Revista Exame

Grandes empresas criam ninhos para startups

Grandes empresas criam polos de apoio a novos negócios. A ideia é gerar inovação contínua — mais do que nunca, o Brasil precisa disso

Renato Valente, da Wayra: em três anos, o programa da operadora Telefônica apoiou 54 empresas  (Germano Luders/Exame)

Renato Valente, da Wayra: em três anos, o programa da operadora Telefônica apoiou 54 empresas (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 27 de fevereiro de 2016 às 05h56.

São Paulo — Menos de duas décadas antes de se transformar num gigante de tecnologia com receita anual de mais de 70 bilhões de dólares e quase 54.000 funcionários, o Google começou a dar seus primeiros passos em um escritório improvisado na garagem de uma casa na cidade de Menlo Park, na Califórnia.

Contava na época com o trabalho de apenas seus dois jovens fundadores, os estudantes Larry Page e Sergey Brin, e de um único funcionário. Anos mais tarde, ao relembrar os primeiros dias da empresa, Page — a esta altura já um bilionário — afirmou: “Você não precisa de uma empresa de 100 pessoas para desenvolver uma ideia”.

É esse o espírito que move o Google Campus, um espaço físico idealizado pela empresa para estimular startups ao redor do mundo. O Google Campus já está funcionando em Londres, Tel-Aviv, Seul, Madri e Varsóvia, e prepara-se para abrir em São Paulo seu sexto centro de apoio a empreendedores.

A unidade, um prédio de seis andares no bairro do Paraíso, ainda não tem data certa para ser inaugurada, mas deverá abrigar de 30 a 40 startups residentes, que poderão contar com infraestrutura e apoio para o negócio. Não é a primeira iniciativa desse tipo no Brasil.

A operadora Telefônica, a fabricante de eletrônicos Samsung e o banco Itaú são outras grandes empresas que criaram polos de startups para acompanhar de perto como esse universo funciona. O objetivo dessas empresas é apoiar o empreendedorismo — e, claro, colher benefícios na forma de novos negócios.

É uma ótima notícia — puro fruto de iniciativa privada —, especialmente na paisagem atual de terra arrasada na política e na economia do país. Ao criar centros de estímulo a pequenos empreendedores, as grandes empresas parecem buscar, acima de tudo, a irrigação com novas ideias que as startups são capazes de gerar. Quando uma empresa cresce muito, pode ficar engessada para diversificar os negócios.

O processo de inovação torna-se mais complexo, uma vez que há muitos trâmites burocráticos e administrativos, como a necessidade de relatórios e aprovações de diversas áreas. Por isso, algumas empresas passaram a ver as startups — mais enxutas e ágeis — como opções para se alimentar constantemente de inovação.

“Está mais do que provado que as grandes inovações hoje ocorrem fora das corporações”, diz o executivo Renato Valente, responsável pela Wayra, uma das aceleradoras corporativas pioneiras no país, mantida pela espanhola Telefônica. O grupo tem unidades de aceleração em outros nove países, entre eles China, Chile e México. No Brasil, em pouco mais de três anos foram investidos ­

5,8 milhões de reais em 54 empresas digitais. Oito delas já foram incorporadas ao portfólio de produtos e serviços da Vivo. Uma delas é a startup Dujour, que criou um aplicativo no qual as pessoas podem compartilhar fotos mostrando as roupas e os acessórios que estão usando.

A Dujour tem 250 000 usuários e fechou um contrato com a Vivo, que criou um serviço por assinatura com conteúdo exclusivo de blogueiras de moda e que oferece descontos na compra de roupas. 

Se as grandes empresas buscam descobrir novos nichos de negócios, os empreendedores, por sua vez, beneficiam-se do acesso a espaços de trabalho colaborativo, mentoria, cursos e, em alguns casos, dinheiro para acelerar os projetos. Em São Paulo, a seguradora Porto Seguro inaugurou no ano passado, no bairro de Campos Elíseos, a Oxigênio Aceleradora, um espaço que abriga inicialmente cinco startups.

Os empreendedores recebem um aporte direto de 50 000 dólares mais 100 000 dólares em infraestrutura e tecnologia. O programa tem seis meses de duração, os três primeiros meses em São Paulo e o restante no Vale do Silício, a cargo da aceleradora ame­ricana Plug and Play, parceira na iniciativa.

“Buscamos soluções inovadoras que agreguem um diferencial aos produtos Porto Seguro”, diz Italo Flammia, diretor da Oxigênio. Ao incentivar o surgimento de startups, algumas empresas dão prioridade a negócios em sua área de atuação.

É o caso da coreana Samsung, que mantém aqui dois centros de desenvolvimento e capacitação tecnológica, batizados de Samsung Ocean: uma unidade fica em São Paulo e outra em Manaus. A empresa seleciona pequenos grupos, com quatro a cinco pes­soas, que querem iniciar uma ­startup. As equipes selecionadas passam por cinco meses de capacitação.

“O objetivo é transformar ideias em protótipos funcionais”, diz Eduardo Conejo, coordenador do Ocean. Já há vários aplicativos e jogos desenvolvidos no Ocean que estão disponíveis no mercado. Se a Samsung quer criar novos produtos em seu setor, o banco Itaú tem uma estratégia diferente.

Em parceria com o fundo de investimento americano Redpoint e.Ventures, o banco abriu em setembro do ano passado o Cubo, centro para fomentar negócios digitais. O espaço de coworking — o escritório compartilhado — fica na Vila Olímpia, em São Paulo. “Mais de 500 empresas se inscreveram e já temos 45 startups”, diz Erica Jannini, superintendente de gestão de TI do Itaú.

Do total de startups instaladas no prédio de 5 000 metros quadrados, apenas seis são do setor financeiro. As demais são de educação, tecnologia da informação e comércio eletrônico. São Paulo é a cidade onde mais despontam os ninhos de startups das grandes corporações. É fácil entender por quê.

Um levantamento da Endeavor, organização internacional de fomento ao empreendedorismo, aponta a capital paulista como a melhor cidade do Brasil para empreender. São Paulo ficou em primeiro lugar no ranking principalmente por se destacar em três aspectos: tamanho do mercado, acesso a capital e infraestrutura. Mas é possível ver algumas iniciativas surgindo em outras regiões.

Em Florianópolis, a Senior, uma das maiores desenvolvedoras brasileiras de software de gestão, criou no ano passado o Inove Senior, um espaço para uso das empresas selecionadas em seu programa de aceleração. Entre os 250 projetos inscritos no primeiro ciclo, dez foram selecionados e passaram por nove meses de mentoria. “Os resultados foram muito positivos.

Três empresas se tornaram unidades de negócios da Senior”, diz Alencar Berwanger, responsável pelo Inove Senior. Em Niterói, a italiana Enel, do setor elétrico, lançou em julho do ano passado o Energy Start, primeiro programa da América Latina para aceleração de startups de energia. Quatro empresas ocupam hoje um escritório compartilhado no centro de Niterói.

“Temos de nos preparar para as mudanças no mercado de energia, como as trazidas pela instalação de medidores inteligentes”, diz Marcelo Llévenes, presidente da Enel. A proliferação de centros de apoio a startups é um sinal de amadurecimento do empreendedorismo no Brasil. O tema é cada vez mais discutido nas universidades e há um número crescente de incubadoras e aceleradoras.

Somado a isso, há investidores dispostos a apostar em boas iniciativas. Se o Brasil ainda parece estar longe de propiciar o nascimento de um gigante como o Google, tem, pelo menos, condições de permitir o surgimento de fenômenos como o Waze, aplicativo para celular sobre o trânsito.

O Waze começou com o apoio do Google Campus de Tel-Aviv. Fez sucesso e foi comprado pelo próprio Google em 2013 por mais de 1 bilhão de dólares. Que esse exemplo inspire as startups brasileiras.

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