Edifício-sede do The New York Times: o grupo Times Co. tem 1,1 bilhão de dólares em dívidas
Da Redação
Publicado em 15 de março de 2011 às 11h18.
Com o tempo, ancoradas sobretudo em valores sólidos e numa visão de futuro, certas marcas ganham a aura de instituição, de patrimônio das sociedades em que estão inseridas. Foi assim com o The New York Times, jornal fundado há mais de 150 anos que se tornou o mais prestigiado diário do mundo.
Ao longo dessas 15 décadas, o Times conquistou o poder de conferir credibilidade quase absoluta às notícias e às análises que estamparam suas páginas. Seu tradicional logotipo rebuscado confundiu-se com a história recente dos Estados Unidos. O The New York Times parecia ser uma produção resistente ao tempo, às mudanças, às guerras e às crises.
Os últimos tempos, porém, abalaram essa percepção. Assim como outros ícones americanos - General Motors, Lehman Brothers, Ford e Citibank -, o NYT vem tendo suas estruturas desgastadas por rupturas tecnológicas, alterações nos hábitos de consumo e pelo terremoto financeiro que varre os Estados Unidos e boa parte do mundo.
Tudo isso ficou mais claro quando, há alguns dias, o mexicano Carlos Slim, segundo homem mais rico do mundo, assinou um cheque de 250 milhões de dólares destinado a salvar da insolvência a "Velha Dama Cinzenta", como o jornal é conhecido. O empréstimo - regiamente remunerado por juros de 14% ao ano até 2015 - foi a saída encontrada pelo grupo Times Co., controlador do jornal, para pagar dívidas de curto prazo.
O tamanho da remuneração negociada com Slim é a senha para entender a urgência e a dimensão dos problemas enfrentados pela família Ochs-Sulzberger, à frente do NYT desde 1896 e dona de 19% do capital. A relação entre os Ochs-Sulzberger e Slim não é nova. O mexicano, um dos maiores empresários de telecomunicações do mundo, já possui 6,9% da Times Co. E em 2015 terá a opção de aumentar sua participação no negócio convertendo o valor do empréstimo em mais papéis da companhia.
O aprofundamento da relação financeira entre Slim e a família Ochs-Sulzberger causou comoção entre os defensores da imprensa independente, um dos pilares das sociedades democráticas. Quais seriam as verdadeiras intenções do magnata mexicano? Até que ponto sua ajuda influenciaria na reconhecida isenção editorial do mais poderoso e influente diário do mundo?
Para alguns analistas, o passo dado por Slim dias atrás seria o primeiro rumo à criação de um novo império da mídia, que reunisse a credibilidade e a capacidade de produção de conteúdo de um The New York Times à estrutura de telecomunicações de seu grupo, o Telmex, que no Brasil controla as operadoras de telefonia Claro e Embratel.
Com uma fortuna pessoal de 60 bilhões de dólares, Slim aproveitou a crise para comprar empresas nos Estados Unidos. Nos últimos meses, investiu 150 milhões de dólares em ações do Citigroup e comprou 18,3% de participação na loja de departamentos de luxo Saks Fifth Avenue.
"A mera sombra da possibilidade de o controle editorial do The New York Times mudar de mãos é motivo suficiente para inquietação", afirma Earl Wilkinson, presidente da Associação Internacional de Jornais, sediada em Paris, na França. As especulações foram rebatidas por Arturo Elias Ayub, enteado e porta-voz de Slim. "O empréstimo é apenas um bom investimento", disse ele. E é possível - e até provável - que assim seja. Para Slim, com seus 14% anuais de remuneração, tudo não passaria de um ótimo negócio.
Esse ótimo negócio para um dos lados, porém, expõe de forma cruel as fraturas que o The New York Times e outros grandes representantes da mídia vêm sofrendo nos últimos anos. A crise mundial só chegou para agravar o quadro. Hoje, a Times Co. tem uma dívida total de 1,1 bilhão de dólares.
Para fazer caixa, o grupo estuda a possibilidade de penhorar parte do edifício de 52 andares que ocupa em Manhattan e vender sua participação de 17% no time de beisebol Boston Red Sox. Caso sejam bem-sucedidas, essas operações darão algum fôlego à velha dama da imprensa americana, mas não solucionarão os problemas que hoje abalam suas estruturas.
Assim como acontece com boa parte dos grandes jornais americanos e europeus, o The New York Times vem perdendo leitores e receita publicitária nos últimos anos. Entre 2003 e o ano passado, a circulação dos jornais nos Estados Unidos caiu 15%. (Na mão oposta, a audiência dos sites dos dez principais diários americanos aumentou 16% em dezembro, segundo levantamento do instituto de pesquisa Nielsen.)
Os jornais americanos fecharam o ano de 2006 com um faturamento próximo dos 50 bilhões de dólares com anunciantes. Em 2008, esse valor caiu para menos de 39 bilhões de dólares e, de acordo com o instituto eMarketer, que acompanha o valor da publicidade nas mídias dos Estados Unidos, essas cifras devem continuar caindo ao ritmo de 5% ao ano até 2012.
Em 1998, os anúncios classificados representavam 42% do faturamento dos jornais americanos. Hoje, essa participação é de 27%. (Em países emergentes, como o Brasil, a situação é diferente. Em 2007, a circulação dos grandes jornais do país cresceu em média 5%.)
O drama dos grandes jornais americanos se repete na Europa, com quedas na circulação e endividamento. Na mesma semana em que Carlos Slim socorreu o The New York Times, o empresário russo Alexander Lebedev, ex-espião da KGB, encampou o tabloide inglês Evening Standard. Lebedev pagou o valor simbólico de 1,40 dólar pelo jornal londrino.
Em troca, assumiu um negócio que vem tendo prejuízos de mais de 20 milhões de dólares ao ano. Na França, o presidente Nicolas Sarkozy anunciou um pacote de socorro aos jornais de cerca de 600 milhões de dólares, que inclui isenções fiscais e subsídio no valor de 90 milhões de dólares por ano para os serviços de distribuição.
Os franceses que completarem 18 anos de idade serão presenteados pelo governo com uma assinatura anual de um jornal à sua escolha, numa tentativa de garantir que os jovens contribuam para a circulação futura dos diários. "O hábito da leitura diária de um jornal é adquirido desde cedo", disse Sarkozy no anúncio do pacote.
Nesse caso, poucos duvidam que o governo francês, mais dia, menos dia, cobrará a fatura - e que muito provavelmente ela virá travestida de boa vontade editorial em relação ao Palais de lÉlysee. "Quando a imprensa recebe subsídios diretos, precisamos todos estar atentos", afirma Alex Jones, diretor do Centro de Imprensa e Políticas Públicas da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
O maior dos desafios de jornais como o The New York Times é conciliar a queda nas receitas com custos que, caso simplesmente sejam cortados, podem ser fatais para sua qualidade e sua credibilidade. E publicações sem esses atributos valem pouco - ou nada - para leitores e anunciantes. Há cerca de dois anos, o investidor americano Sam Zell comprou o grupo Tribune, dono do Los Angeles Times e do The Chicago Tribune.
Zell, que fez sua fortuna no mercado de imóveis, colocou em prática um plano de reestruturação que consistia, basicamente, em reduzir despesas. O orçamento do Los Angeles Times foi diminuído em 4 milhões de dólares.
Na época, James OShea, diretor de redação do jornal, discordou publicamente da decisão, alegando que a qualidade editorial do LA Times cairia, afastando leitores e anunciantes e comprometendo ainda mais a situação financeira. OShea foi demitido. Os cortes foram feitos. Sem resultado. No final de 2008, com dívidas acumuladas de 13 bilhões de dólares, o Tribune pediu falência.
O NYT construiu sua história sobre o pilar da qualidade editorial. Fundado em 1851, o jornal conquistou até hoje a marca recorde de 96 prêmios Pulitzer, o mais importante da imprensa americana. Em suas páginas, os leitores viram as primeiras notícias sobre o naufrágio do Titanic e souberam que os Beatles se dissolveriam.
"É a instituição que menos mente nos Estados Unidos", disse certa vez o jornalista e escritor Gay Talese, que trabalhou no NYT entre as décadas de 50 e 60 e lançou em 1969 o livro O Reino e o Poder, um clássico de reportagem no qual narra a saga dos empresários e dos jornalistas que, ao longo do tempo, transformaram o que era originalmente um veículo para publicação de folhetins e histórias escandalosas no jornal mais influente do mundo.
A Velha Dama Cinzenta sempre se orgulhou de ostentar no alto da primeira página o slogan "Todas as notícias dignas de publicar". Mais do que isso, levou esse bordão às últimas consequências em ocasiões como a Segunda Guerra Mundial, quando recusou anúncios para ter mais espaço para noticiar os desdobramentos do conflito.
A estrutura para transformar um lema em realidade é gigantesca. Apenas na cobertura da atual Guerra do Iraque, o The New York Times gasta em média 3 milhões de dólares por ano desde 2003 com salários de enviados especiais, aluguel de um escritório, transporte e equipamentos. O jornal conta com 26 sucursais espalhadas pelo mundo e 27 no território americano e emprega cerca de 1 300 profissionais em suas redações.
Tudo isso tem um preço, cada vez mais difícil de ser pago. A pressão financeira, embora não tenha abalado a credibilidade da publicação, começa a derrubar algumas regras. No mês passado, pela primeira vez, o The New York Times aceitou um anúncio em sua primeira página.
Se reduzir redações e abrir mão da cobertura de fatos importantes não parece ser a solução, mas o atalho mais rápido para o fim, a saída na opinião de alguns analistas pode vir da tecnologia. Cerca de 60% dos custos fixos dos diários são representados por papel, impressão e distribuição dos exemplares. Segundo analistas, a mudança necessária no modelo de negócios seria a oferta do mesmo conteúdo em uma plataforma diferente.
Os grandes jornais continuariam a existir - sem papel e sem tinta. Além de computadores, celulares, iPhone e seus similares, começam a surgir aparelhos portáteis sofisticados, como o Kindle, da Amazon, que tem o tamanho de um livro e, mediante assinatura, recebe o conteúdo dos jornais em sua tela.
"O desafio é convencer os anunciantes a migrar para a mídia digital juntamente com o conteúdo dos jornais", diz Philip Meyer, autor de The Vanishing Newspaper ("O sumiço do jornal", numa tradução livre), que prevê o desaparecimento desse veículo como ele é hoje, impresso em folhas cinzentas, até 2043. Apesar de Meyer ser um analista respeitado, sua opinião tem de ser encarada como mero palpite. Ninguém é capaz de prever nada com tamanha exatidão. O máximo que se pode esperar é que, nos próximos anos, os jornais continuem a ser - eles próprios - alvos de muitas notícias.