Revista Exame

Dá para ganhar dinheiro com alta gastronomia no Brasil?

A alta gastronomia sempre viveu de muito prestígio e pouco lucro. Mas um grupo de empresários brasileiros está criando redes de restaurantes que, além de bons de cozinha, têm controle de caixa

Barros e Kress, do Grupo Egeu: o chef cozinha, o empresário administra (Germano Lüders/EXAME.com)

Barros e Kress, do Grupo Egeu: o chef cozinha, o empresário administra (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 6 de março de 2014 às 06h00.

São Paulo - Quem vai a um restaurante de primeira linha no Brasil só pode achar que alta gastronomia é um grande negócio. Ou é possível não ganhar dinheiro cobrando 80 reais por um prato de língua de boi, 40 reais por uma caipirinha, 20 reais por uma fatia de abacaxi, 8 reais pelo cafezinho?

Pois os chefs são empresários tão ruins que, sim, restaurantes renomados costumam ser sucesso de crítica e um fracasso financeiro. Os gênios da cozinha geralmente são perdulários, desorganizados, temperamentais. Alex Atala, o mais incensado chef brasileiro, dono do sexto melhor restaurante do mundo, quase quebrou ao acumular dívidas milionárias.

No fim do ano passado, o premiado restaurante paulistano La Brasserie, do francês Erick Jacquin, fechou as portas após uma greve de funcionários com salários atrasados. Segundo eles, Jacquin atirava pratos em seus cozinheiros.

O popular chef escocês Gordon Ramsay, estrela de TV e dono de uma rede de mais de 40 restaurantes, também quebrou depois da crise de 2008. Para salvar o negócio, teve de reduzir os custos e até vender sua Ferrari.

Servir grandes pratos e ao mesmo tempo ganhar dinheiro é mesmo complicado. O D.O.M., de Atala, tem mais funcionários do que lugares às mesas. Muitos dos produtos chegam de avião da Amazônia, ou são comprados unidade por unidade de pequenos produtores.

Os cardápios são renovados constantemente, o que dificulta o treinamento, o ganho de escala, o controle de custos — tudo que é fundamental para qualquer companhia fechar no azul. Mas um crescente grupo de chefs, empresários e investidores brasileiros está levando para a alta gastronomia uma disciplina financeira e uma agressividade comercial incomuns para o setor.

Eles estão justamente de olho no mercado de “alto padrão”, aquele em que as pessoas gastam mais de 100 reais por refeição — e que, segundo a associação nacional de restaurantes, cresce 6% ao ano e faturou 5 bilhões de reais em 2013.

Para eles, depois da expansão das redes de fast-food (como McDonald’s e Burger King) e de refeições casuais (como Out­back), chegou a vez de ganhar dinheiro com a alta cozinha.

A inspiração vem de grupos que atuam em outros segmentos, caso da IMC, dona das redes Viena e Frango Assado, que abriu o capital em 2011 e hoje vale 1,4 bilhão de reais, ou da rede de bares Cia. Tradicional de Comércio, que fatura cerca de 180 milhões de reais. 


Levar esse conceito para a alta gastronomia é obviamente mais complicado. Mas há diversos grupos tentando. São empresas como a MF, do administrador Marcelo Fernandes, que foi sócio de Atala no D.O.M. Hoje, ele controla cinco restaurantes em São Paulo. 

Entre eles estão o Attimo, com sua cozinha de inspiração “ítalo-caipira” comandada por Jefferson Rueda, recém-escolhido melhor chef da cidade pela revista VEJA SÃO PAULO, e o japonês Kinoshita, de outro chef renomado, Tsuyoshi Murakami. O plano de Fernandes é abrir, em dois anos, mais cinco restaurantes no país.

Fundado há dez anos, o grupo paulistano Egeu, do empresário Paulo Kress e do chef Paulo Barros, já fatura 80 milhões de reais. Eles estrearam com a rede de hamburguerias General Prime Burguer, mas logo abriram restaurantes mais ambiciosos.

Hoje, são donos de nove restaurantes — como o Kaá, eleito em 2010 o mais bonito do mundo pela revista inglesa de design Wallpaper. Em 2014, Kress e Barros pretendem abrir mais dois restaurantes em São Paulo. Também analisam projetos no Rio de Janeiro, no Paraná e em Minas Gerais. 

O maior desafio de quem tenta lucrar com gastronomia é ganhar escala e controlar custos num terreno dominado pela criatividade. O grupo paulistano Grand Vivant, dono da rede de churrascarias Pobre Juan, com 11 endereços especializados em carnes importadas — como o gado japonês wagyu, que custa mais de 200 reais o quilo —, começou, há três anos, a se organizar.

Seus quatro sócios, todos egressos do mercado financeiro, usaram financiamentos de bancos e do BNDES para quadruplicar de tamanho desde então. Para garantir um mínimo de padrão aos pratos, o grupo abriu um açougue central, onde faz os cortes das carnes e as distribui.

A ideia é usar a estrutura também para prestar serviços a outros restaurantes. “Nossos 650 funcionários podem receber bônus e nossos 30 gerentes e executivos são candidatos a virar sócios do negócio”, diz Cristiano Melles, um dos fundadores do Grand Vivant.

O grupo Chez, dono de seis endereços em São Paulo, como o recém-inaugurado Chez Oscar, que consumiu investimentos de 4 milhões de reais, busca um investidor financeiro e organizou a área de recursos humanos.

Um dos grandes sinais da profissionalização é o interesse de investidores. Eles calculam que, se bem administrada, a alta gastronomia pode alcançar margens de lucro superiores a 20%. A principal aposta, até agora, foi feita pelo fundo Mercapital, o maior da Espanha, que em 2012 comprou 70% da rede de restaurantes de carne Rubaiyat por 46 milhões de euros e turbinou as ambições.


O plano é chegar às principais capitais da América Latina. No início de fevereiro, inaugurou uma unidade no México e até o fim do ano abrirá outra em Santiago, no Chile. Em 2015, a meta é chegar ao Peru e à Colômbia. “Com 40% dos lugares ocupados, já temos lucro”, diz David Estefanell, um dos sócios do Mercapital. 

Os investidores mais ativos do mercado brasileiro na última década — como os fundos de private equity BTG Pactual e Advent — já conversaram com donos de restaurantes, mas ainda não colocaram dinheiro no setor. O fundo GP Investimentos foi pioneiro desse mercado ao comprar a churrascaria Fogo de Chão.

Comprou uma primeira fatia de 35% em 2006 e, cinco anos depois, pagou 180 milhões de ­reais pelos 65% restantes. Em 2012, vendeu o negócio por 400 milhões de dólares. Outros fundos querem aproveitar a nova fase — como o BR Opportunities, com 150 milhões de reais para investir (e que tem entre seus cotistas o gaúcho Arri Coser, fundador da Fogo de Chão).

A primeira incursão aconteceu há um ano, quando comprou 30% da pizzaria chique Maremonti, que se notabilizou por usar ingredientes importados, como trufas. Duas novas unidades, em São José do Rio Preto e na região da avenida Faria Lima, na capital paulista, serão abertas nos próximos meses, somando-se às sete já existentes.

Os empresários brasileiros tentam copiar o sucesso de redes como a do peruano Gastón Acúrio, dono do melhor restaurante da América Latina, o Astrid y Gastón. Ele comanda mais de 40 unidades, como o paulistano La Mar, especializado em ceviches. Em 2012, recebeu um investimento de 32 milhões de dólares do fundo inglês Aureos Latin American.

O japonês Nobuyuki Matsuhisa, dono da rede americana Nobu, já tem mais de 30 unidades em países como Bahamas e Hungria. Atala, que contratou há um ano a consultoria carioca DXA para organizar seus negócios, também tem planos de levar seus restaurantes para outros lugares. Logo ele, que estava no vermelho outro dia — prova de que a receita dos grandes restaurantes brasileiros está mesmo mudando.

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