Vôlei de praia em Paris: estruturas temporárias custaram até 90% menos
Diretor de redação da Exame
Publicado em 22 de agosto de 2024 às 06h00.
Última atualização em 29 de agosto de 2024 às 18h31.
Como não poderia deixar de ser, os Jogos Olímpicos de Paris serão lembrados por desempenhos esportivos inspiradores. O lutador cubano Mijaín López conquistou a quinta medalha de ouro na luta greco-romana. O nadador francês Léon Marchand faturou quatro ouros em sua estreia olímpica, quebrando recordes do lendário Michael Phelps. A brasileira Rebeca Andrade e a americana Simone Biles travaram disputas décimo a décimo na ginástica artística. Stephen Curry acertou nove bolas de três pontos na semifinal do basquete masculino contra a Sérvia. Mas os Jogos serão lembrados também por outro feito atlético digno de nota. O ator americano Tom Cruise, aos 62 anos, desceu por uma corda do alto da cobertura de 35 metros do estádio olímpico de Saint-Denis no ápice da cerimônia de encerramento. O astro de Missão Impossível depois subiu numa moto para levar a bandeira olímpica pelas ruas de Paris. Na sequência, em vídeo, apareceu instalando os anéis olímpicos no conhecidíssimo letreiro de Hollywood. A ação marcou um casamento para lá de simbólico entre esporte e entretenimento, que foi um marco dos Jogos de Paris e tende a ganhar ainda mais força até 2028, quando serão realizados em Los Angeles.
A Olimpíada de 2024 consolida o que especialistas na indústria de eventos vêm chamando de superciclo do entretenimento. Faz apenas quatro anos que os Jogos de Tóquio precisaram ser adiados por causa da pandemia de covid-19 e depois foram realizados sem público, um espetáculo tão emocionante quanto deprimente. O fim da pandemia marcou o início de uma retomada feroz dos eventos presenciais — chamados em inglês pela perspicaz sigla IRL (In Real Life). Depois de meses e anos trancadas em casa, as pessoas passaram a viajar como nunca e a frequentar shows, festivais e até eventos corporativos como se não houvesse amanhã. Após uma queda em 2020, no auge da pandemia, a indústria de mídia e entretenimento cresceu 9% em 2021 e mantém um crescimento anual na casa dos 5% para bater neste ano estimados 3 trilhões de dólares em receita, segundo estudo da consultoria PwC.
Até 2028, novos 600 bilhões de dólares devem ser adicionados à economia global provenientes da indústria da diversão. Novos projetos não param de ser anunciados. O conglomerado de entretenimento Disney, por exemplo, anunciou em meados de agosto a maior expansão de seus parques em 53 anos. Até um novo complexo voltado para os vilões de suas histórias será erguido na Flórida. A empresa também vai construir quatro novos navios de cruzeiro até 2031. O investimento total deverá chegar a 60 bilhões de dólares. Enquanto isso, a cantora americana Taylor Swift continua rodando o mundo com a turnê Eras Tour, que no fim de 2023 se transformou na primeira série de shows da história a faturar mais de 1 bilhão de dólares em ingressos. No Brasil, a era de megaeventos está especialmente aquecida, não só com shows internacionais como de artistas brasileiros como Gil, Caetano e Betania. O país receberá até um jogo da NFL, o histriônico campeonato de futebol americano. Philadelphia Eagles e Green Bay Packers se enfrentam na Neo Química Arena, em São Paulo, no dia 6 de setembro. Os ingressos, que custavam até 2.500 reais, se esgotaram em 1 hora e 30 minutos.
Com sua cerimônia de abertura realizada ao longo de 6 quilômetros do Rio Sena, Paris consagrou uma nova forma de consumir conteúdo de mídia e esporte. O que está acontecendo presencialmente importa, tanto que a cerimônia teve recorde de público — com 300.000 pessoas que chegaram a pagar 2.000 euros por um ingresso vip (e acabaram tendo de encarar 3 horas de chuva). Mas o que acontece nas telas, ao vivo, e em recortes publicados segundos após o evento importa tanto quanto. Isso inclui as telas oficiais da transmissão, na televisão, no streaming e no YouTube, mas também os milhares de pontos de vista particulares, de atletas e influenciadores.
O faturamento com direitos de transmissão chegará a 3,8 bilhões de dólares em Paris, um crescimento de 22%, segundo estimativas. A transmissão oficial produziu, em Paris, 11.000 horas de conteúdo, 15,8% mais que nos Jogos de Tóquio. Em mercados-chave, como o francês, 83% dos televisores estavam conectados na cerimônia de abertura. Mas o maior avanço veio das novas formas de ver o esporte, semelhantes à maneira como jovens consomem música, séries e todo tipo de evento ao vivo. Em plataformas como Max e discovery+ foram visualizados mais de 1 bilhão de minutos da Olimpíada, um avanço de sete vezes em relação a Tóquio. Nos Estados Unidos, o streaming e as redes sociais de Telemundo, Universo e Peacock viram um aumento de 65% nas visualizações em relação a 2020. No Brasil, a Globo afirma ter impactado 140 milhões de pessoas em todos os seus canais, chegando a 81% das casas brasileiras. A CazéTV revela ter alcançado 41 milhões de dispositivos diferentes com conteúdo dos Jogos.
Para além do número mais amplo de audiência, o maior feito da CazéTV foi ter consolidado a nova maneira como as pessoas querem consumir conteúdo esportivo. Os recortes feitos pelo canal alcançaram 5 bilhões de visualizações no TikTok, segundo o Meio&Mensagem. Em um único dia, o canal da CazéTV no YouTube alcançou 72 milhões de visualizações, um novo recorde. Para além disso, o canal trouxe para sua transmissão uma avalanche de influenciadores, que amplificavam o conteúdo em suas redes sociais. E inovou ao convidar a audiência a seguir os atletas brasileiros em suas redes, num movimento chamado de “mutirão”. Em menos de um mês, as redes sociais de um grupo de 50 atletas brasileiros passaram de 37 milhões de seguidores para 74 milhões de seguidores, segundo levantamento exclusivo da consultoria Bites. Os posts dos atletas geraram 565 milhões durante os Jogos, uma média diária de 29,7 milhões de interações.
O fenômeno de acompanhar esporte pela transmissão oficial e também pelo olhar dos atletas e influenciadores envolvidos é global, mas é amplificado no Brasil. A judoca Beatriz Souza, medalha de ouro em Paris, por exemplo, passou de 24.800 para 3,4 milhões de seguidores em poucos dias. Já o nadador francês Léon Marchand, com quatro ouros e cobertura midiática global, ganhou 1,17 milhão de seguidores, segundo a Bites. O ginasta japonês Shinnosuke Oka, com três ouros, ganhou 68.500 novos seguidores. “Esta Olimpíada entra para a história como a primeira amplamente acompanhada nas redes”, diz Gil Bastos, sócia da Mynd Brands, especializada em conteúdo para redes sociais. A empresa levou a Paris um grupo de 50 influenciadores de esporte, moda e cultura urbana que alcançou 69 milhões de usuários com 559 milhões de impactos em publicações nas redes. “As pessoas querem se ver nos eventos e comentar sobre o que acontece. Isso pode acontecer, por exemplo, com uma influenciadora fashion que traz seu olhar sobre o esporte”, diz Bastos. “Paris marcou a democratização da identificação. As pessoas se identificam com pessoas.” Segundo ela, a produção de conteúdo paralela ao palco principal começou em outros meios e em Paris chegou com tudo ao esporte. Na Semana de Moda de Paris, por exemplo, apenas 5% do público entra nos desfiles; a imensa maioria quer ver o que o público tem a dizer. O mesmo acontece em eventos de tecnologia como o SXSW, realizado anualmente em Austin, nos Estados Unidos. “Essa diversidade de conversas e de olhares é um paraíso para as marcas”, diz Gil Bastos.
Por trás do sucesso na audiência reside uma contradição olímpica. Os Jogos são um negócio cada vez mais valioso — menos para as cidades que os organizam. Paris enfrentou grande resistência de seus moradores em receber o evento, e milhares de parisienses simplesmente abandonaram a cidade nos dias de competição. Algumas das promessas mais midiáticas, como a despoluição do Rio Sena para o triátlon e a maratona aquática, foram tema de grande polêmica. No fim das contas, os atletas mergulharam num Sena ainda não 100% próprio para banho, e muitos se queixaram de problemas de saúde nos dias posteriores. Organizar os Jogos também é garantia de estouro no orçamento. Um estudo da universidade britânica Oxford mostra que todos as edições das Olimpíadas, sem exceção, estouraram o orçamento. É um descontrole que não tem paralelo nem em projetos de altíssima complexidade, como a construção de usinas nucleares. A edição de Paris, com custo estimado em 8,7 bilhões de dólares, já está 115% acima do orçamento.
Mas há uma boa notícia nessa água turva: o descontrole parece estar diminuindo. Os Jogos de Paris custarão menos que os de Tóquio, do Rio ou de Londres, fruto de uma mudança de mentalidade tanto da cidade-sede quanto do Comitê Olímpico Internacional. Paris espalhou as competições pela cidade, usando espaços públicos e estruturas temporárias como nenhuma outra cidade antes. O hipismo foi no Palácio de Versalhes; o vôlei de praia, numa arena no pé da Torre Eiffel; a esgrima, no Grand Pallais; e por aí vai. E algumas competições foram em outras cidades, com o basquete, em Lille, a 2 horas de trem da capital. “O custo de usar estruturas temporárias é um décimo do custo de construir uma arena fixa”, diz Tatiana Fasolari, CEO do Grupo Fast, responsável por algumas das estruturas temporárias em Paris. Ela explica que todo o material usado em Paris será reutilizado em futuros eventos. A empresa está montando, também, arquibancadas temporárias para o jogo da NFL em São Paulo, usando as mesmas cadeiras da abertura da Copa do Mundo de 2014, também na Neo Química Arena. A ideia, cada vez mais, é que as memórias durem mais do que as dívidas. Seria uma conquista digna de medalha.
Lucas Amorim, de Paris