mas deu a eles mais controle sobre o próprio tempo e permitiu a construção de uma rotina centrada no filho, e não no trabalho. Assim, conta Carreira, o casal consegue ir ao Rio de Janeiro com frequência para visitar a família dele, e as brechas de tempo, que no escritório seriam muito mal aproveitadas, se tornaram momentos de qualidade com o pequeno.

Até mesmo a produtividade no trabalho melhorou. “Se não fosse o home office, estaríamos em uma situação muito pior como família. Hoje nossa casa tem uma atmosfera de casa mesmo, de lar”, comemora ele, que trabalha como redator na agência WMcCann. “Tudo com muito planejamento, organização e conversa, claro. Mas conseguimos administrar muitos outros papéis: de mãe e pai, de marido e mulher, de indivíduos também. Isso para mim é bem-estar.”

Planejamento, organização, conversa. Três pontos que são realmente fundamentais em tempos de anywhere office. Essa também foi a conclusão da gestora de soft­wares Monique Andrade, que no início da pandemia liderava uma equipe responsável por tornar os sistemas de uma grande empresa de telecomunicações acessíveis a partir da casa dos colaboradores.

De tanto trabalhar, em vários dias ela chegou a perder a voz. Foi aí que percebeu que era preciso impor limites entre o trabalho e a vida pessoal — e, principalmente, respeitá-los. “O notebook estava ali, era só pegar e resolver. Mas virava uma bola de neve e, de repente, eu estava adiantando o trabalho da segunda-feira no fim de semana”, lembra Andrade, que já era mochileira de ocasião e passou a aproveitar a liberdade de gerir o próprio tempo viajando pelo Brasil.

Virou nômade digital 

No final de 2021, Andrade decidiu que queria viver em outro país. A empresa não permitia, mas por causa de seu alto desempenho mesmo à distância ela conseguiu uma autorização especial e hoje mora em Buenos Aires, trabalhando para o Brasil enquanto vivencia outra cultura e aprende um novo idioma. Mesmo em outra localidade, ela diz, o desafio de encontrar um equilíbrio entre a vida e o trabalho é o mesmo — com um pouco mais de distrações e também novas questões pessoais que se colocam.

“Entender que você tem maturidade e merecimento para viver essa vida é um ponto extremamente sensível, que eu desenvolvo até hoje na terapia”, explica. “Mas, definitivamente, essa experiência me transformou em outra pessoa, muito mais responsável e, principalmente, mais confiante. Essa é a palavra. Tenho qualidade de vida, que era algo sobre o qual as pessoas falavam e eu nunca entendia muito bem o que era.”

Tudo na agenda

Para a jornalista especializada em produtividade Fahen Carvalho, definir limites para o trabalho e incluir na agenda tarefas pessoais prazerosas, como brincar com os filhos, tomar um drinque ou tirar meia horinha para ler, pode ser um ótimo caminho para refletir sobre o que é importante para você. E assim vão sendo criados novos hábitos que deixam a rotina mais leve.

“No trabalho, blocamos tudo de hora em hora, mas fora dele, não. Só que é desestimulante olhar para a agenda e só ver reuniões”, pontua. “Temos de trazer as coisas boas e legais que fazemos por nós para dentro da agenda, para que elas tenham tanta relevância quanto o trabalho.”

Para certas rotinas pode ser difícil até mesmo ter consciência do que nos faz bem e de onde queremos de fato colocar nossa atenção. Carvalho lembra que estudos recentes dão conta de que só conseguimos permanecer em foco profundo durante 5 horas por dia. Portanto, observar em que momentos esses picos acontecem (na base da tentativa e erro mesmo) pode ser a chave para ser mais produtivo. E, então, ter mais tempo para si mesmo.

Para o psicanalista e pesquisador de cultura e comportamento André Alves, ter momentos assim, para fazer coisas que muitas vezes temos como simples ou bobas, como tomar um sol no parque ou passear com o cachorro, é importante porque nos ajuda a elaborar tudo que vivemos e sentimos. E isso, por si só, já é um forte contraponto à hipervalorização da produtividade acima de tudo, que acaba por colocar o trabalho como a única fonte de significado da nossa vida.

“Todas as necessidades humanas foram sendo arrastadas para o universo do trabalho. Mas, se ele é a maior ou única fonte de sentido para muita gente, não vamos conseguir parar, porque internalizamos o ‘ser o meu próprio chefe’. Isso nos coloca em uma esteira de auto-otimização sem fim”, explica o psicanalista. “Mas já vemos uma saturação desse modelo, com os departamentos de recursos humanos tendo de lidar com muitos funcionários de licença por saúde mental ou simplesmente insatisfeitos, cobrando das empresas uma solução para esse mal-estar.”

Parando para elaborar

Por sua vez, as empresas já se movimentam para ajudar seus colaboradores a ter uma relação mais saudável consigo mesmos e com o trabalho. Recém-inaugurada em uma mansão nos Jardins, em São Paulo, a Awake Health se propõe a cuidar do bem-estar físico, mental e energético de seus pacientes aliando conhecimento, tecnologia e natureza.

Os programas e as jornadas personalizados, que incluem sessões de meditação, sound healing e várias outras atividades, funcionam como um complemento ao plano de saúde. O negócio atraiu muitos executivos em busca de uma rotina mais equilibrada, e eles logo quiseram oferecer os programas como um benefício a seus colaboradores — o que levou a Awake a desenhar jornadas específicas para grupos de profissionais. 

“As pessoas estão buscando o bem-estar, mas não sabem ainda como trazer isso para a vida delas. De início não planejamos ter programas assim, para grupos de empresas, mas criamos essas jornadas partindo de uma demanda de nossos clientes. A ideia é poder cocriar com as empresas jornadas que façam sentido para elas”, explica a CEO da Awake, Daniella Neuenschwander, lembrando que a transformação do cotidiano depende muito do próprio indivíduo, que precisa se engajar na elaboração do que é importante para ele e, por exemplo, dormir todas as horas necessárias.

Daniella Neuenschwander, da Awake: programas para executivos (Claudio Gatti/Divulgação)

Para o pesquisador André Alves, “elaborar é difícil porque nos coloca em contato com uma parte da existência que é improdutiva, assustadora, sem respostas, até meio estranha”. Mas ele destaca que se engajar nesse processo, da maneira que melhor funcionar para cada um, é fundamental para estabelecer uma estrutura menos descritiva e mais narrativa da vida. “Viver em uma estrutura descritiva significa cumprir tarefas, ir fazendo as coisas e, depois de exausto, ir para a internet reclamar um pouco. Já em uma estrutura de vida narrativa, tudo que se faz é parte de uma construção que tem começo, meio e fim. Uma construção de sentido.”

E se, para construir esse sentido, essa sensação de bem-estar, a gente quiser simplesmente se desconectar de tudo? “O importante é direcionar nossa atenção com intenção. Onde colocamos nossa atenção é onde colocamos a nossa existência”, lembra Carvalho, parafraseando um trecho do livro Quatro Mil Semanas: Gestão de Tempo para Mortais. “Às vezes, o bem-estar vem do simples fazer nada. E tudo bem!”

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