Carlos Sanchez, da EMS: no topo do mercado farmacêutico brasileiro — e com um Picasso na sala (Fabiano Accorsi/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 3 de outubro de 2013 às 06h26.
São Paulo - O mercado farmacêutico mundial é um negócio para pesos-pesados. Há décadas, é dominado por empresas como Johnson & Johnson, Pfizer, Roche e Glaxo, que faturam dezenas de bilhões de dólares e estão entre as mais lucrativas do mundo. Ganhar — e gastar — muito dinheiro é uma questão de sobrevivência nesse mercado.
Juntas, as dez maiores farmacêuticas investem 70 bilhões de dólares por ano em novos remédios. Até agora, nenhuma empresa brasileira havia se aventurado a competir com as multinacionais em escala global. Mas o empresário Carlos Sanchez, controlador da farmacêutica EMS, com sede em Hortolândia, no interior de São Paulo, acha que pode entrar nessa briga. E está entrando.
Líder nacional na produção de medicamentos genéricos, a EMS de Sanchez concentra suas esperanças em um escritório na cidade de Rockville, a poucos quilômetros da capital americana, Washington. É lá, perto do gigantesco complexo governamental de pesquisas farmacêuticas National Institutes of Health, onde são investidos 30 bilhões de dólares por ano em novas drogas, que desde julho funciona a Brace Pharma, primeira etapa do sonho americano de Sanchez.
Chefiada pelo austríaco Vincenz Plorer, executivo vindo da suíça Novartis, a empresa tem 300 milhões de dólares para investir em pequenas companhias de biotecnologia. O comitê científico responsável por identificar os alvos tem nomes como o cientista austríaco Eric Kandel, ganhador do Nobel de Medicina em 2000.
O primeiro investimento da Brace foi uma participação na Gliknik, fundada há cinco anos em Baltimore, que testa medicamentos para câncer ósseo e de cérebro. “A EMS é uma empresa muito bem-sucedida em genéricos, e o investimento em inovação é uma maneira brilhante de diversificar”, disse Kandel a EXAME. “Não faltam cientistas que precisam de recursos.”
O plano é lançar remédios de nicho, com potencial de venda de até 200 milhões de dólares por ano — um campo que, na visão dos executivos da empresa, é pouco coberto pelas multinacionais, que historicamente se dedicam a remédios para doenças de massa, como colesterol ou hipertensão. A EMS não deu entrevista.
É uma guinada e tanto para Sanchez, que virou líder na indústria farmacêutica brasileira com medicamentos de baixa complexidade e muito volume, os genéricos. A empresa está à frente dos concorrentes Eurofarma, Aché, Neo Química e Medley, hoje controlada pela francesa Sanofi (se as vendas da Medley e da Sanofi forem somadas, a EMS cai para o segundo lugar).
Uma razão central do sucesso da EMS é seu complexo modelo de negócios. O grupo tem quatro empresas diferentes: EMS Sigma, Legrand, Germed e Nova Química. Cada uma tem uma estratégia comercial própria e todas concorrem entre si, embora usem a mesma estrutura produtiva e corporativa.
O resultado é que Sanchez pode ter cinco ou seis genéricos iguais vendidos com marcas e por equipes diferentes. Não é a estratégia mais rentável do mundo — mas mesmo os rivais admitem que, ao fim do processo, as farmácias estão cheias de genéricos da EMS.
Brigas judiciais
Carlos Sanchez é o caçula de Emiliano Sanchez (origem da sigla EMS), que nos anos 60 abriu um pequeno laboratório para produzir remédios para abastecer a farmácia da família, em São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo. Quando o pai morreu, no fim da década de 80, Carlos Sanchez teve de vender o imóvel onde estava instalada a farmácia para evitar a quebra da empresa.
Executivos que conhecem Sanchez lembram que a EMS começou a ganhar terreno ao manter um contato direto com as farmácias, dando incentivos para que os balconistas sugerissem aos pacientes a troca de medicamentos de marca pelos similares.
Os concorrentes na época faziam campanha diretamente com os médicos. Mas, como aconteceu com as outras farmacêuticas nacionais, o verdadeiro salto da EMS veio com a legislação que criou os genéricos, em 2000.
Sanchez foi um dos empresários que mais investiram nesse segmento. A EMS chegou ao topo do mercado brasileiro em 2006. É impossível saber qual dos donos das grandes farmacêuticas nacionais ganhou mais dinheiro desde a Lei dos Genéricos, mas Sanchez ganhou muito.
Apenas nos últimos três anos, a EMS distribuiu 450 milhões de reais em dividendos. Sanchez começou a se permitir luxos como colecionar obras de arte. Recentemente, comprou num leilão em Nova York um quadro do espanhol Pablo Picasso.
Na mesma noite, ofereceu 85 milhões de dólares pela célebre obra O Grito, do norueguês Edvard Munch, mas perdeu a parada para um bilionário americano que pagou 120 milhões de dólares.
Nos negócios, Sanchez não está acostumado a perder — num estilo que o indispõe com muita gente. Talvez o maior pilar de sua estratégia seja a obsessão por lançar genéricos antes da concorrência, assim que a patente de um medicamento expira.
Por isso, costuma dizer que considera seus advogados mais importantes para o sucesso da empresa do que sua equipe de farmacêuticos. E completa, meio brincando, meio sério, que seu sonho é ter um prédio inteiro só para seus advogados.
O melhor exemplo da gestão estilo Sanchez foi o lançamento do citrato de sildenafila, genérico do medicamento para impotência Viagra, cuja patente caiu em junho de 2010. A EMS foi a primeira a pedir o registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável pela liberação dos remédios, em julho de 2009.
Recebeu autorização em maio de 2010 e inundou as farmácias com genéricos do Viagra no dia seguinte à perda da patente pela Pfizer, em junho. Sanchez foi ainda mais agressivo no caso do Lipitor, remédio para redução de colesterol da Pfizer que é um dos maiores sucessos da história.
A EMS conseguiu uma liminar evitando que a Pfizer estendesse a patente por seis meses. Sanchez derrubou a patente na Justiça um mês antes que o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) liberasse a fabricação para toda a indústria. De novo, seus advogados fizeram com que Sanchez chegasse antes.
E ele realmente dá trabalho a seus advogados. Sanchez foi acusado de copiar embalagens de remédios de grande sucesso, como Buscopan e Xarope Vick, para confundir o consumidor. Quando as multinacionais donas das marcas o questionaram em reuniões de associações de classe, Sanchez respondeu que elas deveriam recorrer à Justiça.
Foi o que as múltis fizeram: em 2006, Sanofi, Bayer, Boehringer, Procter&Gamble e Bristol-Myers entraram na Justiça contra a prática. A EMS fez acordos extrajudiciais com algumas, como Sanofi e Bristol-Myers, mas ainda há alguns processos em curso.
Com esse estilo, é natural que Sanchez tenha se tornado protagonista de episódios controversos. Mais uma vez, o lançamento do genérico do Viagra serve de bom exemplo. De fato, a EMS entrou com pedido de registro antes das outras.
Mas seu processo foi aprovado em nove meses, enquanto o da Pfizer, detentora da patente, demorou um ano e meio — o que levou muitos no setor a acusar a Anvisa de beneficiar uma empresa em detrimento das outras.
Um ex-dirigente da Anvisa que pediu para não ser identificado diz que a multinacional foi prejudicada intencionalmente. “A Pfizer já produzia o Viagra e poderia simplesmente reduzir o preço. Por isso, a Anvisa deu prioridade à EMS”, diz. A atual diretoria da Anvisa nega qualquer diferença de tratamento.
Sanchez é o único representante do setor farmacêutico no Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, que tem contato direto com a presidente Dilma Rousseff. A preferência, dizem os concorrentes, deveria ser dada a laboratórios reconhecidamente inovadores — o que não é o caso da EMS. Pelo menos, não foi até agora.
A indisposição de Sanchez com os concorrentes ameaçou pôr abaixo um projeto caro ao governo, a criação de uma empresa brasileira que desenvolvesse os complexos medicamentos biológicos — feitos de células vivas e usados para tratar doenças como câncer e artrite.
Em 2010, o governo começou a negociar com as empresas farmacêuticas nacionais para que elas se associassem. O BNDES ofereceria recursos e o Ministério da Saúde aceitaria pagar preços até 25% maiores para garantir a produção nacional. Era um raro projeto conjunto que contava com a unanimidade do setor. Mas, após alguns meses de reuniões, o grupo rachou e deu origem a duas empresas.
De um lado ficou a Bionovis, formada por Hypermarcas, EMS, Aché e União Química. De outro, a Orygen, dos laboratórios Cristália, Eurofarma, Biolab e Libbs. A associação do setor alega que a separação aconteceu porque cada grupo preferiu se associar a um parceiro internacional que transferirá a tecnologia.
Na realidade, na origem do racha estavam Sanchez e seus inimigos. Houve divergências insanáveis entre Ogari Pacheco, do Cristália, e Sanchez.
Pacheco queria uma garantia de que Sanchez não roubaria cientistas de sua equipe, já que o Cristália já tem projetos de medicamentos biológicos. Não conseguiu. Maurizio Billi, da Eurofarma, também não nutria simpatias por uma sociedade com Sanchez.
No fim das contas, não havia clima para uma sociedade e nasceram os dois grupos. Procurada, a Eurofarma negou divergências entre Billi e Sanchez. A Cristália não se pronunciou.
Embora o investimento nos Estados Unidos seja a face mais visível de sua nova estratégia, Sanchez sabe que é urgente investir em inovação em outras frentes. A guerra de preços nos genéricos e a alta do dólar derrubaram a rentabilidade da EMS no ano passado — o lucro caiu 30%.
Para recuperar a margem e cumprir sua meta de dobrar de tamanho a cada três anos, Sanchez conduz o maior plano de investimentos da história da EMS. Está prestes a inaugurar novas unidades industriais em Brasília, Manaus e Jaguariúna, no interior de São Paulo, que custaram 450 milhões de reais. Elas vão fabricar antibióticos, hormônios e remédios para o tratamento de câncer.
Além disso, a EMS está desenvolvendo 20 remédios com pequenas mudanças em relação aos originais e tentando criar medicamentos biológicos próprios. Nessa nova fase, os advogados não vão poder ajudar tanto.