Fábrica da Parmalat, controlada pela Laep: prejuízos e balanços atrasados aumentam a insatisfação dos acionistas minoritários; fundos estrangeiros venderam suas ações na empresa (Alexandre Battibugli/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 18 de julho de 2012 às 11h29.
São Paulo - No começo de junho, um grupo de cerca de 20 acionistas da Laep, dona da fabricante de produtos lácteos LBR e da butique Daslu, reuniu-se em frente ao escritório da empresa, no bairro da Vila Olímpia, em São Paulo. A visita foi tensa. E um tanto bizarra. Usando máscaras do assassino do filme Pânico, com faixas, apitos e megafones, eles foram protestar.
Motivos para indignação não faltavam. O principal deles: o espetacular desempenho das ações da empresa na Bovespa. Espetacular pela queda, fique claro. Desde sua abertura de capital, em outubro de 2007, o valor das ações da Laep caiu inacreditáveis 99,9%. Chegar a um número desses não é nada fácil.
Até um ano atrás, as ações da Laep já haviam caído 98%. Muita gente achou que estavam depreciadas e que era bom negócio comprar. De lá para cá, o preço caiu mais 96%. É, sem a menor sombra de dúvida, o maior fenômeno da bolsa brasileira.
Também é um caso inédito. Nem mesmo as ações de empresas que quebraram caíram tanto. Os papéis da Varig, companhia aérea que decretou falência em 2010 depois de vender parte de sua operação à Gol, caíram 96% antes de deixar de ser negociados na bolsa — como os bens da empresa tinham valor, a queda nas ações sempre esbarrou num piso.
Os da empresa agrícola Agrenco, que está em recuperação judicial desde 2009, tiveram baixa de 98%. Os minoritários fantasiados de Pânico que participaram do apitaço na sede da Laep cobravam uma explicação: o que, afinal, acontece com a Laep? Como as ações caem tanto?
Para começar, os resultados da empresa não ajudaram. Desde 2007, a empresa só deu lucro uma vez, em 2011. Mas a sequência de prejuízos não seria suficiente para fazer da Laep esse caso de estudo do mercado acionário brasileiro. O nó da questão é uma mistura das atitudes do controlador da empresa, o investidor Marcus Elias, com um conjunto de regras que favorecem companhias sediadas em paraísos fiscais, como é o caso da Laep.
De 2010 até hoje, Elias emitiu novas ações da Laep quatro vezes. As emissões serviram para ajudar a financiar o dia a dia da empresa. A praxe em operações como essas é que os demais acionistas tenham direito de comprar novas ações para que suas participações não sejam diluídas.
Mas não foi o caso da Laep, já que Elias fez emissões privadas — ou seja, destinadas a um grupo restrito de investidores. Assim, a participação dos minoritários foi diluída de forma expressiva. A empresa tinha pouco mais de 60 milhões de papéis em circulação na bolsa quando abriu o capital.
De lá para cá, foram emitidos quase 4 bilhões de novas ações (parte delas foi agrupada no último ano, mas a situação dos minoritários continuou igual). Isso significa que um investidor que tinha 1% do capital da Laep em 2007 passou a ter só 0,03%. Com uma participação menor, esse investidor passa a receber menos dividendos, porque eles são proporcionais à fatia de cada um na empresa. E o valor da ação despencou.
É bom lembrar que nada disso vai contra as regras da Comissão de Valores Mobiliários. Qualquer empresa pode emitir novas ações para financiar suas atividades, desde que o plano seja aprovado numa assembleia de acionistas. Os minoritários podem concordar em ter sua participação diluída quando acham que os recursos levantados com essa operação vão ajudar a melhorar os resultados e a valorizar suas ações no futuro.
O que complica tudo, no caso da Laep, é que sua sede legal fica nas Bermudas. Por isso, as assembleias são marcadas lá, o que dificulta a participação dos minoritários. Pode? Pode. Algumas empresas optam por transferir seus escritórios para paraísos fiscais para pagar menos impostos.
Isso é permitido mesmo quando todos os negócios da companhia estão no Brasil. Entre 2006 e 2008, oito empresas nessas condições abriram o capital, entre elas o fundo Tarpon, a Agrenco e a operadora de portos Wilson Sons, além da Laep. Elas lançaram BDRs, como são chamados os papéis de empresas estrangeiras negociados na Bovespa.
A confusão da Laep e também da Agrenco, que foi investigada pela Polícia Federal por suspeita de maquiar seus balanços (os executivos foram absolvidos), levou a CVM a endurecer as regras. Desde 2009, só podem lançar BDRs empresas que tenham mais da metade de seus negócios lá fora.
Só que a mudança não vale para quem lançou ações antes da nova regra. Nesse caso, quem quiser participar de uma assembleia precisa gastar 5 000 reais de passagens de avião e encarar um voo de 13 horas para Bermudas.
Grandes investidores, especialmente estrangeiros, já pularam fora. O fundo americano Yorkville Advisors, que tinha 13,3% do capital da Laep, vendeu boa parte das ações no fim de 2010. “Alguns investidores fazem parecer que esse é um problema maior do que realmente é.
Todo mundo sabia que nossa sede era lá. Não estamos infringindo nenhuma regra”, diz Luiz Cezar Fernandes, fundador do banco Pactual e, desde fevereiro, presidente da Laep. O balanço do primeiro trimestre de 2010 da empresa foi publicado com quase um ano de atraso. A justificativa foi a troca da empresa de auditoria (uma explicação aceita pelos órgãos reguladores de Bermudas).
O que acontecerá daqui para a frente? EXAME apurou que a Laep está sendo investigada pela Polícia Federal, no processo 3000.2011.003793-0. O objetivo é identificar possíveis crimes financeiros na condução da empresa. Elias, por sua vez, está processando os minoritários por danos morais e, segundo ele, por tentar manipular o preço das ações.
“Os investidores reclamam, mas seria muito pior se fechássemos o capital. Podemos fazer isso em 5 minutos”, diz Fernandes, que afirma, porém, que esse não é o objetivo. “Vamos melhorar os resultados.” (Marcus Elias não quis dar entrevista.)
O plano, segundo Fernandes, é fazer uma reestruturação na LBR, fechando metade das 30 fábricas. A Daslu vai inaugurar, ainda de acordo com o executivo, duas lojas, em Brasília e Ribeirão Preto, no interior de São Paulo até 2013. Enquanto as boas notícias não chegam, os acionistas continuam perdendo dinheiro. Até 28 de junho, a queda acumulada no mês era de 46%.