Revista Exame

Na linha de frente: o CEO cuja empresa tratou 50.000 pacientes da covid-19

À EXAME, Paulo Moll fala dos ensinamentos da pandemia e de como aliar resultado financeiro com impacto social

Paulo Moll: aos 39 anos, ele é o presidente do maior grupo de hospitais privados do Brasil, a Rede D’Or (Germano Lüders/Exame)

Paulo Moll: aos 39 anos, ele é o presidente do maior grupo de hospitais privados do Brasil, a Rede D’Or (Germano Lüders/Exame)

LA

Lucas Amorim

Publicado em 27 de agosto de 2020 às 05h55.

Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 11h48.

Poucos empresários brasileiros tiveram uma rotina tão intensa, e uma responsabilidade tão grande, nos últimos meses quanto o carioca Paulo Moll. Aos 39 anos, ele é o presidente do maior grupo de hospitais privados do Brasil, a Rede D’Or, com 51 unidades espalhadas pelo país e 13 bilhões de reais de faturamento anual. Filho do fundador da rede, Jorge Moll, ele assumiu a coordenação de uma equipe que, entre funcionários e terceirizados, chegou a 100.000 pes­soas — e tratou de mais de 50.000 pacientes diagnosticados com covid-19. Além disso, abriu dois hospitais de campanha e coordenou a montagem de mais de 1.000 leitos de terapia intensiva. À EXAME, Paulo Moll fala da importância de aliar resultado com impacto social, da relevância de o mundo se preparar para futuras epidemias e de como a politização da saúde é nociva. E destaca o heroico envolvimento de seus profissionais da linha de frente. “Não bastava tomar as decisões certas, tivemos de tomá-las rapidamente”, afirma. O empresário concedeu a seguinte entrevista por videoconferência.

Qual foi o aprendizado nas últimas semanas? Em que o Paulo de agora é diferente do Paulo de março?
Tive uma experiência de gestão de crise sem precedentes, porque aqui, na Rede D’Or, temos o desafio econômico de lidar com a pandemia de covid-19 e estamos na linha de frente desta crise sanitária. Nosso desafio foi muito maior por sermos uma empresa que está no centro da crise. Não bastava tomar as decisões certas, tivemos de tomá-las rapidamente. No início da pandemia, além de todas as ações importantes que estávamos realizando para manter a operação funcionando e conseguir atender a população de planos privados, tivemos um sentimento de que poderíamos fazer a diferença. Não somente pela capacidade financeira, já que outras empresas foram solidárias e também ajudaram, mas por nossa capaci­dade de mobilização dentro do setor de saúde. Pelo fato de a empresa ser líder em hospitais no Brasil, com 51 unidades e 100.000 profissionais, a gente sabia que poderia fazer muita diferença para a sociedade neste momento. Continuamos a fazer na área privada, mas também com os 1.110 leitos que ajudamos o SUS a abrir durante a pandemia, sendo 400 deles com operação nossa. Em 19 dias pusemos de pé dois hospitais de campanha com terapia intensiva do mesmo nível dos hospitais da rede e com recursos humanos treinados e capazes de prestar atendimento de excelência.

A Rede D’Or vinha crescendo muito. Como seria o ano de 2020 para a companhia?
Seria um ano para continuar a trajetória dos anos anteriores, mantendo a expansão orgânica do grupo e nosso histórico de aquisições. Duas operações, inclusive, foram concretizadas durante a pandemia — a compra do Santa Cruz, hospital de referência em Curitiba, em junho, e a do Aliança, hospital de referência em Salvador e sonho antigo nosso, no início de julho.

O plano de médio prazo da empresa, de onde vocês querem estar nos próximos três a cinco anos, mudou de alguma forma?
Não. O plano de investimentos continua igual. Eventualmente podemos ter até mais oportunidades de consolidação como consequência da pandemia, pela dificuldade que alguns grupos empresariais podem apresentar ou já vinham enfrentando e agora foi intensificada pelos efeitos da pandemia. O que tivemos foi, do ponto de vista do negócio, um segundo trimestre desafiador tanto no aspecto social quanto no de atendimento e sanitário, mas também financeiramente, pela postergação das cirurgias e do tratamento de outras patologias. Já notamos, porém, uma retomada gra­dual em meados de maio e no início de junho e, a cada semana, temos visto evolução. Imaginamos que teremos um terceiro trimestre dentro da normalidade.

Onde é que vocês estarão em três anos? Qual é o plano da rede?
Nosso plano é, em três anos, sair dos 7.700 leitos atuais, que é a capacidade instalada da rede, para 11.000 leitos. Esse é o plano de voo da rede, com crescimento orgânico e inorgânico.

Como foi conciliar a gestão diária do negócio com a necessidade de dar respostas sociais?
Criamos um gabinete de crise desde o início da epidemia, na China. Alguns planos envolviam montar hospitais de campanha nos estacionamentos de nossos hospitais caso não tivéssemos capacidade suficiente de atendimento. Isso ficou dentro do plano e não foi implementado, mas a contratação de pessoal adicional na Rede D’Or, sim. Foram 5.000 profissionais contratados para suprir a abertura de mais de 500 leitos de terapia intensiva na rede. Tivemos um trabalho intenso na parte de suprimentos para garantir o volume necessário de equipamentos, EPIs, medicamentos e outros itens que tiveram seu consumo alterado neste período. Fizemos um esforço enorme de treinamento e de capacitação das equipes para uma nova realidade de utilização desses equipamentos, um grande esforço de segregação de fluxo. E foi fundamental para que a gente conse­guisse manter o bom atendimento das outras patologias, sem perder a capacidade de atender esse volume enorme de casos de covid-19. A rede atendeu mais de 50.000 pacientes positivos, com resultado clínico excepcional. O tempo de permanência em nossos hospitais foi de apenas nove dias no caso dos pacientes com covid-19. Na Europa, o tempo médio estava batendo em 15 dias.

Hospital da Rede D’Or: a companhia fez duas aquisições em plena pandemia de covid-19 (Germano Lüders/Exame)

Quanto vocês investiram durante o período?
Dentro da própria operação da Rede D’Or, com equipamentos, gastos adicionais de EPIs e criação de leitos... cerca de 350 milhões de reais. Além disso, foram 270 milhões em outras ações, e dentro desse número há 170 milhões da própria Rede D’Or e 100 milhões de parceiros que se juntaram a nós nas ações sociais. Os principais gastos que tivemos dentro desses 270 milhões de reais foram os direcionados à abertura de leitos no SUS. Também doamos respiradores a diversos governos e municípios onde mantemos operações Brasil afora.

Claro que uma pandemia deste tamanho é inédita, mas uma grande emergência era algo que estava no radar, ou vocês precisaram aprender do zero?
Para o que era relativo à nossa operação, existia um planejamento de contingência com algumas coisas que já tinham sido desenhadas anteriormente. Para a atuação no campo social não havia um plano. Essa foi uma decisão tomada quando a pandemia efetivamente chegou ao Brasil, muito movida por esse sentimento de que tínhamos uma responsabilidade maior, porque não somos apenas uma grande empresa com capacidade financeira. Somos uma grande empresa do setor de saúde com uma capacidade única de mobilização de recursos para a ativação de leitos. Não foi uma decisão fácil. Foi tomada no mesmo momento em que tínhamos profissionais afastados e havia uma pressão enorme dentro de nossa própria operação em termos de suprimentos e quantidade de equipamentos. Mesmo nas áreas mais pressionadas a solidariedade e a visão de que poderíamos fazer a diferença tomaram conta da companhia como um todo. Um número enorme de médicos e enfermeiros pediu para trabalhar nesses projetos sociais, ir para os hospitais de campanha, pessoas que estavam afastadas porque haviam ficado doentes e que, logo que voltaram, pediram para retornar à linha de frente.

A pandemia vai mudar a forma como a Rede D’Or e outras empresas privadas de saúde se relacionam com o setor de saúde público, o SUS, prefeituras e governos?
A grande mensagem que fica é que precisamos priorizar os investimentos em saúde e em ciência. A pandemia tem de conduzir a sociedade e os governos a uma reflexão sobre como podemos atuar preventivamente. A atuação para enfrentar esta pandemia foi muito reativa. Estamos conseguindo fazer uma vacina em tempo recorde e a cada dia há mais informações sobre tratamentos, há evolução nos testes. Mas queremos evitar uma pandemia desta proporção. Custaria cerca de 10 bilhões de dólares para mapear os milhares de vírus que vivem em animais, como morcegos, porcos e aves, e fazer uma avaliação de quais deles são os mais perigosos em termos de risco de uma futura pandemia. No caso do Brasil, a gente vê que, já há alguns anos, o país está diminuindo o número de leitos tanto na área pública quanto no setor privado. O SUS é motivo de orgulho para os brasileiros, mas é subfinanciado. O governo gasta de 3,5% a 4% do produto interno bruto, enquanto na Europa a fatia chega a 9% do PIB. A sociedade brasileira vai ter de fazer uma reflexão sobre as necessidades de uma população que está envelhecendo num mundo em que precisamos intensificar os investimentos em pesquisa e ciência.

Nos últimos anos, as redes de hospitais têm verticalizado mais o atendimento, buscando identificar os riscos já no início. O que a D’Or vinha fazendo e o que mais pretende fazer com o aprendizado desta crise?
Acreditamos na verticalização do cuidado. Para chegar a isso, é preciso integrar diversos serviços. Agregar as informações, ter um bom programa de gestão de crônicos e integrar as informações de diagnóstico. Isso é fundamental para realizar uma prevenção efetiva e para conseguir tornar a população mais saudável. O objetivo é esse. Você vai economizar à medida que conhecer a população e promover a saúde das pessoas.

Outro ponto dessa relação público-privado é a parte da pesquisa mais avançada. Como a rede privada poderia contribuir para o desenvolvimento de vacinas, remédios e terapias úteis não só para a D’Or mas também para a sociedade?
Sem dúvida, fez diferença no Brasil ter uma infraestrutura hospitalar relevante. A rede privada atende 47 milhões de brasileiros, mas também atende o SUS, já que 52% das internações são feitas em hospitais privados. O setor privado teve, portanto, um papel fundamental na mitigação dos efeitos desta pandemia e para conseguir dar atendimento à população brasileira com e sem plano de saúde. Além disso, no Instituto D’Or, a cada ano aumentamos nosso investimento em pesquisa. Fomos procurados por várias grandes empresas interessadas em apoiar a pesquisa no Brasil. Temos hoje dez linhas de pesquisas específicas direcionadas à ­covid-19, e a que ganhou mais destaque na mídia foi nossa participação na fase 3 da vacina da Universidade de Oxford.

Retomada na Itália: o Brasil gasta de 3,5% a 4% do PIB com saúde, enquanto na Europa a fatia chega a 9% (Guglielmo Mangiapane/Reuters)

Os números mostram que o Brasil fracassou em muitas frentes, ainda que percentualmente esteja melhor do que outros países. Qual foi o maior erro do país?
O Brasil enfrentou muitas dificuldades. De fato, temos um número total de casos elevado, mas a letalidade no país é abaixo da observada na OCDE. Não houve aqui um colapso do sistema hospitalar como vimos em vários países da Europa, cujo investimento per capita em saúde é muito superior ao do Brasil. O país sofreu, sim, com a pandemia, mas eu não diria que fomos um fracasso em comparação com o restante do mundo. Ninguém estava preparado para uma pandemia desta proporção. Acho que a grande lição não é só para o Brasil, mas para a humanidade: muito do que precisa ser feito vai exigir uma coalizão da iniciativa privada com os governos. O Brasil poderia ter se saído melhor, isso, sim, se não tivesse politizado o assunto. É um tema muito técnico e, infelizmente, muitas vezes o debate político contaminou um debate que deveria ser puramente técnico.

Várias pesquisas mostraram como os empresários ganharam força junto à população. A sensação é que as pessoas se veem menos refletidas na política, à direita, à esquerda, nos extremos... e por essa razão os líderes empresariais teriam ganhado força. Como isso se reflete nas prioridades da Rede D’Or?
Vejo que a confiança da população nos líderes empresariais e nas empresas vinha aumentando conforme mais empresas adotavam o chamado stakeholder capitalism no lugar do shareholder ­capitalism. À medida que as empresas ficam mais engajadas com os desafios globais em relação ao meio ambiente, comunitários e sociais, isso cria naturalmente uma identificação maior da sociedade e da população com essas empresas e lideranças empresariais. As organizações que não tiverem essa mentalidade vão ter muita dificuldade de sobreviver, porque essa será uma exigência cada vez maior da população. A pandemia de covid-19 catalisou esse processo.

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