Boteco São Bento, em São Paulo: a variedade de chopes cresce para estimular o consumo (Alexandre Battibugli/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 20 de setembro de 2013 às 19h12.
São Paulo - Fabricantes de cerveja não estão acostumados a ouvir más notícias sobre o mercado nacional. Os brasileiros não estão entre os maiores beberrões do mundo, é verdade — aqui o consumo por pessoa, na casa dos 60 litros por ano, é menos da metade de países como a República Checa.
Mas, na última década, as vendas avançaram quase 60%, e o país virou o terceiro maior mercado mundial do produto, atrás apenas de Estados Unidos e China.
De um lado, a base da pirâmide trocou a cachaça pela cerveja. De outro, quem tem mais dinheiro passou a comprar marcas mais caras. As perspectivas, até bem pouco tempo, eram as melhores possíveis. Mas, de dois anos para cá, a sede do brasileiro está deixando a desejar.
Segundo a empresa de pesquisa Nielsen, o consumo caiu 0,9% em 2011, 0,8% em 2012 e até abril deste ano tinha recuado 6%. Um tombo dessas proporções não era visto há pelo menos duas décadas.
A líder Ambev, que tem 69% do mercado, foi a principal vítima. Para surpresa de analistas e investidores, os volumes da empresa caíram 8% no primeiro trimestre deste ano e 0,4% no segundo — o último resultado, aliás, foi recebido com alívio pelo mercado, que esperava redução de 3% (as ações chegaram a valorizar 5% no dia do anúncio).
A queda afetou a grande fortaleza da companhia — sua capacidade de aumentar a margem de lucro em quaisquer cenários. No segundo trimestre, o lucro caiu 1,1% sobre o ano anterior, para 1,8 bilhão de reais. Para uma empresa que acostumou seus investidores a boas notícias, reverter a queda virou prioridade.
“A principal dificuldade é a impossibilidade de aumentar os preços sem que isso se traduza em nova queda de vendas”, afirmou, em relatório, Alexander Robarts, analista do banco Citi. Se não atingirem a meta, os 11 diretores correm o risco de ficar sem 52,5 milhões de reais em bônus — o que dá cerca de 8 milhões de chopes Brahma. Procurada, a Ambev não deu entrevista.
O brasileiro está bebendo menos. Primeiro, por uma série de questões conjunturais. Até o último Carnaval, mais chuvoso do que a média, entrou para o rosário de lamentações. A Lei Seca e os arrastões em bares e restaurantes também estão entre os motivos. O movimento em bairros boêmios, como Vila Madalena, em São Paulo, chegou a cair um terço.
A classe C também está com o bolso apertado. Apesar de o Brasil viver um período de pleno emprego, o número de famílias que se declararam endividadas atingiu 65% em julho (o segundo maior resultado da série iniciada em 2010), de acordo com pesquisa da Confederação Nacional do Comércio.
Ao mesmo tempo, o preço da cerveja não para de aumentar. No segundo semestre de 2012, a Ambev — e, na esteira, as concorrentes — subiu o preço 20% por causa do aumento de impostos. O governo decidiu, no ano passado, aumentar 25% a taxação da bebida até 2016. Para piorar a situação, metade do custo de produção da cerveja é atrelado ao dólar, que valorizou acima do esperado.
Enfim, deu tudo errado. “Os clientes têm reclamado muito do preço, especialmente do chope. O gasto médio caiu 8% no último ano”, afirma o empresário João Paulo Badaró, da empresa CanAll, dona de nove bares em quatro estados.
A queda pode até ser passageira. Mas a má notícia para as cervejarias é que, no longo prazo, os brasileiros tendem a tomar menos cerveja mesmo. É o que vem ocorrendo nos principais mercados consumidores. Na Inglaterra, os volumes caíram 25% na última década. Mesmo na Alemanha, terra da Oktoberfest, a queda foi de 13% em dez anos.
Nos Estados Unidos, pesquisa divulgada pelo instituto Gallup apontou que, pela primeira vez, a preferência dos americanos por cerveja está quase empatada com a por vinho — 35% ante 34%. Há duas décadas, a diferença era de 20 pontos em favor da cevada. O economista belga Johan Swinnen, ex-executivo do Banco Mundial e hoje presidente da Beeronomics, entidade que estuda a economia da cerveja, analisou dados dos últimos 50 anos.
Constatou que o consumo de cerveja cresce com a melhora da renda da população, mas começa a cair quando esta atinge 22 000 dólares per capita. A partir daí, o paladar tende a ficar mais refinado e ganham força os destilados e o vinho.
A renda per capita no Brasil ainda é de 11 300 dólares. O consumo, portanto, certamente subirá antes de chegar ao pico. Mas a inesperada queda dos últimos anos tem forçado as cervejarias a colocar em prática estratégias pensadas apenas para a próxima década.
“A situação é mais grave em regiões onde o consumo já tem níveis próximos aos europeus, como o Sudeste”, diz o analista Trevor Stirling, da empresa de pesquisas britânica Bernstein.
Aposta no premium
Como costuma acontecer com qualquer mercado em dificuldades temporárias, as cervejarias atacaram, primeiro, a linha dos custos. A Heineken, por exemplo, fechou recentemente a fábrica de Cuiabá, uma das oito que tinha no país (a empresa não concedeu entrevista). A Ambev, famosa por sua estrutura de custos extremamente enxuta, precisou buscar outras soluções.
Primeiro, está levando ao limite uma estratégia conhecida pelo mercado: lançar novas embalagens para as mesmas cervejas. Assim, tenta convencer os consumidores a pagar mais caro pelo mesmo conteúdo. A garrafa retornável de 1 litro, por exemplo, lançada pela empresa há quatro anos, já responde por 11% do mercado.
Mas a maior aposta está nas marcas top de linha. No ano passado, a Ambev expandiu sua equipe para prestar atendimento personalizado a bares com bom histórico de vender cervejas premium. Com isso, conseguiu roubar endereços importantes da Heineken — entre eles a rede Boteco São Bento e a casa noturna Wood’s, ambas de São Paulo, que estão entre os maiores vendedores de cerveja premium do país.
O chope também está ficando mais refinado. Em janeiro, a Ambev começou a testar o Bohemia Imperial em alguns bares de São Paulo. O chope Budweiser deve ser lançado nos próximos meses.
Além disso, a Ambev está trazendo todo mês rótulos importados do portfólio da controladora AB InBev para vender nos empórios e bares mais elitizados, como o chope belga Hoegaarden, lançado no ano passado e que pode custar 15 reais o copo, mais do que o dobro do chope Brahma.
Muita gente topa pagar. “Tornar o portfólio cada vez mais premium é inevitável para frear a queda no consumo. Mas, claro, existe um risco: nem todas as apostas vão funcionar”, afirma o analista Alan Alanis, do banco americano JP Morgan.
A cervejaria japonesa Kirin, que comprou a Schin em 2011, destacou um grupo de executivos para treinar gerentes de supermercados e atacados Brasil afora — inclusive alguns focados nas classes D e E. O objetivo é convencê-los a vender marcas como Eisenbahn e Baden Baden, que podem custar 15 reais a garrafa.
A Heineken concentrou todos os investimentos de marketing em sua marca principal e deixou Kaiser e Bavaria em segundo plano. “Uma garrafa de cerveja especial dá mais retorno do que vender três das tradicionais. A queda no volume, no fim das contas, pode ser até saudável para o caixa das empresas”, diz um executivo do setor.
Mesmo que pressionadas pelas circunstâncias, as cervejarias brasileiras tentam adotar uma estratégia que, se bem executada, tem sucesso assegurado, como mostra um livro de uma dupla de consultores da Deloitte. Segundo eles, as empresas mais bem-sucedidas no longo prazo são as que investem em produtos premium.
Se o cenário de curto prazo é desafiador e o de longo prazo não anima, 2014 tem tudo para ser um ano de alívio. A Copa do Mundo do Brasil tem potencial para pelo menos dobrar o consumo entre os meses de junho e julho, segundo estimativas do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja.
“Ninguém é doido de cortar investimentos em fábricas e inovação logo agora”, diz Marcelo Trèz, diretor de cervejas da Kirin. Por pior que estejam as vendas, é difícil imaginar torcedores comemorando uma possível vitória brasileira com taças de cabernet sauvignon.