Revista Exame

Modelo falido

A atual crise financeira mundial é resultado do fracasso dos Estados diante da tarefa de controlar a si próprios

Angela Merkel e Nicolas Sarkosy tentam salvar a Grécia: a culpa não é dos banqueiros (Julien M. Hekimian/Getty Images)

Angela Merkel e Nicolas Sarkosy tentam salvar a Grécia: a culpa não é dos banqueiros (Julien M. Hekimian/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 8 de dezembro de 2011 às 09h39.

São Paulo - Uma das lendas mais curiosas atualmente em circulação no sistema biológico onde se processa a vida econômica do planeta garante ao público, como verdade científica, que a culpa pelas desordens sucessivas na estrutura financeira mundial é dos investidores privados e de seus comparsas — os grandes, médios e pequenos bancos particulares.

Teríamos aí, enfim, a prova indiscutível de que está definitivamente “esgotado” o modelo privado de atividade financeira; chegou a hora de o Estado assumir suas responsabilidades e nos fazer felizes.

Tudo isso foi repetido, com fervor religioso, por ocasião da recente decisão de salvar a Grécia da incalculável dívida que seu governo vem acumulando há anos — resgate decidido, muito a contragosto, pelas potências econômicas da Europa. A ideia geral é que a Grécia, e todos os outros países europeus que estão na bacia das almas, foi levada a essa triste situação pelos “bancos”.

Mas não foram os próprios governos que construíram suas dívidas, por gastar dinheiro que jamais tiveram? Pior ainda, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, disse que a Grécia nunca deveria ter sido aceita na zona do euro; sua admissão baseou-se em documentos falsos. De novo: quem falsificou esses papéis oficiais, a não ser o governo grego? Não foram, com certeza, os “especuladores internacionais”.

O que a crise prova é a falência de outro modelo — o de Estados que fracassam na tarefa de controlar a si próprios.

Pessoas que estão no governo dificilmente conseguem abrir mão da satisfação que sentem ao dar importância a si próprias; vivem em estado de adoração diante de seus cargos, seus gabinetes e suas canetas. Por que não? Todos os dias são procuradas por gente que vai lhes pedir alguma coisa.

Seus telefonemas são atendidos na hora. Há populações inteiras de funcionários a seu serviço. Vivem mandando fazer isso ou aquilo. Não precisam pagar suas contas de luz nem botar a mão no bolso para encher o tanque do carro. São chamados de “doutor”. Nada mais natural, com tudo isso, que cresçam nas fotos que tiram de si mesmos.


Mas será que acontece na vida real, exatamente, aquilo que decidiram, na forma que decidiram? As decisões são aplicadas na hora certa? A intenção  que tiveram ao assinar esta ou aquela ordem é respeitada? A história, aí, já começa a ficar complicada.

A partir do momento em que são tomadas nos mais altos gabinetes da República, com todas as suas solenes ambições de regular o Brasil e o universo conhecido, as decisões das pessoas importantes começam sua melancólica viagem rumo ao mundo da execução — e a execução de tarefas, como bem se sabe, é algo que a administração pública brasileira tenta aprender, sem sucesso, há mais de 100 anos.

É uma caminhada morro abaixo. Os decretos, despachos ou coisa que o valha descem do palácio superior para os subpalácios, daí vão para o sub do sub e no fim acabam na mesa de meia dúzia de escriturários que dão a forma final às ordens vindas lá de cima.

Fazem, então, o que acham que deve ser feito, ou o que foi feito da última vez, ou do jeito que sabem fazer — e o que sabem em geral é pouco. Resultado: o problema que as pessoas importantes diziam a si próprias que estavam resolvendo continua do mesmo tamanho. Às vezes fica pior.

Uma reportagem desta edição de EXAME conta a quantas anda o soberbo programa do governo para defender a indústria nacional das agressões que está sofrendo, segundo as pessoas importantes, por parte de uma concorrência externa hostil. Já se fez discurso, reunião de alto nível, cerimônia em palácio.

Já se anunciou proteção para setores-chave da produção nacional, como o de automóveis. As grandes decisões, em suma, começam a descer. E, lá embaixo, onde fica a turma da execução? Foi decidido, pelas últimas notícias, proteger a indústria brasileira de sardinhas. É onde veio acabar nossa superior estratégia para vencer a guerra comercial através do mundo.

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