Cabe ao investidor procurar entender se a sequência de quedas no Ibovespa representa um esgotamento estrutural do rali ou uma simples pausa para respirar (iStock/Getty Images)
Colunista
Publicado em 24 de agosto de 2023 às 06h00.
Previsões são sempre difíceis, especialmente sobre o futuro. Mas, se eu fosse um camarada místico, teria lançado uma profecia. Foi só o Brasil aparecer de novo na Economist, naquela pegada de “atenção, tripulação, preparar para a decolagem”, que o Ibovespa assumiu uma regularidade semelhante àquela do time do Santos: em dez pregões, dez derrotas. É a maior sequência negativa em 25 anos. Vale mesmo a máxima de que se um mercado, uma empresa ou um gestor sai na capa da revista, pode shortear (apostar na queda)? Não diria tanto.
Sou devoto mesmo é de Sextus Empiricus, expoente do ceticismo pirrônico, de modo que não me inclino à magia ou à astrologia ou a outra coisa nessa linha. O máximo que topo de esotérico se restringe a Gilberto Gil. Estou ligado: “Mistério sempre há de pintar por aí”.
Não acho que seja exatamente coincidência ou aleatoriedade o mau desempenho de nossos ativos de risco em agosto. Toda vez que entra esta época do ano começamos a debater LDO e orçamento. Com o Plano Real e a maturidade que foi dada a ele com o sistema de metas de inflação, com um tropeço ou outro, resolvemos nosso problema monetário. Mas a questão fiscal continuou pendente — o Estado de bem-estar social que escolhemos na Constituição de 1988, até mesmo por causa das compreensíveis circunstâncias da época, não cabe no PIB. Então, pelo menos uma vez por ano, somos lembrados de forma objetiva da verdade inconveniente: a conta não fecha. E como este governo escolheu fazer um ajuste fiscal apenas pelo lado da receita, ficam todos com medo de que a caixa de ferramentas seja aberta e o setor privado venha a ser chamado para uma pequena questão de arredondamento, uma boleta em torno de 100 bilhões de reais.
O bom ordenamento macroeconômico a partir do arcabouço fiscal, do processo intenso de desaceleração da inflação e de corte da taxa Selic encontra a melhora do ambiente institucional como um bom companheiro para reduzir prêmios de risco e atrair o capital internacional. Falta, porém, uma clareza microeconômica.
Obviamente, as preocupações locais não estão sozinhas para explicar o mau comportamento dos mercados brasileiros no início de agosto. A China emite uma notícia ruim por dia e assombra o mundo com o temor de estouro de sua bolha imobiliária. Há um mau humor geral com mercados emergentes, com a moe-da russa atingindo seu menor patamar desde março de 2022. E também em agosto Wall Street observou alta das taxas de juro de mercado, diante de pressões inflacionárias ainda rígidas. O movimento disparou uma pressão por realização de lucros, levando a Nasdaq a seu pior desempenho quinzenal de 2023.
Teríamos esgotado o rali de nossas ações e mercados de risco em geral? Respondendo diretamente, entendo que não. De tempos em tempos, o mercado nos lembra de sua habilidade impiedosa de frustrar consensos. Todos pediam o início do ciclo de cortes da taxa Selic em agosto. Essa seria a catálise para uma alta das ações brasileiras. Veio o corte desejado e ele foi sucedido de uma extensa sequência de quedas da bolsa. É curioso como o histórico aponta uma propensão à queda do Ibovespa em meses de início de ciclos de afrouxamento monetário — nas últimas seis temporadas de queda da Selic, o principal índice de ações brasileiro caiu, na média, 2% no mês em que se iniciou a trajetória de baixa do juro básico.
A questão é que a renda variável… varia. Mesmo os bull markets (mercados de alta) mais longevos e intensos encontram soluços, sobressaltos, obstáculos e grandes correções, de 20%, 30%, até 50%. Depois, no gráfico de longo prazo, aquilo vira uma perninha para baixo quase imperceptível — embora seja um terror enquanto você está vivendo aquilo. Cabe ao investidor manter a racionalidade e procurar entender se a sequência de quedas representa um esgotamento estrutural do rali ou uma simples pausa para respirar.
O futuro continuará… no futuro, impermeável, opaco, impossível de ser antecipado. O analista tenta estimar uma distribuição de probabilidades sobre eventos futuros, com toda a incerteza a isso associada. Nunca será possível saber antes qual desses eventos vai acontecer — sem contar ainda os eventos que nem sequer foram listados na tal distribuição de probabilidades, os tais unknown unknowns- de Donald Rumsfeld.
É verdadeira a correlação histórica entre a queda do Ibovespa e o mês de início dos ciclos de cortes na Selic, a julgar pelos últimos movimentos. Mas é também verdadeiro, e muito mais importante, o comportamento ao longo de todo o ciclo. Durante os últimos seis movimentos de queda da Selic, o Ibovespa subiu, na média, 35%. Ou seja, a despeito de uma correção inicial, a tendência para o todo o ciclo, a julgar pelo histórico, é bastante positiva e intensa.
O Ibovespa negocia hoje a um preço sobre lucro de 8x, ante uma média histórica de 10,9x. Se fôssemos só voltar para a média, estaríamos falando de um potencial de valorização de 36%. Isso levaria o Ibovespa aos 165.000 pontos.
O consenso de mercado sugere um crescimento dos lucros do Ibovespa de 10% para 2024. Então, para o mesmo preço sobre lucro, as cotações precisariam subir mais 10%. Em sendo o caso, chegaríamos a 181.000 pontos ao final do ano que vem, só para convergirmos à média histórica. No entanto, temos visto uma série de revisões para cima nos lucros corporativos, numa dinâmica potencialmente incompleta e resultado da maior resiliência da atividade econômica e de uma redução mais acentuada das taxas de juro. Ou seja, talvez o consenso de mercado passe a convergir para um crescimento dos lucros entre 15% e 20% no ano que vem, o que, repetindo o exercício, nos levaria a 189.000 e 198.000 pontos para o Ibovespa ao final de 2024.
Num cenário ainda mais otimista (menos provável, mas possível), se formos tomados por um juro abaixo do neutro e melhores perspectivas de crescimento dos lucros, teríamos chance de negociar, como já observamos em outros momentos de alguma euforia, acima da média histórica de lucros, algo em torno de um desvio-padrão acima da média. Isso levaria o índice para uma relação preço sobre lucro em torno de 13x, um potencial de valorização de 62,5%, ou 198.000 pontos. Mais 10% de crescimento dos lucros projetados para 2024, chegaríamos a 218.000 pontos. Ressalva importante: esse é um cenário mais otimista e de menor probabilidade, mas transmite um pouco do tamanho do upside caso as coisas caminhem de maneira favorável.
Entre as small caps, o espaço poderia ser ainda maior. Dos atuais 9,6x de preço sobre lucro para a média histórica de 15,4x, teríamos uma caminhada de 60% do SMAL. Se os lucros corporativos aqui também crescerem mais 10% em 2024, falaríamos de 70% só para voltar às médias.
Eu não sei se o Ibovespa vai a 200.000 pontos. Ninguém sabe. Mas, nesses níveis, parece que é para comprar.