Loja da Centauro: a única empresa a abrir o capital na B3 em 2018 (Alexandre Battibugli/Exame)
Mariana Desidério
Publicado em 23 de maio de 2019 às 05h41.
Última atualização em 27 de junho de 2019 às 16h04.
O ano de 2019 era aguardado com ansiedade pelos executivos da JSL, maior empresa de logística do país. A chegada do novo governo e a adoção de uma agenda liberal trariam, na teoria, uma retomada do otimismo e um rápido reaquecimento da economia, marcando uma nova onda de aberturas de capital de empresas na B3, a bolsa brasileira. Entre IPOs (ofertas iniciais de ações, na sigla em inglês) e follow-ons (ofertas subsequentes de ações), a B3 esperava até 30 operações no ano. O volume poderia chegar a 40 bilhões de reais, pelas contas de agentes envolvidos na preparação das companhias. Seria um recorde desde 2007, quando 76 empresas foram à bolsa. A JSL esperava abrir o capital da subsidiária Vamos, especializada na locação de caminhões e equipamentos, arrecadando até 1,3 bilhão de reais. Bastava o Brasil ajudar.
O ano começou dentro do roteiro previsto pelos investidores, com alta de 10% no Ibovespa em janeiro e encaminhamento da proposta de reforma da Previdência ao Congresso. Nessa toada, a JSL protocolou a intenção de levar a cabo o IPO da Vamos no fim de fevereiro. Mas uma sucessão de más notícias na economia e na política fez a demanda dos investidores ficar aquém do previsto, e a JSL cancelou o IPO no fim de abril. “O modelo de negócios da Vamos é bom, mas o momento econômico não ajudou. Seria preciso um desconto no preço para a operação sair”, disse o gestor de um fundo de investimento. Em teleconferência com analistas alguns dias após o cancelamento da oferta, Fernando Simões, presidente da JSL, disse que “não havia hipótese de fazer negociação de valor”. Procurada, a empresa não comentou mais a suspensão da abertura.
A frustração da JSL simboliza que o ano, até agora, não começou para empresas dos mais variados setores. O marasmo na B3 é a face mais visível de um país com empresários à espera de uma retomada que não chega. As projeções para o crescimento do PIB, que eram de 2,6% no início do ano, agora estão em 1,24% (segundo projeção do Boletim Focus, do Banco Central, de 20 de maio). Os mais pessimistas já falam em crescimento abaixo de 1%. Pior: a prévia do crescimento do PIB no primeiro trimestre apontou uma retração de 0,68%. Com isso, empresas e investidores colocaram o pé no freio nos planos de investimento.
A onda de IPOs e follow-ons congelou. Já quase na metade do ano, apenas uma abertura de capital foi feita, do grupo varejista SBF, dono da rede de lojas de artigos esportivos Centauro, movimentando 770 milhões de reais — as ações estão em queda de 6% desde a estreia. Em 2018, três empresas já haviam estreado na bolsa até maio: a fintech Banco Inter e as operadoras de saúde Hapvida e Intermédica. Ou seja: o promissor 2019 corre o risco de ficar atrás até mesmo do ano passado, marcado pela greve dos caminhoneiros e pela divisão eleitoral.
Para qualquer empresa, seguir em frente com a abertura num momento adverso significaria arcar com o risco-Brasil. É quando manifestações estudantis ou tuítes atravessados batem de frente com planos de negócio desenhados há anos. Além da Vamos, a lista de empresas com intenção de ir à bolsa inclui a varejista Ri Happy, a financeira Caixa Cartões, o grupo de tecnologia Movile, a rede de academias Smart Fit e a fintech Agibank. “Os planos continuam, mas estamos esperando um cenário menos nebuloso. Antes, víamos a possibilidade de abrir o capital no segundo semestre. Hoje já consideramos não ter o IPO em 2019”, diz Paulino Rodrigues, diretor financeiro da Agibank. A Neoenergia é uma das poucas que mantêm os planos e deve fazer sua abertura até junho. A empresa iniciou a apresentação aos investidores no fim de maio. Em período de silêncio, não comentou.
Segundo executivos e economistas ouvidos por EXAME, houve excesso de otimismo e uma avaliação subestimada do peso negativo do presidente Jair Bolsonaro e seu entorno na área econômica. Empolgados com a agenda do ministro da Economia, Paulo Guedes, investidores e analistas não perceberam o risco da postura política do presidente, de seus filhos e do núcleo ideológico do governo, cujas caneladas têm levado parlamentares a articular uma agenda paralela de atuação, focada na pauta econômica. Nos últimos dias, o governo viu seu momento mais difícil, com protestos populares e acusações contra Flávio Bolsonaro, um dos filhos do presidente. O dólar passou dos 4 reais e o Ibovespa recuou aos 90.000 pontos, mesmo nível do final do ano passado. “Há um cenário político novo, com Bolsonaro criando turbulências. Com isso, aquele otimismo eufórico do início do ano está sendo revisto”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados. “É preciso lembrar o óbvio: para crescer, o país necessita também de estabilidade política.”
Caso as reformas avancem, a tendência é que uma nova leva de otimismo influencie os orçamentos que costumam ser fechados entre setembro e outubro. Mas, após a frustração deste início de 2019, a cautela pode aumentar, prejudicando a própria recuperação da economia. Projetos mais estruturantes, de construção de fábricas e compra de equipamentos, por sua vez, demoram tempo até ser retomados. “Não basta só a Previdência. Vamos esperar um avanço mais consistente do consumo e uma queda do desemprego para investir nas fábricas”, diz o presidente de um grande grupo fabril. “Será o terceiro ano consecutivo que começa com uma expectativa de crescimento e acaba em frustração”, afirma Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da corretora Ativa Investimentos.
Um levantamento da consultoria Economatica mostra que o lucro líquido de 282 empresas de capital aberto teve queda de 538 milhões de reais de janeiro a março de 2019, um recuo de 2,5% em comparação com o mesmo período do ano passado. A compilação exclui as informações de bancos, da mineradora Vale, da estatal Petrobras e da operadora de telefonia Oi, por distorcerem os dados totais. Num levantamento do instituto FSB Pesquisa para o banco de investimento BTG Pactual, feito com 1.000 empresários e altos executivos no final de abril, 50% consideraram que a situação da economia do país está ruim ou péssima, enquanto 39% a veem como regular. Para 47%, a fraqueza da demanda ainda dificulta os investimentos; e 41% colocam como principal empecilho para aumentar os gastos a incerteza política. “Fica difícil para o empresário se planejar para o longo prazo, com investimento em expansão ou em pesquisa”, diz Oscar Malvessi, professor de finanças na Fundação Getulio Vargas.
Um quadro como esse privilegia os follow-ons em detrimento dos IPOs. Como já são negociadas em bolsa, as empresas interessadas em fazer ofertas subsequentes estão menos propensas a sofrer um desconto no preço da ação ofertada. Desde o início do ano, foram realizados quatro follow-ons, movimentando um total de 6,2 bilhões de reais. Os maiores foram os da empresa de resseguros IRB, que fez uma oferta secundária (sem aumento de capital da companhia) de 2,5 bilhões de reais, e o da empresa de locação de carros Localiza, que levantou 1,8 bilhão de reais numa oferta primária voltada para a expansão dos negócios. Quem não tem essa opção busca alternativas para atravessar mais este período turbulento do país. Uma delas é a emissão de dívida, com o risco de o dinheiro sair mais caro, pois a empresa terá de pagar a conta mesmo em caso de prejuízo. “É um círculo ruim. Qualquer país precisa de um mercado de capitais como fonte de financiamento para as empresas”, diz Eliana Chimenti, sócia do escritório de advocacia Machado Meyer.
Cinco meses já se foram, mas nem tudo está perdido. A B3 mantém a projeção de abrigar de 20 a 30 IPOs no ano, segundo Felipe Paiva, seu diretor de relacionamento com clientes. A consultoria EY, que esperava até 25 ofertas iniciais em 2019, também mantém as projeções, apesar das turbulências políticas — isso, é claro, se a reforma da Previdência for aprovada. “Existem muitos ativos bons no mercado. Os portfólios dos fundos de investimento têm empresas interessantes e maduras, com boa gestão, que estão esperando para abrir o capital”, afirma Guilherme Sampaio, diretor de transações corporativas da EY.
O Brasil conta com uma vantagem competitiva sobre outros mercados. Por aqui, as candidatas a ir à bolsa são, em sua maioria, companhias com um histórico de resultados consistentes. É bem diferente da onda de IPOs de startups de tecnologia vista nos Estados Unidos, com destaque para as empresas de mobilidade Uber e Lyft, que foram à bolsa e vêm sofrendo desde então. A Lyft abriu o capital no final de março na bolsa Nasdaq e chegou a valer 24 bilhões de dólares. Menos de dois meses depois, já encolheu 30%. O valor de mercado da Uber na oferta inicial de ações foi de 76 bilhões de dólares, ante os 120 bilhões pretendidos por seus executivos e investidores.
O cenário global deve continuar difícil, com novos capítulos na guerra comercial entre a China e os Estados Unidos a impulsionar a volatilidade do mercado. A esperança das companhias brasileiras, neste contexto, é um governo que de certa forma crie no país uma ilha de otimismo. É o contrário do que temos visto, mas há uma boa notícia: gente querendo investir existe, impulsionada pelo juro historicamente baixo. Em abril, a B3 atingiu a marca histórica de 1 milhão de investidores pessoa física. Eles querem investir, as empresas querem crescer, falta o Brasil ajudar.