Revista Exame

O maior lançamento da história

Dois meses após chegar ao mercado, o novo Uno se tornou o maior trunfo da Fiat para se distanciar da Volks, a segunda colocada no mercado

Novo Uno: o lançamento mais importante da Fiat nos últimos 15 anos (Divulgação)

Novo Uno: o lançamento mais importante da Fiat nos últimos 15 anos (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.

O dia 29 de junho de 2008 desperta memórias distintas para as duas maiores montadoras do país. Na Volkswagen, atual vicelíder de mercado, a data lembra um momento festivo: o lançamento da quinta geração do Gol, seu modelo mais vendido desde 1980. Para a Fiat, na dianteira do setor desde 2004, o dia 30 de junho traz um gosto amargo. Sem contar com nenhum grande trunfo, os executivos da operação brasileira da Fiat tiveram de assistir ao que parecia ser a maior tacada da Volkswagen na gestão do alemão Thomas Schmall, presidente da companhia havia pouco menos de dois anos. Os meses seguintes provaram que, de fato, a Fiat tinha o que temer. No último trimestre daquele ano, a Volks assumiu a primeira posição em vendas de automóveis no Brasil. O mesmo ocorreu em oito dos 12 meses de 2009, e entre março e maio deste ano. Enquanto a Volks avançava, a Fiat centrava- se no que viria a ser o maior lançamento de sua história de 34 anos no Brasil.

Apresentado oficialmente no dia 4 de maio, o novo Uno é resultado de 99 protótipos e 426 carros-teste, um investimento total de 1,2 bilhão de reais - o maior já realizado pela empresa italiana. Mal chegou às concessionárias, o novo Uno já responde por 45% das vendas totais do modelo (que inclui o Uno Mille, que continua a ser fabricado). A cada dia, saem da fábrica em Betim, na Grande Belo Horizonte, cerca de 800 carros, o dobro do previsto inicialmente pela Fiat. De quebra, o Uno se tornou o segundo modelo mais vendido do país, atrás do Gol - vale dizer que de janeiro a maio o Gol vendeu 70% mais que o Uno, mas na primeira quinzena de junho a diferença caiu para 20%. Nesse mesmo período, a distância entre Fiat e Volks aumentou 0,4 ponto percentual. Pode parecer pouco em números absolutos, mas, no disputado mercado automotivo, isso representa uma diferença de 60 000 veículos ao ano. "Com o novo Uno, recompusemos nossas forças para nos distanciar ainda mais da concorrência", diz Carlos Eugênio Dutra, diretor de produto da montadora italiana.

O clima dentro da Fiat é de festa - e também de alívio. Os executivos da empresa vinham ensaiando a substituição do Mille desde 1996, quando foi lançado o Palio, mas uma sequência de contratempos adiou os planos. Os principais dizem respeito às vendas dos modelos Linea, Stilo e Punto, lançados de 2002 para cá. Segundo pessoas próximas à montadora, o desempenho desses carros no mercado é cerca de 20% inferior ao planejado pela montadora, afetando sua rentabilidade. (Oficialmente, a Fiat nega que as vendas estejam aquém do previsto.) Por se tratar de um modelo antigo, com investimento já amortizado, o Mille havia se convertido numa importante fonte de caixa para a empresa, mesmo com uma redução real de preço de 15% na última década. Nesse cenário, qualquer intervenção no modelo tornava-se uma operação extremamente delicada e arriscada. "Não podíamos cometer nenhum erro", diz Lélio Ramos, diretor comercial da Fiat. "Um escorregão poderia nos custar a liderança."

Mesmo guardando inegáveis semelhanças com o Fiat Panda, modelo equivalente ao novo Uno vendido na Europa, o carro desenvolvido no Brasil conta com algumas peculiaridades - a começar pela concepção do projeto. Ao contrário do que geralmente ocorre nas montadoras, que levam para suas instalações grupos de consumidores para avaliar protótipos na fase final dos trabalhos, os executivos da Fiat brasileira destacaram uma equipe de 30 designers e engenheiros para conversar com potenciais clientes logo no início do projeto, de modo a entender suas necessidades e criar um carro quase sob medida para o mercado local. Entre março e maio de 2007, a montadora despachou os pesquisadores para abordar quase 350 pessoas, em locais como bares, universidades e exposições. "Trata-se de um processo semelhante ao realizado pela indústria de eletrônicos", diz Dutra. "No fim, descobrimos que havia um enorme mercado para um carro que fosse divertido e robusto ao mesmo tempo, com porta-malas maior que o do Panda e voltado para o público jovem."


A aceitação de outro carrinho da Fiat, o 500, também ajudou no desenho do novo carro (desde que começou a ser importado, em outubro de 2009, o 500 já vendeu mais de 1 200 unidades, o dobro do estimado pela Fiat). Do 500, a montadora tomou emprestado conceitos como adesivos para personalização das laterais e kits de modificação dos painéis, além das cores vibrantes. "Nosso maior desafio com o Uno é manter o frescor do lançamento no longo prazo", diz Dutra. "Já estudamos a introdução de novas cores e aces sórios para o ano que vem."

O sucesso do novo Uno nesses primeiros dois meses de lançamento pode ser creditado, em boa medida, à cautela da Fiat durante a crise financeira internacional em 2008. Na certeza de que o Brasil seria atingido pela turbulência ao longo do ano seguinte, a montadora italiana decidiu adiar o projeto de renovação do Uno por mais de seis meses, atrasando seu lançamento, inicialmente previsto para o final de 2009. A demora gerou uma enxurrada de especulações acerca do novo carro até que, no início de abril, as primeiras imagens vazaram para a imprensa. O burburinho gerado pela expectativa da chegada do automóvel, porém, teve um efeito colateral: queda de quase 30% nas vendas mensais do Palio, num momento em que o mercado como um todo sofria uma retração de 22%. Boa parte dos consumidores preferiu esperar a chegada do novo modelo em vez de comprar os que a Fiat já tinha à disposição.

Ao lançar um carro popular de cores e formas ousadas num mercado conservador como o brasileiro, a Fiat optou por assumir um risco. Aqui, ao contrário do que acontece na Europa e nos Estados Unidos, ainda se dá enorme valor aos veículos usados, sobretudo na troca por um carro novo - após três anos, um automóvel chega a manter até 60% de seu valor original, o dobro do registrado em mercados maduros. Nos anos 90, a GM percorreu um caminho semelhante ao introduzir o Corsa, um carrinho europeu de formas arredondadas e cores vibrantes como o amarelo-gema (algo que lhe rendeu o singelo apelido de Kinder Ovo). O modelo ficou entre os mais vendidos durante quase dez anos e, quando foi finalmente reestilizado para ganhar um ar mais sisudo, em 2002, caiu para a quinta posição, onde se mantém até hoje. Um engano que a Fiat, definitivamente, não poderá cometer.

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