Revista Exame

Brasil está no centro dos esportes por cinco anos

O Brasil, com a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016, concentra as atenções do mundo esportivo por cinco anos — e atrai investimentos de setores que vão da venda de camisetas à construção civil

Jogo da seleção: o Brasil precisa alcançar no negócio do esporte o mesmo sucesso que obtém em campo   (AFP Photo)

Jogo da seleção: o Brasil precisa alcançar no negócio do esporte o mesmo sucesso que obtém em campo (AFP Photo)

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Da Redação

Publicado em 14 de setembro de 2011 às 14h59.

São Paulo - Ao longo das últimas décadas, o Brasil ganhou projeção na cena esportiva mundial. Apesar da condição de nação emergente, nenhum país venceu mais Copas do Mundo de futebol, poucos podem se comparar no vôlei, o basquete tem títulos de campeão tanto no masculino como no feminino, tivemos um tenista no topo do ranking e um dos maiores pugilistas da história.

A lista segue com campeões olímpicos de judô, atletismo, hipismo, iatismo, natação e até tiro. Sem contar os ídolos no automobilismo, no rodeio e nos ringues de vale-tudo, para citar modalidades menos convencionais. Até agora, no entanto, o sucesso brasileiro nos esportes esteve limitado à atuação dentro dos estádios, quadras, pistas e piscinas.

Fora deles, o país teve pouco do que se orgulhar. Estruturas precárias, gestões amadoras de clubes e federações, escândalos de corrupção e falta de recursos marcaram, quase sempre, a organização esportiva no país.

Em 2007, quando o Brasil foi escolhido como sede da Copa do Mundo de 2014, começou a se esboçar uma mudança da situação. A pressão foi reforçada dois anos depois com a escolha do Rio de Janeiro para acolher a Olimpíada de 2016.

A conquista do direito de sediar os dois eventos garantiu ao país, durante os próximos cinco anos, uma exposição jamais obtida em toda a história, uma espécie de medalha de ouro no universo dos negócios. Com isso, abriu-se um enorme mercado para setores que vão da construção de estádios à venda de cachorros-quentes.

Sozinhas, no entanto, Copa do Mundo e Olimpíada não seduziriam tantos investidores. O bom momento econômico pelo qual passa o Brasil foi fundamental para atrair atenções e recursos de grandes empresas, seja fornecedoras de material esportivo, escritórios de arquitetura, construtoras, fabricantes de cadeiras, seja agências de marketing.

Um estudo da empresa de consultoria Ketchum indica que, apenas em infraestrutura — área que vai do sistema de transporte urbano à construção de arenas, passando por hotéis, hospitais e aeroportos —, os dois eventos devem envolver investimentos que superam 120 bilhões de reais.


Além disso, o faturamento anual do mercado esportivo, que inclui venda de bolas, chuteiras e raquetes, realização de eventos, patrocínios e venda de direitos de transmissão pela TV, deve subir dos atuais 40 bilhões de reais para 80 bilhões em 2016.

“O Brasil se transformou no centro das atenções do mundo em razão dos eventos esportivos”, diz Stephen A. Greyser, professor de marketing da Universidade Harvard especializado em negócios do esporte.

Agora, a pouco mais de dois anos do apito que dará início ao primeiro jogo da Copa, o país poderá experimentar, em toda a plenitude, a força do esporte como fonte geradora de negócios. Visto apenas como uma atividade que envolvia hábitos saudáveis e paixão por times até o final dos anos 70, o esporte começou a ser tratado como negócio na década seguinte.

“O interesse maior das emissoras de televisão aberta e a criação de canais específicos para o esporte na TV paga foram decisivos para essa transformação”, diz Greyser. A presença constante de atletas e times na televisão, e a audiência cada vez maior de seus jogos, atraiu o interesse de empresas para patrocinar as equipes e anunciar nos estádios e nas transmissões.

Em menos de 30 anos, a transformação foi impressionante. Os uniformes dos times, que não estampavam nada além das cores e dos distintivos das equipes, passaram a ser cobiçados por companhias que vão de fabricantes de automóveis a indústrias farmacêuticas.

Levantamento feito pela empresa de pesquisa alemã Sport+Markt mostra que os patrocínios aos clubes de primeira divisão dos seis campeonatos de futebol mais importantes do mundo movimentaram 530 milhões de euros, ou 1,2 bilhão de reais, em 2010. O Brasil aparece em terceiro nesse ranking, à frente de competições milionárias como as de Espanha, França e Itália.

Há cinco anos, nem sequer figurava na lista. “Isso já é reflexo da atração de interesse despertado pela perspectiva de realização da Copa e da Olimpíada”, diz João Frigerio, sócio da consultoria Arantes Frigerio Paulo, com sede na Suíça.

Os reflexos da mudança de patamar do Brasil no mundo esportivo vão bem além da valorização dos times de futebol. O país já começou a atrair competições de diversas modalidades, as maiores empresas de promoção de eventos e de marketing esportivo desembarcaram por aqui e o mercado nacional de artigos esportivos se tornou relevante para as grandes empresas.


Os efeitos nos negócios ligados diretamente ao esporte representam, porém, mera fatia das oportunidades. De acordo com o estudo da Ketchum, apenas em infraestrutura de transportes urbanos, o que inclui metrôs, trens e vias públicas, o investimento nas 12 cidades-sede de jogos da Copa deve chegar a 67 bilhões de reais.

Outros 13 bilhões podem ser investidos na construção e expansão de hotéis e mais 7 bilhões deverão ser destinados a portos e aeroportos. A reforma e a construção de estádios ficaram com aproximadamente 5,5 bilhões de reais.

O que será feito com toda essa estrutura depois da realização da Copa e dos Jogos Olímpicos é que determinará se o investimento valeu ou não a pena. Evidentemente, a aplicação de 120 bilhões de reais apenas para a realização de jogos de futebol e provas de atletismo e natação seria jogar dinheiro fora.

“É preciso aproveitar que todas as atenções do mundo estarão voltadas para o Brasil para atrair gente e outros eventos com esses investimentos”, diz Luís Eduardo Borges, vice-presidente para a América Latina da americana IMG, maior empresa de marketing esportivo do mundo.

Com a estrutura que está sendo criada, os aeroportos precisarão receber mais passageiros, os hotéis mais hóspedes, os restaurantes mais clientes e as arenas mais torneios e shows. 

A atração de novos eventos e de mais turistas para o Brasil depende de esforços de empresas e governos, principalmente das cidades e dos estados menos conhecidos que vão sediar jogos da Copa.

Se não usarem o momento para desenvolver negócios relacionados ao esporte, capitais como Cuiabá, Manaus, Brasília e Natal, que têm pouca ou nenhuma tradição no futebol, certamente verão seus estádios se transformar em monumentos ao desperdício.

“Há muitas oportunidades de sediar competições internacionais, mas as cidades brasileiras precisam ir atrás delas em feiras do setor”, diz Frigerio. Para conseguir uma data desses eventos, é preciso reservar com anos de antecedência. Portanto, é hora de agir.


Não é apenas no mundo dos negócios que a realização dos dois maiores eventos esportivos do mundo tem impactos positivos. “A exposição é boa para aumentar a autoestima do povo, divulgar o país no exterior e realizar melhorias de infraestrutura”, diz o professor Greyser, de Harvard.

A exposição excessiva, no entanto, não traz só benefícios. Possíveis escândalos de corrupção, mazelas sociais e problemas de segurança podem ganhar proporções gigantescas e causar danos à imagem do país perante espectadores de todos os cantos do mundo.

Durante a excursão da tocha olímpica antes dos bem-sucedidos Jogos de Pequim, diversos protestos foram realizados mundo afora contra a política de direitos humanos da China e a favor da independência do Tibete. “Problemas que têm relevância apenas localmente podem se transformar em questões mundiais nos eventos”, diz Greyser. 

Os próximos anos serão decisivos para a Copa e a Olimpíada se transformarem numa alavanca para que o país ganhe mais relevância internacional. Caso tenham sucesso, certamente haverá um estímulo para que a economia brasileira, tão festejada nos últimos anos, continue a atrair investimentos e para que as empresas do país sigam ganhando espaço no exterior.

Um vexame na realização, no entanto, pode reforçar a imagem de país desorganizado, inseguro e onde é difícil fazer negócios. Nos próximos anos, o que estará em jogo para o Brasil vai muito além de conquistar o hexacampeonato de futebol ou uma boa posição no quadro de medalhas olímpicas. O país vai mostrar ao mundo se tem ou não capacidade de ser um grande centro de negócios.

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