Revista Exame

Tarpon tem 60% de seu dinheiro aplicado em BRF; exagero?

A Tarpon tornou-se uma das maiores gestoras do país ao concentrar os investimentos em poucas empresas. Mas hoje a participação na gigante de alimentos é enorme.

Linha de produção da BRF: resultados fracos em ciclo de baixa do negócio (Germano Luders/Exame)

Linha de produção da BRF: resultados fracos em ciclo de baixa do negócio (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 18 de agosto de 2016 às 05h56.

São Paulo — Na elite do mercado financeiro brasileiro, a gestora Tarpon é um bicho um tanto diferente. Fundada há 14 anos por um grupo de jovens liderados pelo administrador de empresas Zeca Magalhães, a Tarpon foi, aos poucos, criando um modelo de investimentos único no país. Com o dinheiro que levanta, a gestora faz grandes apostas em poucas empresas e busca influenciar diretamente na gestão.

Enquanto outros fundos investem em ações de dez ou 15 companhias, a Tarpon costuma concentrar o dinheiro em três ou quatro. Foi uma estratégia de inegável sucesso, a ponto de permitir à gestora levantar dinheiro com investidores de longuíssimo prazo dispostos a esperar mais de uma década para receber o dinheiro de volta.

Não ter de se preocupar tanto com prazos é um luxo nesse mercado. Hoje, a Tarpon administra 8 bilhões de reais. Mas esse jeitão, tão bem-sucedido, enfrenta agora seu maior teste. Fazer apostas pesadas é uma ótima ideia, desde que essas apostas deem certo.

E, nos últimos anos, na esteira da recessão que abateu a economia brasileira, tem sido difícil para a Tarpon repetir o sucesso de investimentos anteriores. Nada menos que 60% do dinheiro da Tarpon está investido em ações da BRF, a gigante de alimentos que é dona das marcas Sadia e Perdigão. A empresa é presidida desde 2015 por um dos sócios da gestora, Pedro Faria.

A outra grande aposta da Tarpon, a empresa de educação Somos, vem sofrendo. Esta é presidida por outro sócio da gestora, Eduardo Mufarej. E, no ano passado, a Tarpon perdeu 1 bilhão de reais num investimento em ações da siderúrgica Gerdau. Essa combinação de fatores aumentou o nível de estresse interno. Dois sócios deixaram a Tarpon em 2016.

Em 2015, sem lucro nos investimentos, a gestora não conseguiu cobrar taxas de performance — o que deve se repetir neste ano. De 2010 a 2013, faturou mais de 100 milhões de reais por ano em taxas de performance. A outra fonte de receita da Tarpon é a taxa de administração que cobra dos cotistas, que oscila em razão do valor que a gestora administra.

De dezembro de 2015 a junho de 2016, esse total caiu 17%. Uma tentativa recente de levantar mais dinheiro teve de ser abortada por falta de demanda. De longe, o maior desafio da Tarpon é fazer a BRF dar certo. O futuro da gestora nunca dependeu tanto de um único investimento.

Há três anos, a participação na BRF representava 30% do total investido pela gestora — um patamar que seria considerado alto por muita gente, mas que era tido como adequado pela Tarpon. Mas ter 60% de seus fundos alocados num só papel é demais para qualquer um.

Faria e Magalhães lideram um grupo de investidores que inclui o empresário Abilio Diniz, o GIC, fundo soberano de Singapura, e fundos de pensão, que pretendia fazer uma revolução na companhia. Os resultados da empresa vinham bem até meados de 2015, mas desde o final do ano passado começaram a decepcionar.

No primeiro semestre deste ano, a empresa lucrou apenas 70 milhões de reais, 92% menos do que no mesmo período de 2015. As ações, que chegaram a 70 reais em setembro, caíram 30% de lá para cá, enquanto o Ibovespa valorizou 30%.

Os analistas apontam como grandes culpados a recessão brasileira, que reduziu o consumo, e o fato de o preço do milho ter dobrado no primeiro semestre — esse é um dos grandes custos da companhia, já que o milho é usado em rações de animais.

O problema é que a BRF vendeu aos investidores a tese de que estava construindo um negócio concentrado em alimentos processados, menos vulnerável às oscilações das commodities e, portanto, com mais capacidade de resistir a eventuais crises. Diante do impacto das oscilações do preço do milho em seu resultado recente, foi aberto espaço para que a gestão da empresa começasse a ser questionada.

Em reuniões com investidores, os sócios da Tarpon alegam que é preciso considerar que o comportamento de preços dos grãos neste ano não tem precedentes históricos. Alguns fundos que investem na empresa ouvidos por EXAME já questionam se Faria, por ter mais experiência nas finanças do que no varejo, seria a pessoa mais indicada para comandar a BRF.

Em agosto de 2013, o então presidente, José Antonio Fay, foi substituído por Cláudio Galeazzi e, no fim do ano passado, o comando foi passado para Faria, que havia sido testado, com êxito, no comando da área internacional.

Para os analistas do banco Bradesco, a BRF tem sido vítima de aspectos cíclicos do negócio e também de “desafios de execução”. “A empresa é negativamente afetada por constantes trocas de comando”, escreveram num relatório recente. Em fevereiro, Faria demitiu Flávia Faugéres, que havia sido contratada um ano e meio antes para tocar toda a operação brasileira.

Não bastasse o grande desafio de gerir uma empresa global, desde o ano passado a Tarpon administra outro desafio, a Somos Educação. A recessão vem afetando os resultados da companhia, que lida com um endividamento elevado. A Tarpon tem 76% das ações, a maioria no conselho e nas diretorias.

Em 2015, a Somos não deu lucro, mas a remuneração dos administradores passou de 1,4 milhão de reais, em 2014, para 6 milhões de reais, no ano passado. O investimento representa 22% do total administrado pela Tarpon. Fundos vivem de comprar, mas vivem sobretudo de vender. Ter 80% do dinheiro investido em duas empresas que passam por momentos complexos gera, naturalmente, problemas internos.

Dois sócios, Philip Reade e Gustavo Wigman, deixaram a Tarpon neste ano. Segundo executivos que acompanharam as negociações para a saída dos dois, pesaram a favor da decisão a “BRF-dependência” da Tarpon, a queda nos bônus e a falta de perspectiva de novos investimentos. “Hoje, não há espaço para quem quer fazer coisas novas”, diz uma pessoa próxima à gestora.

Em 2016, a Tarpon tentou captar mais recursos para voltar a investir, mas não conseguiu. O movimento de um grande investidor foi observado com preocupação. O GIC, fundo soberano de Singapura, anunciou recentemente que estava aumentando sua participação acionária na BRF comprando papéis diretamente na bolsa. O GIC é um dos grandes cotistas dos fundos da Tarpon.

O risco, aqui, é claro. Quanto mais a Tarpon depende da BRF, maior o incentivo para seus investidores comprarem ações da empresa na bolsa sem ter de pagar taxas de administração e performance para Magalhães e seus sócios. Procurada, a Tarpon não deu entrevista.

A chave para o futuro da Tarpon será convencer seus cotistas de que ainda existe ali um estilo de gestão “mão na massa” que pode dar grandes retornos. Há tempo para isso. Ter investidores de longuíssimo prazo ajuda. Boa parte do investimento na BRF está alocada num fundo que não tem prazo para devolver o dinheiro aos cotistas.

Enquanto isso, a Tarpon faz o que pode para dar uma virada nos resultados de suas empresas. EXAME apurou que a Somos estuda vender sua divisão de negócios não ligados aos ensinos fundamental e médio. A empresa não comentou. A BRF estuda abrir o capital da Sadia Halal, sua subsidiária que atua em países muçulmanos que, segundo estudos internos, vale cerca de 5 bilhões de dólares.

Apesar da queda recente, o investimento em ações da BRF ainda dá um bom retorno para os cotistas. A Tarpon comprou os papéis por cerca de 20 reais há cinco anos. Hoje, valem 53 reais. Não é um retorno explosivo, mas dá a Zeca Magalhães e a seus sócios espaço para dizer aos cotistas: no longo prazo, vai dar tudo certo.

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