Elon Musk, durante lançamento anterior de foguete da SpaceX (Todd Anderson/The New York Times)
Da Redação
Publicado em 2 de agosto de 2018 às 06h08.
Última atualização em 2 de agosto de 2018 às 14h01.
“Com licença, com licença. Próxima, próxima. [Fazer] perguntas idiotas e chatas não é legal. Essas perguntas estão me matando.” O empresário Elon Musk parecia irritado na teleconferência com analistas de Wall Street para comentar os resultados trimestrais de sua empresa Tesla no começo de maio. A fabricante de carros elétricos é o símbolo da maior transformação da história da indústria automobilística, mas, se a Tesla é viável como negócio, ainda é dúvida para muita gente — especialmente para quem analisa os números da companhia. Incomodado com as perguntas insistentes sobre a saúde financeira da empresa, Musk decidiu se concentrar num jornalista e youtuber que também participava da sessão e que estava mais interessado na tecnologia e menos nas planilhas. Encerrada a conversa, o analista Toni Sacconaghi, do banco de investimentos AllianceBernstein, escreveu em seu relatório que a teleconferência resultou em mais “perguntas chatas” do que em “respostas”. No fim do dia, as ações da Tesla tinham caído mais de 5%.
É fácil entender a reação ao comportamento de Musk. Todas as suas declarações — e esquivas — são examinadas cuidadosamente. Ele dirige uma empresa com ações negociadas em bolsa e tem o dever de prestar contas e esclarecer as dúvidas dos acionistas. Mas o sul-africano de 47 anos é mais do que um empreendedor visionário lutando contra o ceticismo dos estudiosos de balanço. Elon Musk é o maior superstar de uma era de presidentes executivos superstars; o homem que promete trocar a gasolina pela eletricidade para salvar o planeta; o sonhador que virou de cabeça para baixo o setor aeroespacial com a startup SpaceX e quer transformar a raça humana numa espécie multiplanetária. Musk também é pop, haja vista o sucesso de mídia que foi o lançamento do foguete Falcon Heavy, que em fevereiro colocou um carro da Tesla em órbita com um manequim ao volante ao som de Life on Mars, de David Bowie.
Mas o comportamento recente de Musk à frente de suas empresas e diante de 22 milhões de seguidores no Twitter tem colocado em dúvida sua capacidade de transformar sua visão em realidade. “Elon Musk é o Donald Trump do Vale do -Silício”, escreveu em maio um colunista do jornal The New York Times. De fato, assim como o presidente dos Estados Unidos, Musk tem enxergado inimigos em toda parte. Ele usa o Twitter para atacar jornalistas e denunciar os short sellers (investidores que apostam na queda do valor das ações da Tesla). Um ex-funcionário da montadora que vazou informações sobre problemas de eficiência da Tesla foi chamado de “sabotador” por Musk. Mas o episódio que ganhou as manchetes foi um bate-boca público com Vern -Uns-worth, um mergulhador britânico que participou do salvamento dos 12 garotos tailandeses presos numa caverna. Sem que ninguém pedisse, Musk se ofereceu para ajudar. Ele foi à Tailândia e colocou à disposição da equipe de resgate um minissubmarino feito com peças de um de seus foguetes. Unsworth disse que o bilionário queria dar um “golpe de relações públicas” e deveria “enfiar o submarino onde dói”. Musk retrucou no Twitter, chamando o mergulhador de “pedófilo”.
As ações da Tesla caíram de novo — dessa vez, a queda foi de 3%. Dias depois, com o tuíte ofensivo já deletado, Musk pediu desculpas. Mas o estrago estava feito. A revista Fortune perguntou se o executivo era “volátil demais” para comandar a Tesla e a SpaceX. A revista Inc o classificou de “administrador terrível”. A adulação deu lugar a incredulidade e sarcasmo. Dividindo o tempo entre duas empresas extremamente ambiciosas e que ainda não provaram a viabilidade, será que Musk não deveria se concentrar nos negócios? Por que essa súbita necessidade de se meter onde não foi chamado?
No improviso
Ashlee Vance, autor de Elon Musk — Como o CEO Bilionário da SpaceX e da Tesla Está Moldando o Nosso Futuro, tem uma teoria. “Musk é bem tímido e nunca quis chamar a atenção. Mas parece que ele começou a curtir a ideia. Acho que está meio dependente dessa atenção e vive querendo fazer algo novo e maior para ficar nos holofotes”, disse Vance a EXAME. “Alguma coisa claramente mudou. É triste. Ele está deixando que as críticas no Twitter o atinjam. Seria de imaginar que ele ficasse acima disso tudo.” Vance conviveu durante meses com Musk para escrever o livro, mas não tem contato com o empreendedor há meses. Para o autor, o bilionário está estressado com a “pressão imensa” de lidar com o “pesadelo” que é a produção da Tesla.
Musk afirmou há um mês que a Tesla finalmente tinha conseguido atingir a marca de 5 000 carros produzidos por semana, número que permitiria gerar caixa suficiente para manter as operações e chegar à lucratividade no segundo semestre. Mas os analistas ainda não estão certos de que o ritmo possa ser mantido, dado o histórico de previsões incorretas. Em maio de 2016, Musk disse que no segundo semestre de 2017 a Tesla produziria de 100 000 a 200 000 unidades do Model 3, compacto que marcou a entrada no mercado de massa. No fim do ano, a companhia havia entregado apenas 2 700 Model 3. No primeiro trimestre, foram 9 766 unidades.
Para chegar ao objetivo de 5.000 carros por semana, a Tesla teve de improvisar uma linha de montagem numa tenda erguida do lado de fora da fábrica de Fremont, na Califórnia. A iniciativa foi recebida com espanto. “Não tenho palavras. É uma insanidade”, disse à -Bloomberg Max Warburton, que, antes de se tornar analista financeiro, fez um estudo global de linhas de montagem das grandes montadoras. Musk anunciou a estrutura no Twitter, naturalmente. Disse que tudo foi feito usando “recursos mínimos”. Como tudo o que diz respeito a Musk e à Tesla, o burburinho online foi imediato. A empresa não divulgou detalhes sobre a fábrica levantada às pressas, mas não há dúvida de que a boa vontade dos investidores está pelas últimas. Ou a companhia prova que consegue produzir grandes volumes ou então está destinada a ser uma fabricante de carros de luxo.
Isso não significa desprezar as conquistas de Musk. Com o Model 3, a Tesla está competindo com montadoras centenárias, como Ford e GM. A empresa aeroespacial SpaceX foi a primeira a provar a viabilidade de foguetes reutilizáveis. Mesmo que o plano de levar o homem a Marte não se concretize, a companhia provou que existe um mercado enorme e não explorado de lançamentos espaciais de baixo custo. Elon Musk, nascido em Pretória, na África do Sul, mudou-se para o Canadá aos 17 anos. Ao completar 30 anos, já havia fundado e vendido duas empresas — a segunda delas, o PayPal, foi adquirida pelo eBay por 1,5 bilhão de dólares. Em vez de se recolher a uma vida confortável, ele decidiu arriscar a fortuna em dois negócios de grandeza mais complexa: produzir carros e foguetes. “Acredito que Musk será lembrado como um dos grandes industriais”, afirma Vance. “Mesmo que a Tesla vá à falência, Musk terá deixado sua marca pelas próximas décadas.”
Scott Galloway, professor na escola de administração de empresas Stern School of Business, da Universidade de Nova York, é um dos críticos mais ferozes do poder crescente das empresas de tecnologia. Ele faz um elogio entusiasmado do empreendedor, mas com ressalvas. “Elon Musk é o Thomas Edison de nossa geração”, diz Galloway. “Ele é um gênio de visão ousada, que se recusa a acreditar que não é capaz de conquistas enormes. Mas isso não significa que não se deva exigir dele o mesmo comportamento de outros executivos. E seu comportamento recente é simplesmente inaceitável.”
Outra questão fundamental, na opinião de Galloway, é a condição de celebridade a que muitos empreendedores de sucesso foram elevados. Ele afirma que a sociedade dos dias de hoje literalmente cultua os inovadores. Os criadores de produtos como o iPhone ou de plataformas de busca, como o Google, seriam deuses modernos. “As empresas de tecnologia cooptaram a mídia tradicional como empresas de relações públicas de baixo custo. Elas só elogiam nossos novos Jesus Cristos — os inovadores tecnológicos”, diz Galloway, destacando em especial Jeff Bezos, fundador da loja eletrônica Amazon, a pessoa mais rica do mundo e dono da Blue Origin, empresa de exploração espacial que concorre com a SpaceX. Por mais que Elon Musk sonhe em resolver os problemas da humanidade (nem que seja levando nossa espécie para outro planeta), seu destempero recente prova que ele não é santo nem tem poderes sobrenaturais — é de carne e osso, e vai ter de provar suas ideias na Terra.