Revista Exame

Juro baixo demais atrapalha?

O Japão é o mais recente país rico a adotar a polêmica política de juro abaixo de zero, um tema que tem preocupado economistas de todo o mundo

Comércio de rua em Tóquio: a demanda por cofres não para de crescer (Rachel Lewis/Getty Images)

Comércio de rua em Tóquio: a demanda por cofres não para de crescer (Rachel Lewis/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 26 de fevereiro de 2016 às 05h56.

São Paulo — A loja da rede vare­jista japonesa Shimachu Home’s, na zona leste de Tóquio, sempre foi um ponto de referência para os moradores da região que procuravam utensílios domésticos, itens para jardinagem e material usado em pequenos consertos. Nas últimas semanas, também passou a atrair um público interessado na compra de cofres.

Desde que o governo japonês anunciou em janeiro que o juro de parte dos depósitos bancários seria negativo a partir de 16 de fevereiro, a procura por cofres aumentou 40% e o gerente da loja decidiu inaugurar uma nova seção dedicada somente ao produto.

Até agora nenhuma instituição financeira japonesa adotou o juro negativo para seus correntistas, mas é o medo de eventualmente ver o dinheiro guardado no banco perder o valor que tem feito os clientes da Shimachu Home’s e de outras varejistas optar por guardá-lo em casa. 

A decisão do banco central do Japão é o exemplo mais recente do nível de desespero de parte dos países ricos. Diante de uma economia estagnada — no caso japonês, há décadas —, alguns governos parecem ter ficado sem estratégias para reanimar o PIB. Nos paí­ses ricos, os juros estão num patamar próximo de zero há muitos anos — na verdade, nunca estiveram tão baixos por um período tão longo.

Apesar disso, os investimentos e o consumo não têm crescido de forma considerável. Seguindo o exemplo americano após o estouro da crise de 2008, o Japão e os países da zona do euro estão tentando aumentar o dinheiro em circulação para estimular a concessão de crédito com a compra massiva de títulos em poder dos bancos.

Por um tempo, a decisão parece ter evitado uma freada maior da economia, mas recentemente mostrou ser insuficiente para dar o impulso necessário. O PIB japonês chegou a crescer no primeiro semestre de 2015. O respiro, porém, durou pouco. Nos últimos três meses do ano, a economia encolheu 1,4% na taxa anua­lizada.

Sinal de preo­cupação, o índice de inflação ficou negativo ­em dezembro. Na zona do euro, a inflação está abaixo de 1% há dois anos devido à baixa demanda. Os economistas discutem se a situação vivida hoje pelos países ricos se assemelha a uma hipótese levantada pelo economista britânico John Maynard Keynes no clássico A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda.

Keynes, tido como o maior economista do século 20, descreveu uma situação em que nem mesmo uma taxa de juro baixa é capaz de estimular a economia. Isso poderia ocorrer quando a expectativa das pessoas e das empresas é tão ruim que os investimentos e o consumo caem. Nesse cenário, a política monetária perde a eficácia.

“Parece que os instrumentos tradicionais estão se esgotando”, diz a economista Monica de Bolle, pesquisadora do centro de estudos Peterson Institute for International Economics, de Washington. É nesse contexto que a política de juro negativo tem ganhado novos adeptos. 

O primeiro país a adotar a estratégia foi a Dinamarca em 2012. De lá para cá, a zona do euro, a Suíça, a Suécia e agora o Japão seguiram o mesmo caminho. Em alguns, o juro negativo incide apenas sobre os depósitos que os bancos deixam no banco central. Em outros, é o equivalente à taxa Selic que está negativo.

Em todos esses países, os correntistas que deixam seu capital no banco ainda têm taxas positivas — mesmo que bem próximas de zero. Mas a grande pergunta é “até quando?” Se as economias continuarem com um crescimento amorfo, é possível que o juro caia mais e as taxas de remuneração de correntistas também rompam a barreira do zero.

Os títulos dos governos do Japão e da zona do euro já estão dando retornos negativos. O juro negativo foi sempre um tema tratado apenas no plano teórico pelos economistas — e por uma boa razão. A taxa abaixo de zero desafia a lógica financeira. Quando ela é aplicada, significa que o tomador de um empréstimo tem de devolver um valor menor do que o emprestado.

É como pegar um crédito de 1 000 reais no banco hoje e pagar 990 reais no ano que vem. Ou deixar 5 000 reais aplicados na poupança e ver o valor ser corrigido para baixo todo mês. Se taxas de juro mais baixas do que as atuais forem adotadas e mantidas por um longo período, não está descartada a hipótese de os investidores pararem de comprar títulos públicos.

Também se criará um incentivo para as pessoas anteciparem o pagamento de contas — desde água e luz até aluguel. Por que deixar o dinheiro no banco desvalorizando se for possível quitar futuras dívidas?

A situação dos bancos

Quando um país decide adotar a política de juro negativo, seu objetivo é aumentar o consumo e o investimento. Na Suécia, os empréstimos para pessoas físicas cresceram 7,5% e o consumo aumentou 3,1% em 2015.

“É possível que as pessoas deixem o dinheiro nos bancos por conveniência mesmo que ele desvalorize mês a mês”, diz Ross Levine, ex-economista do banco central dos Estados Unidos e professor na Universidade da Califórnia. Mas como aponta o exemplo dos clientes da Shimachu Home’s no Japão, o resultado pode nem sempre ser esse.

Se a moda do cofre em casa se alastrar, o resultado será uma corrida bancária. Mesmo que esse movimento aconteça num grau menor, existe a possibilidade de os lucros dos bancos desabarem. Esse temor foi um dos fatores que fizeram com que as ações de bancos como Deutsche e Credit Suisse despencassem por alguns dias em fevereiro.

O índice que mede as ações dos bancos japoneses caiu 21% desde o anúncio da taxa de juro negativo em janeiro. A agência de classificação de risco Standard & Poors estima que a rentabilidade dos grandes bancos japoneses tenha uma queda de 8% em 12 meses. Parte dos economistas tem argumentado que as preocupações em relação à saúde dos bancos têm sido alarmistas.

O banco americano JP Morgan estima que no Japão haja espaço para reduzir os juros sobre os depósitos bancários para até -3,45% sem causar grandes problemas. Quanto dá para confiar nesses números? Estimativas são, por definição, tentativas de prever o futuro tendo como base a ex­periência anterior.

Embutem, portanto, uma dose de imprecisão. No caso do juro negativo, o esforço de previ­são é muito mais difícil. Não há evidência passada para dar a mínima susten­tação às projeções. Bem-vindo a um bravo mundo novo.

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