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Instabilidade econômica na China pode detonar crise global?

A desvalorização da moeda chinesa surpreendeu investidores, derrubou bolsas, corroeu o valor das moedas emergentes. O país pode detonar uma nova crise global?


	Hong Kong: a desvalorização da moeda chinesa deflagrou a turbulência nos mercados globais.
 (Arcimboldo/Creative Commons)

Hong Kong: a desvalorização da moeda chinesa deflagrou a turbulência nos mercados globais. (Arcimboldo/Creative Commons)

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Da Redação

Publicado em 8 de outubro de 2015 às 10h25.

São Paulo — Os céticos gostam de comparar a economia chinesa a um elefante que anda de bicicleta. Seu equilíbrio depende, essencialmente, da ­velocidade. Se o elefante cansa e começa a ­pedalar com menos vigor, segue a metáfora, acaba se ­esborrachando no chão — e, com o peso que tem, sacudindo tudo que está em sua volta.

Os últimos 20 anos estão aí para provar que o tal elefante chinês se mostrou um especialista em calar os que previam sua queda. A suspeita, no entanto, ­continua lá — e se a China, atualmente dona de 15% do PIB mundial, entrar em crise? Esse temor nunca foi tão vivo quanto no final de agosto, ­quando a bolsa de Xangai entrou num aparente ­colap­so.

No dia 24, uma segunda-feira que logo foi ­apelidada de Black Monday, a bolsa caiu 8,5%. ­Na ­ter­­ça, outro tombo, desta vez de 7,6%. Foi bastante para mandar ao restante do mundo um recado — o elefante está cansando. Tudo começou com o que era para ter sido apenas uma mudança técnica no sistema cambial chinês.

No dia 11 de agosto, o banco central adotou uma nova fórmula para fixar o valor de sua moeda, o iuane. O efeito prático da mudança foi uma desvalorização de 5% na moeda.

É uma flutuação tímida para padrões brasileiros — nosso real, afinal de contas, já perdeu mais de 60% de seu valor em 12 meses —, mas, como a China é o maior exportador do planeta, a mudança deixou investidores com uma senhora pulga atrás da orelha.

Parecia, afinal, um golpe para conferir mais competitividade às exportações chinesas e dar uma animada numa economia que, longe dos 9% ou 10% de outrora, deverá crescer “apenas” 7% em 2015. O medo, claro, é que a desaceleração não pare por aí. Somente no dia 25 de agosto as bolsas do mundo perderam 3 trilhões de dólares em valor de mercado. 

O governo chinês, tão cioso de sua capacidade de planejar cada detalhe da vida econômica do ­país, parece não ter a menor ideia de como interromper o show de horror da bolsa de Xangai. Faz dois meses que anuncia medidas para elevar o preço das ações — que, em resposta, caem mais.

Desde o meio de junho, a perda acumulada da bolsa de Xangai é de 42% — antes, havia valorizado 150% em 12 meses. A queda é causada por uma série de más notícias econômicas. O indicador que mede a produção industrial do país chegou ao patamar mais baixo desde março de 2009, um dos piores momentos da crise financeira.

A venda de ­smar­­­tphones na China caiu pela primeira vez. E a associação de montadoras calculou que a venda de carros de passeio tenha caído 6,6% em julho. É uma reversão para a qual o mundo não parece preparado. Até outro dia, a China era a salvação de uma economia global estagnada.

As economias ricas podiam encolher ou remar sem sair do lugar, mas a China entregava taxas anuais de expansão que compensavam a pasmaceira geral. Centenas de milhões de chineses ascenderam à classe média. Ano após ano, o número de companhias do país entre as maiores do mundo aumentava.

No ranking 2015 das 2 000 maiores empresas globais da revista americana Forbes, 232 são chinesas — cinco vezes mais do que em 2003. Ainda que uma desaceleração na economia chinesa fosse esperada, a solução desejada era uma transição para um modelo de crescimento capitaneado pelo consumo interno em vez da dependência do mercado externo e de altas taxas de investimento.

As últimas semanas mostraram que essa transição não está funcionando como esperado. Como reação à turbulência global, o governo chinês diminuiu a taxa de juro em 0,25 ponto percentual — ela atualmente está em 4,6% ao ano. É o quinto corte desde novembro do ano passado. Espera-se também uma injeção de liquidez no sistema bancário para estimular o crédito.

Pequim deve ainda intensificar o uso de reservas para manter a estabilidade do iuane. A estimativa é que 40 bilhões de dólares sejam gastos por mês para manter a depreciação gradual do iuane, o objetivo do novo sistema cambial.

“O que tem acontecido nos últimos dias mostra que o governo chinês perdeu o controle”, afirma Marteen-Jan Bakkum, estrategista do banco de investimento holandês NN Investment Partners (o antigo ING). “Os chineses continuam tentando manipular seus mercados acionário e cambial, mas isso não está funcionando mais.”

O Bank of America Merrill Lynch projeta uma queda de aproximadamente 10% no iuane até o fim do ano. O investidor de Hong Kong e ex-economista do FMI Stephen Jen calcula que uma depreciação de 10% na moeda chinesa acarreta movimentos de queda que podem chegar a 20% nas moedas do restante da Ásia.

Países como Viet­nã, Tailândia, Coreia do Sul e Malásia devem ser os mais afetados, porque suas cadeias de produção fornecem itens para o parque industrial da China ou competem diretamente com os chineses em outros mercados. A desvalorização do iuane deve de fato dar algum impulso ao setor industrial chinês, sobretudo aquele que depende do mercado externo.

Em julho, as exportações caíram 8,3% em comparação com o mesmo período do ano passado. “Houve uma desvalorização modesta do iuane, o que não ajuda tanto assim o setor exportador chinês”, afirma Victor Shih, pesquisador da Universidade Harvard e professor da Universidade da Califórnia em San Diego.

Os últimos lances na economia chinesa têm colocado ainda mais pressão sobre as moedas dos mercados emergentes, mas a turbulência atual não é culpa exclusiva do país. No último ano, quase 1 trilhão de dólares em capital deixou as 19 maiores economias emergentes, segundo cálculos do NN Investment Partners, em direção aos Estados Unidos e a Europa.

A saída desse capital — dinheiro em sua maior parte de investidores, empresas e instituições financeiras — é resultado de uma somatória de problemas comuns e dramas indivi­duais dos países emergentes. A forte queda das commodities, de quase 50%, é o fator que une essas economias, dependentes das exportações de materiais básicos.

A Rússia, por exemplo, amarga a mais severa recessão em duas décadas em razão da queda do preço do petróleo, agora cotado a menos de 40 dólares o barril. Na Turquia, o alto endividamento do setor privado em dólar pode gerar uma crise no balanço de pagamentos. Até o Cazaquistão é motivo de preocupação.

SUCESSÃO DE PROBLEMAS

Já não são poucos os problemas dos emergentes, e tudo ainda pode piorar. Janet Yellen, presidente do banco central americano, o Fed, anunciou recentemente a necessidade de aumentar a taxa de juro, próxima a zero desde o fim de 2008. Isso deve intensificar a fuga de capitais dos emergentes em direção aos Estados Unidos.

O início da temporada de juros mais altos era esperado para a reunião do Fed marcada para 17 de setembro. Mas, com a crise que vem da China, é possível que a decisão seja protelada. “Os últimos movimentos da China colocam o governo americano em uma posição desconfortável”, diz o economista Eswar Prasad, da Universidade Cornell.

O iuane em queda deve elevar o déficit comercial dos Estados Unidos com a China. “Não é apenas a China. Os mercados emergentes vão mal. O crescimento na Europa ainda é fraco e o problema grego não desapareceu. A desvalorização da China foi apenas um alerta de que nem tudo vai bem no mundo”, afirma o economista americano Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia, em Berkeley.

Mas, se fosse possível escolher, ninguém gostaria que a China entrasse no grupo das economias com problemas. Muito menos o Brasil, que já enfrenta uma recessão e tem na China seu maior parceiro comercial. Acelera, elefante.

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