Revista Exame

"Ninguém mais quer ouvir o Brasil", diz o ex-chanceler Celso Amorim

Para o ex-ministro das Relações Exteriores, na gestão Bolsonaro, a comunidade internacional não vê mais o Brasil como um aliado, mas, sim, como um problema

Celso Amorim, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais (Rio Branco/Divulgação)

Celso Amorim, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais (Rio Branco/Divulgação)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 5 de dezembro de 2019 às 05h10.

Última atualização em 5 de dezembro de 2019 às 10h33.

Celso Amorim conhece a política externa do Brasil como poucos. Diplomata desde a década de 60, foi ministro das Relações Exteriores nos governos de Itamar Franco (1993-1995) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011). Em entrevista a EXAME, o ex-chanceler faz um balanço crítico do primeiro ano da política externa de Jair Bolsonaro. “Nunca antes havíamos rejeitado os valores básicos do multilateralismo e das normas internacionais”, diz.

Como o senhor avalia a política externa do atual governo?

É a política externa mais desastrosa que já vi na história do Brasil. Nunca antes havíamos rejeitado os valores básicos do multilateralismo e das normas internacionais nos mais variados campos. Também nunca vi um alinhamento automático, absoluto e declarado com os Estados Unidos como agora.

Quais os benefícios desse alinhamento automático?

Não vejo benefício nenhum. Até mesmo as pessoas mais conservadoras do Itamaraty estão horrorizadas, porque isso nunca foi feito. Os Estados Unidos não respeitam um país que não se respeita. E o que vemos hoje na relação entre o Brasil e os Estados Unidos são cenas de paternalismo e desprezo.

O governo Bolsonaro rompeu com a tradição diplomática?

É evidente que sim. Os princípios da não intervenção e da autodeterminação dos povos, listados na Constituição como princípios básicos, sempre foram fundamentais para nós. Esses são apenas dois dos aspectos mais graves desse rompimento.

Como o senhor enxerga a polêmica entre o governo e outros chefes de Estado em razão das queimadas na Amazônia?

O problema não é a polêmica, e sim ser ofensivo com um chefe de Estado. Não concordo com Emmanuel Macron [presidente da França] sobre o estatuto internacional da Amazônia. A soberania é nossa e ninguém discute isso, mas, com ela, vem a responsabilidade. Nosso presidente teve uma atitude que jamais vi nas relações internacionais. Nesse episódio, ele ultrapassou limites da civilidade. 

Como está a imagem do Brasil perante a comunidade internacional em sua opinião?

As pessoas estão perplexas. O Brasil sempre foi considerado um país simpático. Só que hoje nós somos vistos como um problema. A Amazônia foi o caso mais gritante, mas o que fizemos em outras áreas, como as atitudes belicosas em relação à Venezuela, acabou por fazer do Brasil um país que cria problemas.

Qual é o papel do Brasil hoje na América Latina?

É pequeno. Há ventos de mudança na região e temos visto uma reação popular às políticas neoliberais, como no Chile. O Brasil é um país grande e não será ignorado, mas ninguém mais quer nos ouvir. O ministro atual quer se aproximar de países de extrema direita, como a Hungria, e tem atitudes hostis contra outros países, como a França. É um desvio de nossa política, baseada em pluralismo e tolerância, sem fanatismo. 

A América Latina está sendo palco de várias crises políticas. O que está acontecendo?

As pessoas acham que podem impor uma doutrina econômica e desconhecem um fato fundamental: estamos lidando com seres humanos, não com números ou máquinas. A implementação de políticas chamadas de neoliberais chegou ao limite em muitos países. Ninguém esperava a recente explosão popular no Chile. E acredito que esse sentimento vai chegar ao Brasil. Não sei quando, mas vai. 

Acompanhe tudo sobre:América LatinaCelso AmorimDiplomaciaDonald TrumpEstados Unidos (EUA)EXAME-no-InstagramItamaratyLuiz Inácio Lula da Silva

Mais de Revista Exame

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Trump de volta: o que o mundo e o Brasil podem esperar do 2º mandato dele?

Ano novo, ciclo novo. Mesmo

Uma meta para 2025