Revista Exame

Notas de um escândalo

A Polícia Federal conclui que uma organização criminosa afundou o PanAmericano — tinha até diretor do banco saindo com caixas de dinheiro no porta-malas do carro

Rafael Palladino, o ex-número 1: a punição pode chegar a 30 anos de prisão (Germano Lüders/EXAME.com)

Rafael Palladino, o ex-número 1: a punição pode chegar a 30 anos de prisão (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 8 de dezembro de 2011 às 08h54.

São Paulo - Um ano atrás, o Banco Central anunciou a descoberta de um rombo bilionário no balanço do banco PanAmericano. Pelo que foi divulgado na época, os executivos do banco, então controlado pelo Grupo Silvio Santos, maquiaram os números da instituição. Feitas as contas, o rombo no capital chegava a 4,3 bilhões de reais.

Após um resgate organizado pelo Fundo Garantidor de Crédito, o Pan­Americano, ou o que sobrou dele, acabou comprado pelo BTG Pactual. Mas algumas questões ficaram em aberto. Por que esse grupo de executivos quebrou o banco? Como funcionou o esquema de fraude? Quem se beneficiou dele?

As respostas estão em documentos do Banco Central, da Polícia Federal e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) aos quais EXAME teve acesso.

São cerca de 500 páginas, com 40 depoimentos, inquérito, relatórios de auditorias e dados do BC que resultaram de um ano de inves­tigação e ajudam a desvendar o que levou à bilionária fraude do PanAmericano, como ela foi posta em prática e quem se locupletou dela.

Da leitura dos relatórios da Polícia Federal emerge aquilo que, nas palavras dos policiais, funcionou como uma “organização criminosa” instalada na cúpula do PanAmericano. Seus líderes — sempre de acordo com a investigação da PF — foram Rafael Palladino, então presidente do banco, Wilson de Aro, o diretor financeiro, e Luiz Sandoval, que comandava, na época, o Grupo Silvio Santos.

Em linhas gerais, os executivos fraudaram uma instituição que já caminhava para o buraco por sua própria incompetência. A principal razão para isso? Ninguém queria matar a galinha dos ovos de ouro. A polícia encontrou fortes indícios de que esses executivos tratavam o PanAmericano como uma espécie de caixa 24 horas.

Empresas de fachada criadas por eles recebiam milhões de reais em pagamen­tos por serviços que nunca foram prestados; executivos faziam saques em espécie e carregavam o dinheiro, às escondidas, no porta-malas do carro; finalmente, a “organização criminosa” distribuiu a si própria generosos bônus mesmo em anos de absoluta crise, como o de 2008.

Se o banco quebrasse ou fosse vendido, de onde eles tirariam dinheiro? O grupo de ex-administradores do PanAmericano é acusado de gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, maquiagem de balanços, manter ou movimentar recursos paralelamente à contabilidade do banco e formação de quadrilha. A punição pode variar de um a 30 anos de prisão.


A fraude tem sua origem no ano de 2006, quando o Pan­Ame­ri­ca­no já começava a apresentar problemas financeiros. Naquele ano, Wilson de Aro, Rafael Palladino e o então diretor de crédito, Adalberto Savioli, desenharam uma estratégia para diminuir artificialmente o risco de inadimplência na carteira da instituição.

Os executivos maquiaram a avaliação de risco de cada devedor com a intenção de reduzir as despesas do banco, que é forçado a separar recursos para cobrir even­tuais calotes.

Quanto maior o risco percebido, maior o custo de se preparar para o pior. Ao todo, 1 604 contratos de inadimplentes foram adulterados. Mas foi em 2008, quando a crise caiu como um raio sobre bancos de todos os tamanhos, que a fraude se alastrou para o coração do PanAmericano.

Para evitar que o banco quebrasse, Wilson de Aro teria chamado em sua sala o contador Marco Antônio da Silva, que trabalhava no Pan­Ame­ri­ca­no há 31 anos, e dito que, para reverter a situação deplorável do banco, seria preciso registrar como ativos os contratos de dívidas que já haviam sido cedidos a outras instituições financeiras, como Bradesco, Banco do Brasil, Itaú Unibanco e Santander (leia, ao lado, parte do depoimento do contador). Daí viria o rombo de 4,3 bilhões de reais que quebrou o Pan­Ame­ri­ca­no.

Para a polícia, uma peça-chave para implementar a fraude foi o chefe do departamento de tecnologia do Pan­Ame­ri­ca­no, Eduardo de Ávila Pinto Coe­lho. De acordo com a investigação, ele alterou o software que registrava movimentações na carteira do banco. Com o programa manipulado, era possível vender o mesmo contrato a dois bancos diferentes, o que inflava o patrimônio do banco.

Quando o BC descobriu a fraude, em setembro de 2010, a área de tecnologia teve de inventar uma maneira de despistar os reguladores. Os técnicos desenvolveram, entre os dias 1o e 3 de outubro do mesmo ano, um programa chamado “Tabelão”, criado para mostrar ao BC que as carteiras recompradas e não registradas pelo Pan­Ame­ri­ca­no eram apenas um erro, e não resultado de fraude.

Mas o BC comparou as informações passadas pelo banco com os dados fornecidos por outras instituições. A diferença era gritante. O Pan­Ame­ri­ca­no havia informado que vendera 1,6 bilhão de reais em carteiras para outras instituições no fim do primeiro semestre de 2010.


No entanto, dados do Sistema de Informações de Crédito do Banco Central (SCR) revelaram que as operações chegaram a 5,5 bilhões de reais. De acordo com dados da investigação do Banco Central obtidos com exclusividade por EXAME, o banco mais exposto era o Bradesco, com 1,4 bilhão de reais em carteiras de crédito que o Pan­Ame­ri­ca­no já havia vendido a outros bancos.

Com o resultado inflado pela fraude, a antiga cúpula do Pan­Ame­ri­ca­no tratou de sangrar o caixa da instituição. Primeiro, com uma política de bônus generosa. Se seguisse a políti­ca de remuneração do Grupo Silvio Santos, o PanAmericano destinaria de 1% a 2% do resultado a gratificações aos funcionários.

O bônus, por essa métrica, teria sido de 6,5 milhões de reais em 2008, 7 milhões de reais em 2009 e 6,5 milhões em 2010. Não foi o que aconteceu. Wilson de Aro recebeu 4,4 milhões em 2008, 7,9 milhões em 2009 e 850 000 reais em 2010.

Palladino ganhou 4 milhões, 6,9 milhões e 994 000 nos mesmos períodos. Finalmente, Luiz Sandoval levou para casa 4,7 milhões, 7,2 milhões e 1,7 milhão. 

Botequim

O valor do bônus era combinado informalmente por e-mail, com a aprovação de Sandoval e sem passar pela assembleia-geral do grupo. Num e-mail enviado a Palladino no dia 5 de março de 2010, Sandoval aprova o pagamento de 1,2 milhão de reais ao ex-diretor-superintendente e 850 000 reais a Wilson de Aro pela venda de 36,6% das ações do banco para a Caixa Econômica Federal. Três dias depois, Palladino respondeu: “Sandoval, vamos estender também a você, ok? Vou ver por qual empresas... (sic)”   

Os pagamentos tiveram como destinatários empresas de fachada criadas pelos executivos, que não justificavam as transferências e não emitiam notas fiscais.

Ao todo, essas empresas receberam 76,9 milhões de reais entre 2008 e 2010. Segundo Carla de Lucca Meirelles, ex-funcionária do departamento de contas a pagar do banco, os executivos eram livres para solicitar pagamentos a essas empresas sem precisar de contrato ou aprovação.


Até para fazer doa­ções a partidos políticos o PanAmericano usava empresas-laranja. Uma doação de 65 000 reais ao Partido dos Trabalhadores a pedido de Palladino foi feita por meio da Boafonte Consultoria — empresa de Maurício Bonafonte, diretor da PanAmericano de Seguros.

Ao mesmo tempo que recebiam bônus gordos, os executivos sacavam, segundo a PF, dinheiro da boca do caixa sem justificativa alguma. Somente Wilson de Aro e o diretor jurídico Luiz Augusto Teixeira de Carvalho Bruno teriam permitido 86 saques em espécie da conta da administradora de cartões do PanAmericano entre junho de 2006 e novembro de 2010, no valor total de 16,6 milhões de reais.

Gilberto de Paula, ex-funcionário da tesouraria, disse, em depoimento à PF, que o dinheiro era entregue dentro de uma caixa no estacionamento do 2º subsolo do banco ao ex-diretor jurídico, que a guardava no porta-malas de seu carro.

De acordo com a polícia, outra forma encontrada para tirar dinheiro do caixa foi a emissão, em 2006, de um Certificado de Depósito Bancário (CDB) que chegou a render 697% em 315 dias. O empresário mineiro Adalberto Salgado Júnior aplicou 3 milhões de reais no CDB milagroso.

Em 2009, quando a Caixa Econômica Federal negociava a compra de uma fatia do PanAmericano, Palladino mandou um e-mail para De Aro dizendo-se preocupado com a possibilidade de o CDB atrapalhar tudo. “Esta operação vai chamar a atenção na Due Diligenc (sic) da CEF não acha? Penso que é capar (sic) que pelo valor colocar em risco o negócio não acha?”, diz a mensagem enviada no dia 25 de maio de 2009.

Resgate

A série de fraudes levou ao pacote de resgate do PanAmericano, liderado pelo Fundo Garantidor de Crédito, instituição comandada pelos bancos privados cuja função é preservar a estabilidade do sistema financeiro. Logo depois, o controle do banco foi adquirido pelo BTG Pactual.


Desde então, as ações do PanAmericano tiveram uma valorização de 80%. Hoje, Caixa e BTG são sócios do banco. Para recompor suas finanças, o Grupo Silvio Santos colocou algumas empresas à venda.

As lojas do Baú da Felicidade foram compradas pelo Magazine Luiza. A companhia de cosméticos Jequiti também é tida como candidata a trocar de mãos num futuro próximo.

Os acusados pela fraude se defendem de maneiras diferentes. Sandoval, que pediu demissão do Grupo Silvio Santos logo após o estouro do escândalo, e Palladino acusam seus subordinados. “Eu não tenho culpa de nada. Os três cabeças da fraude são Palladino, De Aro e Savioli. Isso está comprovadíssimo nos depoimentos”, afirma Sandoval.

Palladino, que concedeu a ­EXAME sua primeira entrevista exclusiva, diz que Wilson de Aro fez tudo sem seu conhecimento, e que nem ele nem Sandoval sabiam de nada. Já o ex-diretor financeiro alega que não houve fraude, mas, sim, uma gestão atrapalhada das carteiras de crédito.

Ao Banco Central, afirmou que “se a instituição financeira perdeu dinheiro, foi porque emprestou mal, errando na seleção da clientela”. Ele também alega que, devido à crise econômica de 2008, o banco deixou de investir em mecanismos de controle, que, “sobrecarregados com grande quantidade de cessões de contratos, apresentaram falhas”. O relatório final da PF deve ser concluído até o fim do ano.

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