Revista Exame

Metade da França se opõe a mudanças impostas por socialistas

A França vive um período conturbado de greves. Os sindicalistas se opõem à nova lei trabalhista do governo socialista, que tenta reduzir o desemprego no país.

Manifestação em Paris: os sindicalistas tentam escapar do ostracismo com oposição à lei (Getty Image)

Manifestação em Paris: os sindicalistas tentam escapar do ostracismo com oposição à lei (Getty Image)

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Da Redação

Publicado em 3 de agosto de 2016 às 14h17.

São Paulo — Greves na França não chegam a ser surpresa. Mesmo com a perda de força dos sindicatos desde os anos 70, o país nunca deixou de aparecer entre os primeiros lugares na lista dos países europeus com o maior número de paralisações. Pelo barulho das ruas nos últimos meses, já dá para dizer que os franceses estão bem posicionados para manter a dianteira nesse ranking.

Isso ficou claro para os turistas que chegaram ao país para assistir aos jogos da Eurocopa no começo de junho. No primeiro fim de semana do evento, os torcedores reunidos próximos à Torre Eiffel sentiam o mau cheiro do lixo não recolhido.

Parte dos voos operados pela Air France e dos trens também estava paralisada. Mas há uma diferença na safra atual de greves: o fato de a CGT, maior sindicato do ­país, estar protestando contra um governo de esquerda, o do presidente François Hollande e do primeiro-ministro Manuel Valls, ambos socialistas. 

O motivo da discórdia é o que os franceses batizaram de Lei El Khomri, uma referência às mudanças na legislação trabalhista encabeçadas por Myriam El Khomri, ministra do Trabalho. Foi a proposta apresentada por ela, com o apoio de Hollande e Valls, que deu início no começo deste ano à atual onda de protestos.

Como a primeira versão da reforma foi hostilizada por parte dos parlamentares socialistas em março, o governo acabou recuando e desistindo de alguns pontos, como o que colocava um teto no valor da indenização definida pelo Judiciário nos casos de demissões sem justa causa. Não foi suficiente.

O governo, então, desistiu de aprovar as mudanças no Legislativo e tomou a decisão, em maio, de torná-las efetivas com um decreto. A nova lei tem duas medidas principais que podem parecer simples em várias partes do mundo, mas são um tabu na França. Grandes empresas com representantes sindicais em seus quadros podem agora tornar flexíveis as jornadas de 35 horas semanais.

Quando estiverem passando por períodos de crise econômica ou quiserem aumentar suas fatias de mercado, poderão negociar acordos diretamente com os funcionários para que eles façam horas extras sem necessariamente ganhar mais por isso. O período trabalhado a mais deverá ser compensado com folgas. A única exigência é que, ao final de três meses, seja mantida a média de 35 horas semanais.

Historicamente, a legislação francesa sempre impôs muitas restrições ao corte de trabalhadores. A nova lei tornou claro quando as empresas têm permissão para demitir por razões econômicas. Companhias com menos de 11 empregados podem cortar vagas depois de um mês de queda nas receitas. As com até 300 trabalhadores, depois de três trimestres consecutivos de resultados decrescentes.

O prazo para empresas maiores é acima de 12 meses. O que está por trás da mudança patrocinada pelos socialistas é uma tentativa de atacar o alto índice de desemprego no país — há anos acima dos 9%. Atualmente, a taxa está em 10%, o dobro do percentual registrado na Alemanha e no Reino Unido, duas economias da União Europeia comparáveis em tamanho.

“O diagnóstico é que os empresários, diante de rígidas leis trabalhistas, relutam em contratar, pois sabem que é muito difícil ou caro demitir”, diz Claire Dhéret, analista sênior do Centro de Política Europeia, instituição de pesquisa com sede em Bruxelas.

Outro objetivo da mudança é aumentar as chances dos jovens de conseguir um emprego fixo. Quando há leis rígidas, os empresários tendem a oferecer vagas temporárias. A maioria dos economistas concorda que reformas que permitam que os salários se adaptem aos ciclos econômicos podem elevar a eficiência e aumentar a resistência de uma economia em períodos de choque.

Logo após o estouro da crise financeira mundial em 2008, o desemprego subiu consideravelmente em vários países. Uma honrosa exceção foi a Alemanha. Uma das causas da maior resistência alemã à crise foram leis trabalhistas que permitiram adoção de salários e condições de trabalho inferiores àquelas estabelecidas nos acordos setoriais.

Vai dar tempo?

Apesar de todas essas evidências, pesquisas de opinião mostram que cerca de metade da população francesa se opõe às mudanças impostas pelos socialistas. Entre os que criticam a nova lei, há de tudo. Os sindicalistas da CGT lutam para agradar a seus associados e para tentar reverter o ostracismo.

Parte daqueles que estão empregados acha que o caminho é mais proteção contra cortes, não menos — mesmo que isso signifique manter alta a taxa de desemprego. E há ainda os que são favoráveis à reforma, mas acham que o momento não é apropriado. No que, aparentemente, eles têm um ponto em que se apoiar.

No relatório Perspectivas da Economia Mundial 2016, publicado pelo Fundo Monetário Internacional em abril, há um capítulo sobre as pesquisas mais recentes a respeito dos efeitos das reformas trabalhistas. Segundo o estudo, “em períodos de forte atividade econômica, as reformas trabalhistas tendem a estimular as contratações. Em períodos de baixo crescimento, elas podem aumentar as demissões”.

A economia francesa dá sinais de recuperação, mas está longe de apresentar um forte crescimento — em 2015, a elevação do PIB foi de 1,1%. Nos últimos dois anos, o país cresceu abaixo da média da zona do euro. No cálculo político dos socialistas, a Lei El Khomri aumentaria a chance do partido nas eleições no início de 2017 ao reduzir o desemprego.

“Mesmo que a lei sobreviva, o efeito positivo deverá levar anos para ser sentido”, diz Michael Munger, professor de economia na Duke University. Hollande e Valls acertaram a direção, mas parecem ter errado o timing. Na França, a única coisa certa é que as greves vão continuar.

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