Revista Exame

Com tecnologia, campo dá mais um salto

Produtores adotam a tecnologia. E laboratórios de pesquisa já desenvolvem inovações que vão ajudar o país a dobrar a produção de alimentos nos próximos dez anos

A agricultura de precisão permite obter o triplo da produtividade média nacional no cultivo do milho (EXAME)

A agricultura de precisão permite obter o triplo da produtividade média nacional no cultivo do milho (EXAME)

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Da Redação

Publicado em 20 de julho de 2011 às 06h00.

São Paulo - Apaixonado por tecnologia, o produtor Cássio Kossatz, de 25 anos, não larga o smartphone e o tablet enquanto circula pelas três propriedades de sua família na região de Ponta Grossa, no Paraná. Agrônomo com especialização em economia agrícola nos Estados Unidos, Kossatz usa tecnologias de ponta para aumentar a produtividade das fazendas, dando continuidade ao trabalho iniciado por seu pai, Celso, médico que largou a profissão para investir no agronegócio nos anos 90.

Tratores e colheitadeiras são equipados com aparelhos de GPS. Com as informações recebidas por satélite, um piloto eletrônico corrige a trajetória dos veículos, aumentando a precisão das operações de preparo do solo, plantio e colheita. Os dados são transferidos para um computador que mapeia a produtividade de cada pedaço da propriedade.

Com a inteligência adquirida sobre os 2.700 hectares das fazendas, Kossatz pode aplicar a quantidade ideal de insumos em cada trecho da lavoura. O resultado é o emprego mais eficiente de calcário, fertilizantes e herbicidas — a economia em relação ao método tradicional chega a 40%.

Outra vantagem é que a produtividade se torna mais homogênea, elevando a produção total. Na última safra, os Kossatz colheram 11 000 quilos de milho por hectare, quase o triplo da média nacional. A família também cultiva soja, cevada, trigo e aveia, sempre com desempenhos acima da média.

As ferramentas que os Kossatz utilizam em suas fazendas são parte do arsenal tecnológico da agricultura de precisão, um conceito que começou a ganhar força no país nos últimos anos com o avanço da tecnologia de informação. A ideia básica é que o solo de uma propriedade agrícola quase nunca tem uma composição uniforme.


A aplicação quase cirúrgica de insumos permite tirar o melhor proveito de cada pedaço de terra sem desperdiçar recursos. Com a adoção dessa e de outras tecnologias — como o uso de sementes geneticamente modificadas, superprodutivas e resistentes a doenças, pragas e seca —, a família Kossatz espera quadruplicar o faturamento em dez anos, para 48 milhões de reais anuais.

"Para crescer, vamos continuar a apostar em tecnologia", diz Cássio Kossatz. "O investimento tem de ser contínuo."
Propriedades como as dos Kossatz, dotadas de tecnologia e geridas de forma profissional, vêm se espalhando pelo Brasil e estão na vanguarda de uma nova onda de avanço.

Nos últimos 20 anos, a produção nacional de grãos cresceu 152%, ante uma expansão de 25% da área plantada. Os números mostram o espetacular ganho de produtividade no período. Nas contas de Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura, se os produtores brasileiros tivessem estacionado no nível de produtividade de duas décadas atrás, o país precisaria ter desmatado mais 42 milhões de hectares — duas vezes o território do Paraná — para alcançar a produção atual. O desafio é manter o ritmo de aumento da produção e ajudar a abastecer o mundo.

Segundo projeções das Nações Unidas, a demanda global por alimentos deve crescer 20% nos próximos dez anos, e o Brasil terá um papel crucial para compensar as limitações de outras regiões. A previsão é que o país se torne o maior produtor agrícola do mundo na próxima década, aumentando a colheita em 40% até 2019 — o dobro do ritmo de países como China, Índia e Rússia.

Para que o Brasil se consolide como “celeiro do mundo”, o governo traçou, ao final de 2010, uma meta mais ambiciosa: até 2022, o plano é dobrar a produção de grãos para 300 milhões de toneladas.

Chegar lá depende de uma série de fatores — como as condições do mercado, a oferta de crédito e a melhoria da infraestrutura — e de ganhos crescentes de produtividade.


O atual estágio do agronegócio é considerado uma segunda etapa da revolução verde, processo de aumento da produtividade agrícola deflagrado nos anos 60 graças à melhoria das sementes e ao uso intensivo de fertilizantes, defensivos e irrigação. No Brasil, os efeitos das novas práticas agrícolas foram transformadores.

Até os anos 70, as terras arenosas do Centro-Oeste eram tidas como inférteis, mas sementes adaptadas ao cerrado, criadas pela Embrapa, combinaram-se à ocupação da região com o incentivo do governo. A nova fronteira se transformou no grande motor da expansão agropecuária do país, ainda que a um custo ambiental elevado: pelo menos metade do cerrado foi tomada pela produção.

Embalagens inteligentes
Na busca do novo salto, a ciência e a tecnologia estão fazendo a sua parte. "O Brasil realiza pesquisa de ponta para o agronegócio e é protagonista nesse processo, ao contrário do que ocorreu na área da microeletrônica, em que ficamos para trás", afirma o pesquisador Luiz Henrique Capparelli Mattoso, da Embrapa.

Mattoso chefia a unidade de instrumentação na cidade paulista de São Carlos, um dos principais polos de tecnologia do estado. Ali funciona o Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio, dedicado a pesquisar e manipular plantas, solos, insumos e materiais em escala nanométrica (bilionésima parte do metro) para descobrir novos materiais e aplicações.

Algumas pesquisas parecem ter saído de filmes de ficção científica. Um exemplo são as embalagens inteligentes, capazes de cruzar análises das condições do ambiente e do interior dos alimentos para liberar algumas substâncias e impedir a entrada de outras — o objetivo é aumentar o tempo de conservação dos produtos.

Há também nanofilmes que revestem frutas e hortaliças. Essas películas, invisíveis e comestíveis, retardam a deterioração. Assim, os produtos duram até três vezes mais, mesmo sem refrigeração.


Outras linhas de pesquisa prometem ganhos significativos para as lavouras, como o nanoencapsulamento de fertilizantes, pesticidas, remédios e sementes. A técnica consiste em envolver produtos com uma membrana, que libera as substâncias do princípio ativo no solo ou no organismo gradualmente, aumentando a eficiência de sua absorção.

Em três anos, prevê Mattoso, o mercado deverá contar com fertilizantes duas vezes mais eficazes, a preços compatíveis com os atuais. Em uma década, a eficiência poderá ser multiplicada por 10. Além dos ganhos ambientais, a tecnologia permitirá uma boa economia de divisas. Atualmente, o Brasil importa 70% dos fertilizantes que utiliza — no ano passado, foram gastos 4,9 bilhões de dólares com a compra de matéria-prima para fertilizantes.

Genes de aranha

Boa parte das pesquisas agrícolas mais avançadas é conduzida pela Embrapa, com sua equipe de mais de 2 300 pesquisadores espalhados por 46 unidades. Dotada de um orçamento anual de 1,8 bilhão de reais, a instituição vem trabalhando com diversos órgãos e empresas para ampliar sua atuação.

Um exemplo é a parceria com a alemã Basf para obter a primeira variedade de soja geneticamente modificada desenvolvida totalmente no Brasil. Batizada de Cultivance, a variedade é resistente a um tipo de herbicida que destrói ervas daninhas sem prejudicar a planta. O investimento foi de 20 milhões de dólares, e o produto deve estar disponível para os agricultores em 2012.

A Basf também trabalha numa variedade transgênica da cana-de-açúcar 25% mais produtiva e tolerante à seca. Neste caso, a parceria é com o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), antiga unidade de pesquisa da Copersucar que foi reestruturada para atender todo o setor sucroalcooleiro.


"Entramos com nossos genes mais promissores, enquanto o CTC oferece seu vasto conhecimento em cana", diz Leandro Martins, diretor de P&D da Basf. A expectativa é obter a nova variedade para cultivo até o fim da década.

Apesar das polêmicas que envolvem as plantas transgênicas, essa tecnologia vem avançando rapidamente. O Brasil é o segundo país que mais cultiva sementes geneticamente modificadas, atrás apenas dos Estados Unidos. Dezenas de novas variedades estão em desenvolvimento — só de cana-de-açúcar há pelo menos sete.

As pesquisas visam não somente elevar a produtividade mas também melhorar a qualidade dos produtos. Um exemplo é o algodão "equipado" com genes de aranhas. A Embrapa, em parceria com outras instituições, busca isolar as proteínas responsáveis pela elasticidade e rigidez das teias de aranha para produzir um algodão com fibras mais longas e flexíveis.

Além dos produtos típicos do grande agronegócio (soja, milho, cana e algodão), há pesquisas para novas variedades de arroz, feijão, batata, frutas e hortaliças, com finalidades variadas: do combate a doenças à incorporação de propriedades medicinais e nutricionais nos alimentos.

Até bodes transgênicos estão sendo pesquisados, numa parceria entre a Universidade Estadual do Ceará e a Federal do Rio de Janeiro. Os animais receberam uma proteí­na humana usada na produção de remédios contra Aids e câncer, e as cabras passaram a produzi-la no leite. A reprodução dos bichos já está acontecendo, e os filhotes são o primeiro passo para a formação de um rebanho geneticamente modificado.

Com técnicas como a manipulação genética, o melhoramento das plantas andou mais rápido que o da pecuária. Enquanto nas lavouras se extrai cada vez mais por hectare, cada boi no Brasil ainda precisa de 10 000 metros quadrados de pastagem — o tamanho de um campo de futebol. É muito pasto para pouco boi.


Com pastagens de qualidade e gado com bom nível de melhoramento genético, pecuaristas do Centro-Oeste já conseguem criar três cabeças nessa mesma área. Para avançar rapidamente no setor, a tecnologia mais promissora é a genômica, que identifica e isola genes com as características desejadas de maciez da carne e eficiência alimentar.

Técnicas promissoras brotam nos la­bo­ratórios em todo o país. Mas não basta desenvolver novas tecnologias. "Nosso maior desafio é disseminar as já exis­tentes", diz José Vicente Ferraz, di­retor da consultoria AgraFNP. De fa­to, a produtividade da agricultura fami­liar — responsável por 70% da produção de feijão, 58% de leite e 46% de milho — está muito aquém do desejado, puxando para baixo a média nacional.

A agricultura de precisão está presente em apenas 10% da área cultivada. Na pecuária, o rendimento médio de leite é dos piores do mundo: pouco mais de 5 litros diários por vaca, ante 24 litros nos Estados Unidos. O da carne bovina também é modesto. Em pastagens pobres de nutrientes, a produtividade é de 2 arrobas por hectare ao ano. Com um bom manejo de pastagens, a média pode ser multiplicada por 7 ou 8.

Muitas vezes, o aumento da produtividade não depende da descoberta de nenhuma técnica mirabolante. Um dos maiores problemas da pecuária brasileira é que as terras são usadas só para pastagens ou só para lavouras, gerando ociosidade e degradação. Segundo pesquisadores, a melhor alternativa é integrar lavoura com pecuária.

O princípio é o da velha e boa rotação: cultiva-se uma área de pastagem degradada com grãos durante um ou mais anos e depois volta-se a utilizar a área como pasto, aproveitando os restos da lavoura para melhorar o solo e aumentar a produção de forragem. O sistema pode ser incrementado com o plantio florestal para a produção de madeira.

Além de proporcionar renda extra ao produtor, as florestas ajudam o gado a ganhar peso, já que os animais caminham menos em busca de sombra. Na época da seca, as florestas mantêm o capim verde por mais tempo. "Quando combinarmos todas as tecnologias num grande projeto de integração entre lavoura, pecuária e floresta, faremos a revolução do agronegócio sustentável", diz José Roberto Peres, pesquisador da Embrapa.

Atualmente, há pesquisas em andamento em 200 pontos do país para permitir a adoção em larga escala da integração. "Com ela, podemos recuperar até 50 milhões de hectares de áreas degradadas no país", diz o pesquisador Luiz Carlos Balbino, também da Embrapa. "Isso permitirá ao Brasil triplicar a produção de alimentos sem derrubar árvores." Ou seja, outro salto ainda é possível.

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