Fábrica da Unilever: investimento em inovação (Regis Filho)
Da Redação
Publicado em 27 de julho de 2011 às 06h00.
São Paulo - Aos 48 anos de idade, o catarinense Julio Campos, vice-presidente de vendas da anglo-holandesa Unilever no Brasil, conta com uma rotina bem diferente da maioria dos executivos de multinacionais de bens de consumo.
Em vez de apenas peregrinar pelas sedes das grandes redes de varejo ou de viajar pelo interior do país para desbravar recônditos pontos de venda, Campos passa boa parte de seu tempo trancafiado em um espaço de 530 metros quadrados em um dos prédios-sede da Unilever no bairro do Itaim, na zona sul de São Paulo.
Desde setembro, funciona ali o laboratório virtual de inovação, ou Consumer Insight and Innovation Centre (Ciic), um dos mais modernos da empresa no mundo. Com a ajuda de um telão de 10 metros de comprimento e 3 de altura, Campos reproduz para seus clientes o ambiente de hipermercados, farmácias e padarias — tudo com projeções em 3D.
As gôndolas holográficas permitem à Unilever testar a reação dos consumidores a diferentes disposições de seus produtos nas prateleiras do varejo — uma das tecnologias empregadas, batizada de eyetracking, permite identificar os movimentos da íris dos participantes, criando uma espécie de mapa das regiões mais "quentes" da estante. É lá, em tese, que devem ficar os produtos mais rentáveis ou os que precisam ser promovidos.
"O laboratório nos permite simular situações e testá-las cientificamente antes que elas aconteçam na vida real", diz Campos. Cada rodada de testes chega a durar até 8 horas. Em pouco mais de sete meses de operação, o laboratório já deu consultoria a 40 clientes, entre eles o Grupo Pão de Açúcar e a rede de farmácias Droga Raia.
A escolha de São Paulo como sede de um dos seis laboratórios que a Unilever inaugurou no mundo desde 2009 — os outros são em Paris, Londres, Nova York, Xangai e Singapura — tem a ver com a relevância que a operação brasileira vem assumindo. Depois de crescer 8% em 2010, a subsidiária tornou-se a segunda operação mais importante da corporação, atrás apenas dos Estados Unidos.
Essa velocidade é música para os executivos de uma companhia global que precisa encontrar alternativas para continuar a crescer. De 2005 para cá, a Unilever, segunda maior fabricante de bens de consumo do mundo, cresceu, em média, 3% ao ano, o dobro do registrado nos cinco anos anteriores — mas metade do verificado no final da década de 90.
Com a crise e a estagnação econômica de vários países desenvolvidos, as boas notícias têm partido de mercados como o brasileiro e o chinês. "Para seguir crescendo, a Unilever precisa fazer mais do que fabricar dezenas de produtos e ser uma grande anunciante", diz Rafael D’Andrea, professor de trade marketing do Insper. "Ela precisa de estratégias inovadoras também para levar seus produtos ao varejo."
Força nos emergentes
Não é a primeira vez que uma fabricante de bens de consumo faz uso da tecnologia 3D para testar a reação de consumidores à forma como seus produtos são expostos no varejo. Em 2006, a americana Procter&Gamble, maior empresa do mundo de bens de consumo, inaugurou na cidade de Weybridge, na Inglaterra, um centro com projeções em 3D dedicado a esse tipo de simulação.
O mesmo foi feito pela Kimberly-Clark um ano mais tarde em Appleton, nos Estados Unidos. O que torna a iniciativa da Unilever inédita no mundo é a busca de soluções cliente a cliente — mesmo que isso signifique instalar alguns laboratórios em países emergentes, fora do eixo Europa-Estados Unidos, como é costume no setor.
O caso envolvendo a rede de hipermercados Extra, que pertence ao Grupo Pão de Açúcar, dá uma ideia do potencial dessa associação. Em novembro, os executivos do Extra foram convidados pela Unilever a participar de uma rodada de testes no novo espaço envolvendo a disposição de produtos das marcas Seda, Dove e Rexona.
Ao final de quase 5 horas de reunião, a Unilever sugeriu uma remodelação das prateleiras na seção de perfumaria: os produtos para cabelo, até então distribuídos por categoria, deveriam ser dispostos por marca. Além disso, o espaço passaria a receber uma iluminação mais clara e os lançamentos deveriam ficar expostos em pequenos quiosques entre as gôndolas.
A princípio, as medidas foram adotadas em uma única loja da rede, localizada no bairro do Itaim, na zona sul de São Paulo. Em dois meses, as vendas desse segmento aumentaram 20% em comparação com as demais lojas do Extra — e as mudanças serão agora estendidas a seus quase 300 pontos de venda.
No caso da Droga Raia, quinta maior rede de farmácias do Brasil, com 350 unidades, as mudanças propostas pela Unilever foram ainda mais pontuais. Os testes realizados com a tecnologia eyetracking mostraram que os consumidores passavam mais tempo em frente às gôndolas quando produtos como desodorantes eram agrupados por gênero (masculino e feminino), e não por marca, como é praxe na rede paulista.
Com base nesses estudos, as prateleiras da unidade da Droga Raia instalada no bairro do Brooklin, na zona sul de São Paulo, foram reconfiguradas em dezembro passado. "Em pouco mais de três meses, as vendas cresceram 7% acima das demais unidades", afirma Marcello De Zagottis, vice-presidente de vendas da Droga Raia. Desde abril, a nova configuração das gôndolas tem sido estendida para toda a rede.
Além de criar soluções específicas para os varejistas, os centros virtuais da Unilever têm funcionado como um banco de dados mundial. Para lançar no Brasil a nova linha de produtos Dove em setembro de 2010, os executivos de inovação da empresa foram buscar no Ciic de Londres a melhor solução para dispor os xampus e os condicionadores nas prateleiras dos supermercados.
"Com os testes realizados lá, tínhamos de antemão todas as informações sobre a melhor forma de chamar a atenção do consumidor para o produto nas lojas", diz Campos. As gôndolas nunca foram tão high tech como agora.