Revista Exame

Império versus empório

Em dez anos, o Brasil ganhou 300 cervejarias artesanais. O problema, para elas, é que a Ambev lançou sua própria leva de cervejas especiais — e pode dominar um mercado que surgiu para derrubá-la

Empório Alto dos Pinheiros, em São Paulo: 800 tipos de cerveja  (Germano Lüders / EXAME)

Empório Alto dos Pinheiros, em São Paulo: 800 tipos de cerveja (Germano Lüders / EXAME)

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Da Redação

Publicado em 17 de dezembro de 2014 às 17h06.

São Paulo - Desde que abriu as portas, há cinco anos, o Empório Alto dos Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, tornou-se um reduto da cerveja complicada. O incauto que pedir um chope e dois pastéis vai se surpreender quando o garçom disser que o bar não vende pastéis, mas que o cliente pode escolher entre 33 tipos de chope — com ingredientes como coentro, pitanga, bacon e abóbora.

Cervejas à venda são mais de 800. Talvez seja o maior símbolo nacional do fenômeno que está mudando a cara da indústria cervejeira no mundo: a ascensão das cervejas especiais, aquelas que não contêm cereais não maltados, geralmente usados para reduzir o custo e suavizar o gosto da bebida.

O bar atrai uma clientela cheia de convicções. Tomar uma cerveja popular como Skol, Brahma ou Itaipava é crime. Chega a ser natural que, para os fiéis frequentadores do empório, o “Grande Satã” seja a empresa que mais vende cerveja no Brasil — a Ambev

Não foi sem surpresa, portanto, que Paulo Almeida, dono do empório, começou, de três anos para cá, a receber a visita de executivos da maior cervejaria do país. Eram gerentes e diretores enviados para observar o ambiente, bater papo com os clientes e, pasme!, provar as cervejas — uma transgressão para uma empresa que já demitiu um funcionário por tomar Coca-Cola no churrasco de fim de ano.

O objetivo das visitas exploratórias ficou claro no início de dezembro. Pela primeira vez, a Ambev lançou uma linha de três chopes artesanais com ingredientes como jabuticaba e pimenta-rosa. Cada copo custa até 13 reais. Em 2015, a nova linha será engarrafada. “Há uma curiosidade sobre outros estilos de cerveja”, diz a mestre cervejeira Daniela Dezordi, destacada para produzir a nova linha.

Se tudo der certo, em um ano a Ambev terá vendido 1 milhão de litros das novas cervejas especiais. É quase nada se comparado aos 12 bilhões de litros de Skol, Brahma e afins que a cervejaria fabrica por ano no Brasil. Mas a entrada da gigante deve mudar a dinâmica do mercado.

A Associação Brasileira das Microcervejarias estima que haja entre 300 e 350 produtores nacionais, que faturam, juntos, mais de 2 bilhões de reais e produzem mais de 200 milhões de litros por ano. A modinha chamou a atenção de marcas internacionais.

A incensada cervejaria belga Delirium abriu bares com sua marca no Rio de Janeiro e em São Paulo. A escocesa Brew Dog, fabricante de cervejas tão amargas quanto premiadas, abriu um bar em São Paulo. Somadas, as chamadas cervejas especiais, que custam três ou quatro vezes mais do que as tradicionais, respondem por apenas 1% do mercado brasileiro.

Mas em algumas redes de supermercados de São Paulo a fatia já é de 10%. “Cervejarias preocupadas apenas com a escala, e não com a qualidade, vão continuar a perder clientes para as novatas”, diz Juliano Mendes, fundador da cervejaria Eisenbahn, vendida em 2008 para a Schincariol, hoje pertencente à japonesa Brasil Kirin.

Embaixo de todo esse colarinho, a vida é dura. Ganhar dinheiro com cerveja especial no Brasil é especialmente difícil. O exemplo da cervejaria Bamberg, em Votorantim, no interior de São Paulo, ilustra o tamanho do desafio. Criada há nove anos, a Bamberg é uma das maiores cervejarias artesanais do país, com produção anual de 850 000 litros e faturamento estimado em 15 milhões de reais.

Fabrica 22 tipos de cerveja e recebeu 44 prêmios de qualidade de 2013 a 2014. Como não conta com isenções tributárias concedidas às grandes indústrias, a Bamberg paga cerca de 70% de seu faturamento em impostos. O malte e o lúpulo, importados da Alemanha, custam até 15 vezes mais do que a matéria-prima usada por cervejarias tradicionais — que usam malte nacional e adicionam outros cereais, como milho, nas receitas.

A distribuição fica restrita a meia dúzia de cidades. No fim das contas, a Bamberg lucra 90 centavos numa garrafa que custa 16 reais no varejo. A Ambev, a mais eficiente cervejaria do planeta, lucra 60 centavos numa garrafa vendida a 2,80. “Somos obrigados a cobrar mais do que gostaríamos”, diz o presidente, Alexandre Bamberg.

A experiência nos Estados Unidos mostrou à Ambev que assistir a distância à expansão das nanicas é arriscado. Por lá, a transformação do mercado começou há 30 anos. No fim da década de 80, os Estados Unidos tinham cerca de 300 fábricas de cerveja. Hoje são mais de 3 000.

Daniela Dezordi, da Ambev: agora o chope não é só claro ou escuro (Germano Lüders / EXAME)

A mais bem-sucedida é a Samuel Adams, de Boston, que domina cerca de 1% do mercado. Por lá, a AB Inbev, controladora da Ambev, chegou a comprar cervejarias artesanais nos últimos anos, como a Goose Island, de Chicago, mas nunca considerou o nicho uma prioridade.

O resultado é que, neste ano, as cervejas especiais somadas chegaram a 16% do mercado, ultrapassando a marca mais icônica da AB Inbev, a Budweiser. “Os grandes ignoraram esse mercado até que fosse tarde demais”, diz Trevor Stirling, analista da Sanford C. Bernstein. “Parecem ter aprendido a lição.”

A Medida Provisória no 656, prevista para ser votada em 2015, pode desonerar de 10% a 20% do faturamento das pequenas cervejarias. Mesmo assim, analistas do setor preveem que a Ambev e as outras grandes — Brasil Kirin, Petrópolis e Heineken — terão mais chance de dominar o mercado de cervejas especiais e de fazê-lo dobrar em até cinco anos.

A Brasil Kirin tem a vantagem de ter marcas conhecidas, como Eisenbahn e Baden Baden, compradas em 2008. Expandi-las é prioridade em 2015. Dentro de sua sede, em Itu, no interior de São Paulo, a Brasil Kirin construiu uma microcervejaria só para produzir as duas marcas.

A Petrópolis, terceira maior do mercado, fechou neste ano uma parceria com a inglesa SAB Miller para vender no Brasil marcas cultuadas na Europa, como a checa Pils­ner Urquell e a holandesa Grolsch. A Ambev também vai reforçar a distribuição de marcas importadas renomadas, como a belga Leffe.

Para chegar a bares refinados, como o Empório Alto dos Pinheiros, a empresa distribui suas cervejas importadas em discretas vans brancas, e não naqueles caminhões espalhafatosos. Para conquistar esses novos consumidores, não basta apenas tirar o milho da cerveja. Quanto mais artesanal parecer, melhor.

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