Steve Ballmer, presidente da Microsoft: adaptação inevitável à era do software fornecido pela internet (Sean Gallup/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 29 de março de 2011 às 12h19.
O Windows Vista tinha tudo para entrar para a história da tecnologia como um sistema operacional divisor de águas. Foi o produto que mais consumiu esforços e dinheiro na trajetória da Microsoft — cinco anos de desenvolvimento e 6 bilhões de dólares em pesquisas, com o objetivo de tornar-se o mais seguro Windows de todos os tempos. Além da expectativa de um grande produto, o Vista carregava o peso da transformação da tecnologia. Com uma oferta cada vez maior de programas pela internet, muitos especialistas chegaram a dizer que ele seria a última encarnação da tradicional família da Microsoft. A nova geração dos sistemas operacionais, programas básicos que fazem funcionar todos os computadores, seria radicalmente diferente. Dois anos após o lançamento, no entanto, o Vista está longe de ser preferência absoluta dos usuários. Recebeu uma avalanche de críticas por exigir computadores potentes demais e não conquistou sequer um quinto do mercado mundial. Na última semana de outubro, a Microsoft deu a prova de que não resta muito mais tempo para o problemático Vista deslanchar.
A companhia revelou detalhes de seu próximo sistema operacional, o Windows 7, que já tem lançamento previsto para o início de 2010. Isso significa que, em vez de ser o ícone da inovação, o Vista corre o risco de ser lembrado como o software que teve seu ciclo de vida interrompido antes mesmo de decolar.
A Microsoft vive uma situação paradoxal: embora tente emplacar o Vista, continua presa ao Windows XP, que detém quase 70% do mercado mundial de PCs sete anos depois de lançado. A opção pelo XP é ainda mais evidente no mercado corporativo. Uma pesquisa da consultoria InfoTech Research com 800 empresas globais mostra que apenas 6% delas decidiram adotar o Vista. A explicação está no fato de que o XP satisfaz as necessidades atuais de negócio sem precisar de computadores mais robustos. “Muitas companhias não querem atualizar as máquinas neste momento. E com isso acabam se afastando do Vista”, diz Darin Stahl, responsável pela pesquisa. A indústria farmacêutica brasileira Medley é um desses exemplos. Segundo Pedro Balista, gerente de tecnologia da informação, não há planos imediatos de troca para o Vista justamente porque a Medley não pretende trocar seus cerca de 800 computadores em curto prazo. “Geralmente usamos os equipamentos até o limite de sua vida útil. Para mudar para o Vista, precisaríamos trocar cerca de 40% deles”, afirma Balista. Apenas os primeiros detalhes do Windows 7 já foram anunciados, mas podem ser suficientes para distanciar ainda mais o Vista do mercado corporativo. Circulam informações nas comunidades e nos blogs de tecnologia de que o Windows 7 será até 20% mais rápido do que o Vista e consumirá 15% menos bateria de um notebook. Além disso, tem uma estrutura simplificada para ser compatível com mais programas e facilita a administração dos recursos de segurança — uma das grandes queixas dos usuários, que ficavam irritados com a avalanche de alertas exibidos nas telas do Vista. “Se todas essas funções forem confirmadas, as chances de as empresas migrarem do XP diretamente para o Windows 7 são grandes”, diz Rob Enderle, presidente da consultoria Enderle Group. A subsidiária brasileira da GE por enquanto não pretende atualizar os computadores que rodam XP, mas em virtude do fim da assistência técnica, previsto para 2010, poderá implantar o Windows 7. “Vamos fazer testes de compatibilidade e de custos. Se fizer sentido para os negócios, poderemos saltar diretamente para a próxima versão”, diz João Lencioni, diretor de tecnologia da GE para a América Latina.
O Windows Vista chegou ao varejo em janeiro de 2007. Entre os especialistas, é consenso que ele não foi o arrasa-quarteirão que se esperava. Ao contrário, teve boa parte de suas verbas de marketing destinada a apagar as pesadas críticas. Mas, ao mesmo tempo, o Vista está longe de ser um fracasso: até julho deste ano, foram 180 milhões de licenças vendidas, segundo a Microsoft. Alguns dos pontos fortes do Vista são relacionados à segurança, como o sistema de controle de acessos, que restringe alterações de quem utiliza a máquina. Alguns usuários corporativos brasileiros até vêem nesses atributos o motivo para a migração. A Serasa, que tinha planos de migrar o parque de 2 800 máquinas no primeiro trimestre deste ano, teve os planos adiados por causa da aquisição pelo grupo britânico Experian. No entanto, a empresa pretende retomar o projeto no início do ano que vem e ainda servirá de modelo para a migração global do grupo, que tem um parque de 15 000 máquinas, de acordo com Dorival Dourado, diretor de operações e serviços da Serasa. Para a Microsoft, a adoção a passos lentos em muitas empresas justifica-se pela complexidade de migrar os demais aplicativos para a nova arquitetura de software. “O investimento das empresas passa pela adaptação dos outros softwares que rodam em XP. Para muitas delas, atualizar esse legado não é decisão simples”, diz Ricardo Wagner, gerente de produto Windows no Brasil. De acordo com a empresa, já estava previsto o lançamento do sucessor do Vista três anos após sua estréia para que os desenvolvedores de software tenham tempo para criar programas compatíveis com essa nova versão. “O Vista realmente não atraiu legiões de usuários, mas seria injusto dizer que o anúncio do Windows 7 só aconteceu por causa do mau desempenho”, diz Stahl, da InfoTech.
A movimentação da Microsoft em direção ao Windows 7 vai além da criação de um novo software. Ela indica que a empresa está, enfim, revisando seu modelo de negócios. O sistema operacional coloca a Microsoft de vez na era da computação em nuvem, à qual muitas das empresas de internet — entre elas o Google — já aderiram. A proposta é fazer com que muitas das aplicações hoje instaladas no computador migrem para a rede e sejam acessadas pelo navegador de internet. A Microsoft resistiu enquanto pôde, já que a venda de licenças de uso de software sempre foi seu negócio principal e fez da companhia um império de mais de 60 bilhões de dólares. Os usuários, porém, estão dispostos a testar novos modelos, e a companhia tenta encaixar-se nesse contexto com o Windows 7, que já vem preparado para essa conexão imediata com a rede e com a plataforma Azure, que fará tecnicamente a migração dos aplicativos locais para internet. A próxima versão do Office indica a concretização dessa tendência. Programas como Word e Excel serão acessados pelo navegador e todos os documentos ficarão armazenados nos servidores da própria Microsoft. Conforme diz o arquiteto-chefe de software da Microsoft, Ray Ozzie, a idéia é levar o melhor da internet para o Windows e o melhor do Windows para a internet. “A dúvida é saber se a empresa já está preparada para trabalhar assim”, diz o consultor Enderle.
O Windows 7 também mostra que a Microsoft está mais atenta sobre o que é tendência entre os fabricantes de equipamentos. Uma dessas evidências é que o novo sistema operacional Windows 7, ao contrário do Vista, funciona bem nos netbooks, laptops ultraportáteis com capacidade reduzida de memória. Os netbooks ganharam mercado em 2008 e para os próximos anos chegarão a 50 milhões de unidades. Ficar fora dele significa deixar de ganhar dinheiro. A simplificação do Windows 7 também resolve a insatisfação que se alastrou entre os fabricantes de computadores. Em setembro, a revista americana BusinessWeek informou que a HP estava desenvolvendo um sistema próprio, baseado em Linux, para substituir o Vista. A informação foi negada posteriormente pela HP, mas foi suficiente para indicar a preocupação dos fabricantes com sua reputação perante os clientes.
Por muito tempo a Microsoft ditou praticamente sozinha os rumos da tecnologia em software e até em hardware, impulsionando fabricantes a projetarem equipamentos para rodar Windows. A era da computação em nuvem muda essa lógica e desafia a forma como a empresa passa a se relacionar com o mercado. Embora continue líder disparada entre os sistemas operacionais, não é mais a única a ter um software atraente ao consumidor. Acreditam os especialistas que o usuário já está se acostumando a ter um escritório virtual trazido pelo Google, por exemplo, com a coleção de aplicativos Docs e Apps. Com isso, a gigante de software passa a encontrar nas empresas de internet concorrentes poderosos. “O desafio para a Microsoft será criar um modelo de negócios que se mostre viável com base na internet ao longo dos próximos anos”, diz Michael Cherry, analista da consultoria especializada americana Directions on Microsoft. Para quem chegou atrasado, ser ágil na corrida contra o relógio é fundamental.