Revista Exame

Manobras da Gerdau irritam acionistas e provocam suspeitas

A siderúrgica Gerdau bate de frente com os acionistas minoritários e desaba na bolsa. A suspeita dos investidores é que a família quer poupar o próprio dinheiro


	Gerdau: bancos veem cenário difícil para o setor siderúrgico
 (Germano Luders/Exame)

Gerdau: bancos veem cenário difícil para o setor siderúrgico (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 3 de agosto de 2015 às 05h56.

São Paulo — A família Gerdau é conhecida pela eficiência na gestão de seus negócios. Cinco gerações transformaram a metalúrgica numa multinacional com operação em 14 países e 43 bilhões de reais de faturamento. Nas crises, a Gerdau inevitavelmente sofre menos do que a concorrência. É o que está acontecendo mais uma vez.

Mesmo em meio a uma das maiores crises da siderurgia brasileira, puxada pela recessão no Brasil e pela desaceleração chinesa, a Gerdau tem bons números. É a única, num grupo que reúne as concorrentes CSN e Usiminas, que conseguiu aumentar as vendas. Também é a mais rentável.

Mas, na bolsa, as ações caíram 40% neste ano, para o menor preço em 12 anos, e acumulam queda de 63% em três anos — no mesmo período, as ações da CSN e da Usiminas caíram 49% e 35%, respectivamente. O problema é que, a despeito do modelo de gestão, a Gerdau vem batendo de frente com seus 130 000 acionistas minoritários e enche o mercado de dúvidas — o que faz suas empresas ser negociadas com desconto.

Antes, os desentendimentos eram esporádicos. Em 2002, a Gerdau emprestou 45 milhões de reais ao haras de Jorge Gerdau Johannpeter, ex-presidente e pai do atual presidente, André (o empréstimo foi pago). Em 2006, a família tentou cobrar royalties milionários dos acionistas pelo uso do nome (a ideia foi abortada). Mas, nos últimos meses, os desencontros entre a família e os minoritários ganharam uma proporção inédita.

O auge foi no dia 14 de julho, quando a Gerdau comprou 4%, em média, de participação acionária em empresas controladas, como a Gerdau Aços Longos e a Açominas, por 2 bilhões de ­reais. O principal vendedor foi o banco Itaú. A Gerdau argumentou que a operação já estava nos planos e que viu uma oportunidade de preço e de forma de pagamento. Mas ninguém entendeu por que a família fez isso agora — muito menos por esse preço.

Para a corretora BB Investimentos, a Gerdau pagou um prêmio de 30% — ou seja, gastou quase 600 milhões de reais a mais do que deveria, considerando o valor patrimonial das aquisições e os múltiplos da compra comparados aos da própria Gerdau.

A companhia disse que parte do pagamento será feita com 802 milhões de reais em créditos que tem a receber da Eletrobras — acontece que, como destacou um relatório do banco BTG Pactual, ninguém nunca soube que esse dinheiro existia, pois não estava descrito nos balanços.

Depois da operação, o BTG revisou as projeções para a Gerdau e diminuiu em quase 1 bilhão o lucro líquido projetado para 2015 e 2016. Em dez dias, as ações caíram 20%. A dúvida não foi esclarecida até agora: afinal, o que a família ganhou com a operação em que os outros acionistas só viram prejuízo?

Gestores e analistas passaram duas semanas cruzando dados para entender a operação. A conclusão deles é que os controladores da Gerdau fizeram uma transação cara com o Itaú para pagar uma conta. Em 2010, uma empresa da família tomou emprestado 955 milhões de reais do Itaú com a garantia da holding Metalúrgica Gerdau, dona do controle da Gerdau.

A operação tinha vencimento em 29 de maio de 2015 e era corrigida pelo CDI — o que daria o correspondente a 1,5 bilhão de reais, pagos ao banco pelas participações acionárias. Três gestores de fundo ouvidos por EXAME estão se organizando para acionar a Comissão de Valores Mobiliários pedindo à autarquia que exija os detalhes das operações e avalie se foi lesiva aos minoritários da Gerdau.

“É coincidência demais para transparência de menos”, diz um dos gestores. Eles reclamam que a família teria usado dinheiro dos minoritários para pagar uma conta que é dela. A Gerdau não deu entrevista.

Retorno menor

Para investidores, bancos e analistas ouvidos por EXAME, a operação, feita desse jeito, é reflexo do mau momento do setor. Segundo o Instituto Aço Brasil, as empresas operam com menos de 70% da capacidade. Nas contas do banco Credit Suisse, só neste ano o lucro da Gerdau deverá cair 10%.

A dívida consolidada da Metalúrgica Gerdau e suas controladas subiu 28% no ano passado, para 21 bilhões de reais. A companhia tem quase 6 bilhões em caixa, mas 2,5 bilhões em dívidas a vencer neste ano — é quase 70% do que vale a participação da holding na Gerdau. Se pagar a dívida com caixa, a alavancagem sobe (hoje está em 3,3 vezes a geração de caixa e, pelo acordo com credores, não poderá chegar a quatro vezes).

O impacto da desaceleração do setor já chegou às contas da família, que tem 22% da empresa controladora. Na Cindac, empresa fechada que concentra as participações dos Gerdau, o lucro caiu 78%, para 27 milhões de reais. O conflito entre a família e os minoritários começou dois meses antes. Em maio, a Gerdau excluiu os minoritários de seu conselho de administração.

Em junho, as gestoras Guepardo e Lacan, acionistas da Gerdau, entraram com processo na Comissão de Valores Mobiliários para contestar uma operação que consideram irregular. Em dezembro, o BNDESPar exerceu uma opção de venda das ações da Gerdau e quem apareceu como comprador foi o banco BTG — pelo contrato, as ações ficam em posse do BTG, mas os controladores da Gerdau pagam ao banco a variação das ações como se fossem deles.

Acontece que, com esses papéis, a controladora passa a ter mais de um terço do capital da Gerdau e assim seria obrigada a fazer uma oferta pública aos minoritários — o que não foi feito. “Os controladores empurram as contas para os minoritários”, diz o analista de um banco estrangeiro. Qual o tamanho do problema para a família? Para os bancos, só a dívida de curto prazo já deve obrigar a empresa controladora a levantar novos recursos.

Segundo o executivo de um banco de investimento, a saída pode ser uma nova capitalização ou a venda de ações da Gerdau. Se a CVM definir que a empresa tem de fazer uma oferta aos minoritários, pode ter de desembolsar cerca de 750 milhões de reais. Se tivesse de pagar o tal empréstimo ao Itaú, de 1,5 bilhão de reais, além da dívida de 2,5 bilhões que vence neste ano, o caixa cairia para pouco mais de 1 bilhão de reais — o que estouraria os limites de alavancagem acordados com os credores.

Ninguém questiona a capacidade dos controladores de pegar dinheiro emprestado — o problema é o custo. A ação da Gerdau é negociada a 49% do valor patrimonial — com dívida mais alta e resultados fracos, a CSN é negociada a 120%. Gestores como Blackrock e XP reduziram suas ações na Gerdau neste ano. Para especialistas, o mercado de aço no Brasil só deverá começar a se recuperar em 2017. Não é uma boa hora para brigar com o mercado.

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