Revista Exame

Indianos em crise

Os erros cometidos pelo laboratório Ranbaxy no Brasil são uma lição para as empresas que querem se internacionalizar a qualquer custo

Farmácia no Brasil: a empresa não conseguiu se entender com o varejo (--- [])

Farmácia no Brasil: a empresa não conseguiu se entender com o varejo (--- [])

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 12h21.

O laboratório farmacêutico Ranbaxy é um dos maiores símbolos do processo de internacionalização das empresas indianas. Seus controladores -- membros da família Singh -- abriram a primeira unidade no exterior há 30 anos, introduziram seus produtos em 125 países e fizeram da Ranbaxy uma referência mundial na área de medicamentos genéricos. A história dos Singh no Brasil, no entanto, mostra como o processo de expansão internacional pode ser doloroso -- mesmo para companhias experimentadas. A Ranbaxy chegou ao país em 2000 com o objetivo de produzir e vender medicamentos genéricos, um mercado então inexplorado. Passados cinco anos, os resultados obtidos pelos indianos são pífios. Em 2005, as vendas da Ranbaxy caíram 26% em relação ao ano anterior. Considerando-se a performance no quarto trimestre em comparação ao mesmo período de 2004, o desastre foi ainda maior: queda de 45% no faturamento. Desde 2003, a Ranbaxy vem perdendo terreno para vários laboratórios nacionais que viram nos genéricos uma forma de sobreviver num mercado pautado por inovações cada vez mais freqüentes e mais caras. Pressionada, a empresa teve queda na participação de 14% para 4% num período de pouco mais de três anos. Procurada por EXAME, a direção da Ranbaxy no Brasil não concedeu entrevista.

O que aconteceu com a operação brasileira da multinacional indiana é uma espécie de lição para empresas que buscam -- a um só tempo -- expansão rápida e lucros abundantes em novos mercados. A Ranbaxy chegou ao país com o apoio do então ministro da Saúde, José Serra. Na época, o governo brasileiro desejava fortalecer o setor de genéricos. Interessava, portanto, atrair uma fabricante global, que já era conhecida por fornecer medicamentos genéricos para o programa de Aids do governo federal. Com a bênção de Serra, a aprovação dos medicamentos da Ranbaxy foi acelerada e os registros internacionais dos medicamentos da marca foram aceitos em substituição aos testes realizados no Brasil. Na época, a Ranbaxy também conseguiu a isenção de taxas de importação de seus medicamentos. Em contrapartida, os indianos comprometeram-se a instalar uma fábrica no Brasil -- a unidade, cuja inauguração estava prevista para o ano passado, até agora não produziu um comprimido.

No princípio da operação brasileira, os resultados da Ranbaxy sugeriam o habitual bom desempenho. Em 2001, a companhia já conquistara 8,4% do mercado. Em 2002, era a terceira maior empresa em operação no setor de genéricos. Foi quando a Ranbaxy, lenta em perceber os movimentos do mercado, começou a perder espaço para a concorrência. Os laboratórios nacionais partiram para a ofensiva. Buscaram financiamento para ampliar suas fábricas, aumentaram suas linhas de produtos de forma exponencial e passaram a produzir, por exemplo, os medicamentos de combate à Aids, área que a Ranbaxy dominava sozinha. A reação poderia ser mais rápida caso os executivos da matriz -- liderados pelo inglês Brian Tempest -- não estivessem ocupados demais em administrar ao mesmo tempo as várias frentes abertas no mercado internacional. A Ranbaxy parou de investir no Brasil. Enquanto a linha de produtos dos concorrentes crescia, os indianos pararam. Hoje, a empresa tem uma linha que equivale à metade do portfólio dos principais concorrentes.

Desempenho da Ranbaxy no Brasil
O faturamento caiu 26% em 2005 e a participação no mercado passou de 14% para 4% em três anos
Faturamento (em milhões de dólares)
2001
14
2002
20
2003
22
2004
31
2005
23
As cinco maiores dos genéricos
(participação por faturamento, em fevereiro)
Medley
30%
EMS Sigma Pharma
27%
Aché
10%
Eurofarma
8%
Ranbaxy
4%
Fonte: IMS Health

As conseqüências da escassez de produtos revelaram-se devastadoras para os negócios da Ranbaxy no Brasil. Municiados com uma gama de medicamentos mais abrangente, os grandes laboratórios nacionais passaram a sustentar uma agressiva política de descontos para o varejo. O ponto crucial dessa política é garantir as margens de lucro das drogarias que operam com genéricos. Foi uma estratégia ignorada pelos indianos, o que gerou certa má vontade nos pontos-de-venda. "O produto da Ranbaxy só sai se o consumidor pedir ou se for exclusivo, o que é raridade", diz um executivo de uma das maiores redes de drogarias do Brasil.

As empresas farmacêuticas indianas calculam de forma muito precisa a razão entre a lucratividade de um mercado e seu grau de regulamentação. Essa é a base para que desenhem suas estratégias mundialmente. Na maioria dos países, essa filosofia vem funcionando. O cenário de negócios no mercado brasileiro de medicamentos genéricos mudou rapidamente dentro das duas variáveis consideradas pelos executivos da Ranbaxy e comprometeu todas as projeções traçadas inicialmente. Os indianos demoraram demais para entender essa volatilidade. Na época de sua chegada ao país, a rentabilidade do mercado era alta, e a regulamentação, baixa. O quadro se inverteu nos últimos anos. "A Ranbaxy do Brasil se transformou em um coelho que se move na velocidade de um elefante num mercado em que elefantes estão correndo como coelhos", diz um consultor da área de medicamentos. Trata-se de um problema e tanto num mundo onde os elefantes corporativos estão em extinção.

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