Revista Exame

No Brasil até o petróleo barato sai caro

A Petrobras não repassa a queda na cotação do petróleo aos consumidores. O resultado é uma chance desperdiçada de estimular a economia e amenizar a inflação


	Rodovia em São Paulo: o custo logístico no Brasil poderia cair 0,6 ponto percentual do PIB
 (Germano Lüders/EXAME.com)

Rodovia em São Paulo: o custo logístico no Brasil poderia cair 0,6 ponto percentual do PIB (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 31 de março de 2016 às 09h52.

São Paulo — Nenhum ano foi tão difícil como 2015 para a Fadel, uma transportadora de cargas de São Paulo com faturamento anual de 300 milhões de reais. Os 1.000 caminhões da Fadel atendem uma carteira de clientes como as fabricantes de alimentos Bunge e Danone. A crise do país diminuiu o volume de pedidos e fez com que a empresa tivesse seu pior resultado em 15 anos.

Além disso, a Fadel se viu na embaraçosa situação de ter de negociar com os clientes o repasse do reajuste de 17% que teve no óleo devido ao aumento de tributos desde fevereiro do ano passado. “Os gastos com combustíveis representam 25% de nossos custos”, diz Ramon Alcaraz, sócio da Fadel. “Segurar o aumento tornaria nossa operação praticamente inviável.”

O mais frustrante para Alcaraz é saber que, enquanto no Brasil as despesas estão em alta, em países como os Estados Unidos os operadores logísticos comemoram reduções nos gastos para encher os tanques — consequência direta da queda no preço do petróleo. Se Alcaraz pudesse abastacer seus caminhões nos postos americanos, a conta de diesel cairia para 16% das despesas da Fadel.

“Isso nos daria margem para negociar descontos e conquistar vendas”, diz ele. Como a Fadel, a maioria das empresas brasileiras não sente os benefícios do petróleo barato no mundo. A cotação internacional do barril desabou 70% desde 2014 — no fechamento desta edição, em 22 de fevereiro, estava em 31 dólares.

Segundo especialistas no mercado de energia, esse patamar deve ser mantido até o fim de 2016 — embora no início de fevereiro a Arábia Saudita e a Rússia tenham concordado em congelar a produção nos níveis ­atuais, de modo a forçar uma reação do preço.

Motivados por fatores que incluem o fim das sanções comerciais ao Irã, país detentor da quarta maior reserva mundial do produto, e a demanda em queda em importadores como a China e a zona do euro, os preços baixos do óleo têm sido repassados aos consumidores em boa parte do mundo. Nos Estados Unidos, a gasolina baixou 30% desde dezembro de 2014. Na Inglaterra, 13%.

No Brasil, o preço subiu 12%. De acordo com dados do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), consultoria em óleo e gás, há dois anos o consumidor brasileiro pagava o mesmo que o americano pelo litro de diesel. Agora paga 30% mais. “O Brasil está na contramão do mundo”, diz Adriano Pires, sócio do CBIE.

Na raiz do descompasso está a histórica falta de transparência nos critérios para a formação do preço dos combustíveis no país. Um relatório do Banco Mundial, divulgado em janeiro, classifica o Brasil como um dos mercados mais suscetíveis à ingerência política no cálculo dos preços, ao lado de economias reconhecidamente fechadas, como Bolívia, Equador e Venezuela.

Em comum está a dominância de uma estatal no refino dos derivados de petróleo. No caso brasileiro, a Petrobras é responsável por 99% do mercado — ou seja, tem um monopólio. É uma situação oposta à dos países desenvolvidos, que normalmente mantêm cadeias pulverizadas, e onde a concorrência se encarrega de permitir a flutuação dos preços.

Nessas economias, a mão do Estado se restringe a definir a alíquota dos impostos que incidem sobre o setor. No Brasil, tentou-se implantar um modelo semelhante em 1997, com a criação de uma legislação que abriu o mercado para a atuação de concorrentes em todos os elos da cadeia de óleo e gás. Na prática, o que houve em seguida foi um aumento na participação da Petrobras no refino.

Recentemente, a estatal, que já detinha 12 refinarias, investiu — muito mais do que seria preciso, por sinal — na construção de Abreu e Lima, em Pernambuco, e em Comperj, no Rio de Janeiro. “O monopólio saiu da lei, mas continua de fato”, diz Adilson de Oliveira, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e especialista no setor.

Como se não bastasse, na ânsia de controlar a inflação, o governo Dilma Rousseff manteve os preços da gasolina e do diesel em níveis artificialmente baixos entre 2011 e 2014 — anos em que a cotação do barril ficou acima de 100 dólares. No período, a Petrobras deixou de faturar 100 bilhões de reais no mercado interno.

Além disso, embarcou num ambicioso plano de investimentos no pré-sal, o qual, embora tenha sido revisado para baixo, ainda prevê a injeção de 90 bilhões de dólares até 2019. Com o mercado internacional inundado de petróleo barato, a Petrobras não pode contar com aumento das receitas externas para fazer caixa frente às dívidas de 500 bilhões de reais.

Em nota, a Petrobras afirma que “a política de preços no Brasil permanece com o objetivo de alinhamento entre os preços domésticos e os internacionais, evitando refletir a volatilidade dos mercados”. A cotação baixa é uma encrenca generalizada no setor: segundo a consultoria inglesa Deloitte, um terço das petroleiras independentes no mundo corre o risco de falência.

A Petrobras tem costas largas — tem o Estado brasileiro como fiador. Mas especialistas afirmam que, ao não diversificar as fontes de receita e os mercados de atua­ção nos tempos de bonança, como fizeram concorrentes como a anglo-holandesa Shell e a norueguesa ­Stat­oil, a estatal brasileira ficou mais exposta a uma queda da cotação.

“Atual­mente, 60% das receitas da Petrobras vêm do refino e da distribuição no mercado interno”, diz a analista Mara Roberts, da consultoria BMI, em Nova York. “É uma situação frágil para uma empresa tão endividada.” Por isso, agora não repassa aos consumidores o preço mais baixo da matéria-prima.

Na contramão

O resultado de arcar com a conta da Petrobras é que o país desperdiça mais uma oportunidade de ganhar competitividade — ao contrário, as empresas aqui perdem ainda mais diante de concorrentes de fora. Alguns exercícios mostram o tamanho do problema.

Em 2015, caso os preços da gasolina e do diesel no Brasil tivessem seguido os valores praticados nos Estados Unidos, os consumidores brasileiros teriam economizado 74 bilhões de reais, segundo estimativa da consultoria MBAgro, de São Paulo. Neste ano, pelo mesmo parâmetro, a conta deverá chegar a 99 bilhões.

As empresas que têm os combustíveis como insumo principal, como as transportadoras, são as mais prejudicadas. O custo logístico brasileiro, atual­mente em 12% do PIB, cairia 0,6 ponto percentual se os combustíveis seguissem as cotações internacionais, segundo a Abralog, associação das empresas do setor. Os benefícios se estenderiam a outros setores, como o agronegócio.

Os ganhos no escoamento de soja, milho e açúcar chegariam a 2,5 bilhões de ­reais ao ano — 30% do gasto em 2015 com o transporte desses produtos. Quase toda a safra depende de caminhões para ser exportada, modo pouco eficiente em comparação a trens e navios.

“Os produtores brasileiros sofrem mais a variação do preço do diesel do que os americanos”, diz a economista Giovana Araújo, da MBAgro.

O preço mais baixo do petróleo também poderia ajudar no combate à nossa inflação. Segundo o CBIE, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo, que em janeiro acumulou expansão de 10,7% em 12 meses, poderia baixar 1,5 ponto percentual caso a cotação internacional fosse aplicada aqui.

É fato que, quando o petróleo custava 100 dólares, o efeito seria o inverso: a inflação teria crescido 1 ponto — nada diferente do que ocorre com a maioria dos produtos que consumimos, sujeitos à lei da oferta e da procura. De novo, estamos na contramão do mundo.

De acordo com a consultoria Oxford Economics, o petróleo barato está por trás da rara combinação de crescimento econômico e deflação em países como Suécia, Suíça e Polônia. Nos Estados Unidos, a cotação atual deve reduzir 0,7 ponto percentual da inflação neste ano.

Em 2015, os motoristas americanos economizaram, em média, 700 dólares em combustível, segundo uma pesquisa do banco JP Morgan Chase. Sete em cada 10 dólares que iam para o tanque agora são utilizados em despesas como refeições fora de casa, reformas domésticas e compras no supermercado.

“É uma forma de estimular o consumo”, diz Fiona Greig, diretora de pesquisas do JP Morgan Chase, de Nova York. Em um Brasil que ruma para uma recessão de 4% com inflação de 8% em 2016, um alento vindo dos postos de combustíveis não seria nada mal.

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