Revista Exame

No discurso a sustentabilidade é mais fácil

Uma pesquisa exclusiva mostra que as empresas brasileiras já têm a sustentabilidade na estratégia. Mas para boa parte delas ainda falta levá-la para o dia a dia do negócio

Reserva da Votorantim, em São Paulo: um problema que pode virar um negócio
 (foto/Divulgação)

Reserva da Votorantim, em São Paulo: um problema que pode virar um negócio (foto/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 7 de março de 2014 às 07h00.

São Paulo - Na década de 50, quando ainda planejava criar a Companhia Brasileira de Alumínio, na região de Sorocaba, no interior de São Paulo, Antônio Ermírio de Moraes, um dos donos do grupo Votorantim, se deparou com um problema: a concessionária contratada para o fornecimento de energia desistiu do acordo.

O empresário resolveu então construir ele próprio pequenas usinas hidrelétricas na região, ao longo do rio Juquiá. Preocupado em proteger as nascentes na bacia do Juquiá — afinal, qualquer problema ali atrapalharia a produção de energia —, ele começou a comprar as fazendas ao redor.

A CBA começou a operar em 1955 e, em 1963, ela já havia adquirido 245 propriedades. Com isso, a empresa se tornou dona de uma reserva de Mata Atlântica de 31 000 hectares — o equivalente à área da cidade de Curitiba. Quase cinco décadas mais tarde, o que era gestão de risco se tornou um problema.

“Passamos a ter de lidar com invasores de terra e extratores ilegais de palmito”, diz David Canassa, gerente de sustentabilidade da Votorantim Industrial. O grupo cogitou doar a área e criar um parque estadual. Mas, ao analisar a imensidão de Mata Atlântica, a empresa descobriu que o terreno poderia ajudar a tirar algumas das premissas de sua estratégia de sustentabilidade do papel.

Estudos revelaram que a área é riquíssima em biodiversidade, com 800 espécies de plantas. E um dos pilares da estratégia de sustentabilidade do grupo, dono de grandes extensões de terra em todo o país, é pesquisar como a biodiversidade pode ser usada a favor de seus negócios.

Outro eixo da estratégia é contribuir para o desenvolvimento das localidades onde o grupo opera, e seus executivos também descobriram que podem explorar o ecoturismo na reserva para impulsionar a economia da região que a cerca, uma das mais pobres do estado.

Conclusão: o grupo não doou a área, e há três anos discute com o governo local, acadêmicos e ONGs como transformá-la numa plataforma de pesquisas e de negócios. “Mapeamos as opções e agora é a hora de agir”, afirma Canassa.

Trata-se de um caso emblemático de uma empresa que colocou o tema da sustentabilidade em sua estratégia e agora tenta superar o desafio mais complexo: desdobrá-la em ações e executá-las. A Votorantim não é um exemplo isolado.

A 14ª edição do Guia EXAME de Sustentabilidade, publicada em novembro, destacou 67 companhias que fazem com que a busca do desenvolvimento sustentável permeie seus negócios. Num universo mais amplo, porém, o retrato é um pouco diferente.

Segundo uma pesquisa exclusiva realizada pela escola de negócios Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais, com 400 companhias de diferentes tamanhos, 78% delas afirmaram que a preocupação com a sustentabilidade de fato está na estratégia de negócios. 

O problema é que só uma minoria — 36% — tem ações concretas relacionadas ao tema. E 37% dos executivos têm metas de responsabilidade ambiental. Não bastasse considerar esse percentual baixo, os pesquisadores enxergam algumas ressalvas.

“Em muitas empresas, as ações de sustentabilidade são pouco sofisticadas e se limitam a promover a coleta seletiva, economizar papel ou doar dinheiro para alguma organização sem fins lucrativos”, afirma Lucas Amaral, um dos responsáveis pela pesquisa. 


Para entender o porquê do descolamento entre o que as companhias professam e o que elas fazem, basta analisar outros dados trazidos pela pesquisa. Ela mostrou que, para 91% das empresas, o que está por trás da preocupação com a sustentabilidade é o benefício para a imagem da companhia.

Um percentual igualmente relevante, de 75%, afirma se importar com o tema porque é pressionado — pelo governo, por ONGs ou pelos consumidores. Mas apenas 48% investem em produtos e serviços sustentáveis. Ou seja, as empresas aprenderam que atrair a ira de ONGs é uma péssima estratégia de marketing.

“O que ainda não está claro para elas é o fato de que a sustentabilidade não é uma ameaça, e sim uma alavanca para inovar e ganhar dinheiro”, diz Mário Monzoni, diretor do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, responsável pela metodologia do Guia EXAME.

A despeito dessa miopia, é possível interpretar os dados da pesquisa da Fundação Dom Cabral com certo otimismo. É animador constatar que, apesar de apenas uma minoria encontrar meios de colocar o discurso em prática, há avanços.

Desde 2012, quando foi realizada uma versão anterior do levantamento, o percentual de empresas que afirmaram ter ações concretas relacionadas à sustentabilidade saltou de 13% para os atuais 36%. Algumas das que começam esse movimento apenas por pressão externa percebem outros benefícios no meio do caminho.

É o caso do Walmart, que abraçou publicamente a causa em meados da década passada, nos Estados Unidos. Na época, o varejista era alvo de críticas sobre suas práticas trabalhistas. Com o tempo, os ataques se estenderam também à sua falta de políticas ambientais.

Nesse momento, os executivos do Walmart  decidiram levar o tema para o cerne do negócio em todas as suas operações. No Brasil, os impactos dessa decisão são nítidos.

A operação expõe publicamente suas metas de redução de geração de resíduos e já exigiu que mais de 29 fornecedores locais reformulassem seus produtos para torná-los menos nocivos ao meio ambiente, como a fabricante de calçados Grendene e a de alimentos Nestlé.

Existe uma lógica comercial por trás. No acordo, o varejista destaca as características sustentáveis do produto — numa aposta à atenção dos consumidores a esse tipo de apelo. “A pressão fez com que mudássemos nossa maneira de fazer negócios”, diz Camila Valverde, diretora de sustentabilidade do Walmart no Brasil.

A pressão local também tem influenciado empresas 100% brasileiras a mudar de postura. É o caso do JBS, maior frigorífico do mundo. Hoje, a companhia tem um sistema para monitorar 87 milhões de hectares de terras na região amazônica — onde está metade de toda a área de pastagem do país.

O JBS usa o mecanismo para selecionar os que, por exemplo, respeitam a legislação ambiental entre os cerca de 30 000 fornecedores na região — e deixa de negociar com os demais. Bom-mocismo? O sistema começou a ser pensando em 2010, depois que um estudo da ONG Greenpeace e denúncias do Ministério Público associaram os frigoríficos ao desmatamento.

“Independentemente da razão que levou uma companhia a colocar o tema da sustentabilidade em sua estratégia, o importante é que ele ganhe relevância”, diz Heiko Spitzeck, diretor do núcleo de sustentabilidade da Fundação Dom Cabral.

“Para quem percebe os benefícios disso, é um caminho sem volta.” Só falta as empresas se convencerem dessas vantagens para transformar o que já funciona no discurso em prática.

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