Revista Exame

As startups verdes avançam no Brasil, mas sofrem com falta de capital

Os investimentos em startups de tecnologias limpas — as cleantechs — crescem no mundo. Por aqui, algumas começam a se destacar

Pátio da fabricante de embalagens Owens-Illinois: uso de vidro reciclado (André Valentim/Exame)

Pátio da fabricante de embalagens Owens-Illinois: uso de vidro reciclado (André Valentim/Exame)

AS

Aline Scherer

Publicado em 31 de janeiro de 2019 às 05h46.

Última atualização em 5 de fevereiro de 2019 às 19h03.

Até 2025, a americana Owens-Illinois, maior fabricante de embalagens de vidro do mundo, quer elevar de 30% para 50% a fatia de material reciclado em seus produtos. Assim, ela reduzirá o consumo de recursos como areia e calcário e economizará energia elétrica, além de aumentar a eficiência da operação — os cacos de vidro reciclados permitem uma produção 30% maior de novas embalagens em comparação com o uso de matéria-prima virgem. Para alcançar sua meta, a subsidiária da empresa no Brasil tem investido em diferentes formas de ampliar o recebimento de vidros usados na reciclagem. Na mais recente iniciativa, passou a empregar um sistema online que conecta empresas interessadas em vender resíduos e aquelas dispostas a usá-los como matéria-prima. Com a plataforma, a Owens-Illinois encomendou a compra de 150.000 toneladas de cacos de vidro para ser entregues nos próximos 12 meses. “O uso do sistema online facilita o acesso ao material para reciclagem em grande escala”, diz Lucia Moreira, responsável pela área de sustentabilidade da Owens-Illinois no Brasil.

A plataforma utilizada pela multinacional americana foi criada em 2017 pela carioca Polen, um exemplo de startup de um segmento que tem crescido no mundo — as cleantechs. São startups especializadas em tecnologias ou modelos de negócios que visam fornecer produtos, serviços e processos para reduzir ou eliminar o uso de recursos naturais, as emissões de gases de efeito estufa e os resíduos. O ecologista Renato Paquet teve a ideia de criar a Polen quando ele trabalhava na área ambiental da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, em 2016. “Eu observava que todas as empresas, das micro às gigantes, tinham problemas na gestão dos resíduos”, diz Paquet, presidente da Polen. “O Brasil gasta 14 bilhões de reais por ano para enviar aos aterros sanitários resíduos que poderiam gerar 120 bilhões de reais caso fossem reaproveitados na cadeia produtiva.”

De olho nessa oportunidade, Paquet resolveu largar seu emprego e empreender ao lado de dois amigos, um economista e um químico industrial. O trio levantou 700.000 reais de quatro investidores, vendendo 17% de participação na empresa. Com uma segunda rodada de investimentos, o plano é captar mais 5 milhões de reais, negociando 20% das ações. Hoje, a Polen tem 11 funcionários e 270 companhias cadastradas na plataforma de compra e venda de resíduos.

No ambiente das cleantechs, as que oferecem inovações mais radicais costumam ser mais promissoras. Mas criar uma nova tecnologia e transformá-la em negócio  lucrativo geralmente leva tempo. É o caso da paulista GLR Tech, que atua na gestão da qualidade do ar. A empresa surgiu em 2013, numa incubadora ligada à Universidade de São Paulo, por iniciativa do empreendedor Felipe Burman e do projetista Gilberto Leal Ribeiro. Eles desenvolveram uma turbina para motores de veículos a diesel capaz de diminuir a emissão de gases poluentes em aproximadamente 90% e de aumentar a eficiência energética. A patente já foi registrada no Brasil. Nas duas primeiras rodadas de investimento, a GLR Tech captou 850.000 reais. Depois de se tornar finalista em competições globais de startups, seus fundadores embarcam nas próximas semanas para a Índia com a finalidade de atrair novos investidores e clientes.

Sede da Amazon, nos Estados Unidos: a empresa de comércio eletrônico compra energia renovável em larga escala | Lindsey Wasson/Reuters

O interesse por empresas como a GLR Tech vem crescendo em todo o mundo. Entre 2015 e 2018, os investimentos globais em startups de tecnologia limpa cresceram 180%, atingindo quase 30 bilhões de dólares, segundo a consultoria americana Cleantech Group. Por aqui, o Coppe, instituto de pesquisa em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em parceria com o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, está fazendo o primeiro mapeamento das cleantechs brasileiras. Dados preliminares do estudo apontam que a maioria dessas startups atua na área de geração de energia elétrica com fontes renováveis.

O levantamento é patrocinado pela empresa de energia EDP, que tem um interesse estratégico no tema. “Queremos encontrar startups com as quais pretendemos fazer negócios e acelerar nossos processos de inovação”, diz Livia Brando, executiva de inovação da EDP. “Tecnologias como o blockchain, por exemplo, terão impacto profundo no setor de energia, mas criar uma área na empresa para estudar especificamente o tema demandaria muito tempo e dinheiro.” (Alguns estudos apontam que a tecnologia do blockchain, hoje associada às criptomoedas, facilitará a comercialização de energia solar entre indivíduos.) Para investir em cleantechs em até quatro anos, a EDP reservou 30 milhões de reais. Outras sete grandes empresas de energia do país lançaram programas similares de cooperação com startups no ano passado.

Filmes fotovoltaicos produzidos com material orgânico extraído da natureza: nova tecnologia para geração de energia solar | Divulgação

Não são somente empresas do setor de energia que se beneficiam desse tipo de colaboração. Na plataforma 100 Open Startups, que fomenta parcerias entre empreendedores e corporações, há 470 cleantechs cadastradas entre 7.000 startups brasileiras de diversos segmentos, e 367 grandes empresas interessadas em tecnologias limpas. É uma tendência já consolidada lá fora. As varejistas Amazon e Walmart e as empresas de tecnologia Apple, Facebook, Google e Microsoft realizam compras de energia renovável em larga escala, algo que tem ampliado o mercado e permitido que empresas com demandas menores entrem também para comprar energia renovável.

A criação de cleantechs no mundo vem sendo estimulada pelo avanço de um segmento do mercado financeiro conhecido como “investimento de impacto”, por levar em conta critérios ambientais e sociais na escolha dos ativos. Segundo um levantamento da Fundação SIF, organização americana de pesquisa formada por consultorias e gestoras de capital, o montante de investimentos de impacto nos Estados Unidos atingiu no ano passado 11,6 trilhões de dólares, um quarto do total de ativos sob gestão profissional no país.

No Brasil, porém, o acesso ao capital ainda é restrito. Por aqui, os investimentos de impacto começaram a surgir há 15 anos, mas somam apenas 0,13%, o equivalente a 200 milhões de reais, do total de 154 bilhões de reais já captados pelos fundos de participações em empresas. Com isso, a maioria das startups de impacto no Brasil precisa usar recursos próprios para tocar o negócio. “Elas têm dificuldade de conseguir capital porque estão num estágio inicial de desenvolvimento”, diz Ricardo Gravina, diretor da Climate Ventures, organização que reúne empresas e investidores para estimular negócios com foco em mudanças climáticas. “No entanto, há muitas empresas interessadas em investir, aguardando o momento ideal.”

Para os investidores, pode valer a pena estar mais próximos da startup ou mesmo fazer parte da criação do negócio — mesmo que os frutos sejam colhidos somente no longo prazo. A gestora de investimentos Fir Capital, por exemplo, decidiu primeiro fazer uma sociedade com um centro de pesquisas suíço para montar, em 2006, o CSEM Brasil, um centro de pesquisas em Belo Horizonte. Num dos projetos, o CSEM estudou a tecnologia de filmes fotovoltaicos orgânicos — capazes de transformar a luz do sol em energia elétrica —, criada e aperfeiçoada por dezenas de cientistas de diferentes países. Partindo dessa base, desenvolveu lâminas semitransparentes, leves e flexíveis, que geram energia solar quando aplicadas em objetos, móveis ou prédios.

Com o produto pronto e cinco patentes registradas, a Fir Capital criou em 2015 a startup Sunew, com investimentos de mais de 100 milhões de reais, ao lado de outros sócios. As lâminas produzidas pela Sunew estão presentes na fachada da sede da empresa de tecnologia Totvs, em São Paulo, gerando eletricidade suficiente para manter 2.500 computadores ligados. “Uma bobina de apenas 1 metro de diâmetro por 60 centímetros de altura da lâmina gera energia equivalente à de cinco contêineres de painel solar tradicional”, diz Tiago Alves, presidente da Sunew e sócio da Fir Capital. Com uma filial aberta na Califórnia, a Sunew obteve no ano passado uma receita de 15 milhões de reais com vendas para dez países. É ainda quase nada diante do potencial desse mercado — o plano da Sunew é faturar 1 bilhão de reais até 2023. “Temos metas ambiciosas, mas, para alcançar os resultados, o mais importante é a qualidade da execução.” Está aí um caminho a ser seguido por outras startups que buscam um lugar ao sol.

Acompanhe tudo sobre:Meio ambienteStartupsSustentabilidade

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon