Sem serão: a proposta para que a fiscalização dos maiores portos seja feita dia e noite não vingou (Germano Lüders/Exame)
Da Redação
Publicado em 20 de agosto de 2014 às 06h00.
São Paulo - Uma imagem comum nas épocas de safra tornou-se símbolo das deficiências de infraestrutura que atrasam a expansão do comércio exterior: as filas, nas estradas próximas aos portos, de caminhões de soja que aguardam a vez para descarregar.
Na tentativa de reduzir o gargalo, em abril do ano passado o governo determinou que os fiscais de seis órgãos envolvidos na liberação de cargas — entre eles a Receita Federal, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Agricultura — passassem a trabalhar dia e noite nos oito principais portos do país.
Para que o sistema funcione, os seis órgãos têm de prestar o serviço sem parar — a falta de um só deles impede o despacho da mercadoria. A intenção da medida, batizada de Porto 24 Horas, era boa. Na prática, porém, decorrido mais de um ano, pouco mudou.
Uma das razões para o programa não ter vingado é a falta de pessoal — o governo deu a ordem para os órgãos estenderem o expediente, mas não autorizou contratações para reforçar o efetivo. No porto catarinense de Itajaí, o sexto do país em movimento de contêineres, há dois fiscais agropecuários para fazer a inspeção de produtos vegetais, e seria preciso pelo menos o triplo.
Em Santos, calcula-se que a Anvisa teria de contratar 30 fiscais além dos 22 atuais — a agência encerra às 5 da tarde a inspeção sanitária dos navios, sem a qual alguns deles não são autorizados a descarregar. As embarcações não inspecionadas até essa hora têm de pernoitar no porto.
Os prejuízos com atrasos superaram os 36 milhões de reais de junho de 2013 a abril deste ano, nas contas do Sindicato das Agências de Navegação Marítima do Estado de São Paulo. A falta de planejamento na implantação do programa é evidente.
Em nota, a Secretaria Especial dos Portos da Presidência da República argumenta que há órgãos públicos que não trabalham 24 horas porque ficou constatado que não há demanda para horário noturno.
A dúvida: as empresas não tentam liberar mercadorias fora do horário comercial porque não querem ou porque os fiscais não estão lá para prestar o serviço?
Não é a única iniciativa do governo frustrada nos portos. Outro exemplo é o Porto sem Papel, lançado em 2011 com a promessa de substituir centenas de documentos por um sistema único pela internet.
Três anos depois, o projeto não foi concluído e as informações da Receita Federal têm de ser encaminhadas separadamente, num sistema próprio.
“Isso nos obriga a prestar praticamente as mesmas informações duas vezes”, diz Julian Thomas, superintendente da transportadora alemã Hamburg Süd no Brasil. “A burocracia continua a ser um obstáculo.”
Na última safra, as filas de caminhão em Santos caíram pela metade — em parte porque a administração do porto passou a exigir que as transportadoras agendem o horário de embarque de cada carreta. O desempenho dos portos, no entanto, piorou.
Segundo um estudo do Banco Mundial, de 2012 a 2014 o tempo médio que uma carga leva para ser liberada passou de cinco para oito dias, o que deixa o Brasil à frente apenas da Argélia, da Venezuela e do Gabão entre 110 países. O Porto 24 Horas e o Porto sem Papel precisam deixar de ser apenas boas intenções.