Carlos Ghosn, da Renault-Nissan: “Educação, infraestrutura e leis claras é que importam” (Koichi Kamoshida/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 21 de maio de 2014 às 20h28.
Rio de Janeiro - O executivo Carlos Ghosn, presidente mundial do grupo formado pelas montadoras Renault e Nissan, nasceu no Brasil, mas viveu pouco aqui. Dono de uma das carreiras mais brilhantes do mundo dos negócios, é acostumado a comandar investimentos em todo tipo de ambiente: do chinês ao americano, do japonês ao nigeriano.
Responsável pela virada espetacular da montadora japonesa Nissan, que há 15 anos cambaleava, à beira da falência, ele tende a enxergar oportunidades em meio a emaranhados de problemas.
Em entrevista a EXAME no Rio de Janeiro, onde inaugurou a primeira fábrica da Nissan no país, Ghosn disse que o Brasil tem potencial para receber bem mais do que os 2,6 bilhões de reais consumidos na unidade de Resende. Só falta o governo fazer sua parte.
EXAME - A primeira fábrica brasileira da Nissan foi inaugurada num momento ruim da economia. O senhor acha que o Brasil está perdendo o brilho?
Carlos Ghosn - Não tenho nenhuma dúvida do potencial do mercado brasileiro e de nosso potencial nesse mercado. Quando uma montadora faz um investimento como o nosso, não se baseia no crescimento dos próximos seis meses ou dois anos. Pensa em 20 anos.
Hoje, o Brasil tem 175 carros por 1 000 residentes, enquanto um país médio europeu, como Portugal ou Espanha, tem 500. Acredito que, em 20 anos, o Brasil alcançará pelo menos a média europeia, embora o potencial brasileiro seja superior a isso. É claro que o crescimento baixo impacta o negócio.
Todo mundo espera que o Brasil cresça 4% ou 5% ao ano. Mas o mercado russo também está em declínio e a Índia teve um 2013 ruim. A preocupação é com os Brics, com exceção da China, não com o Brasil.
EXAME - Como o senhor avalia a situação dos países emergentes?
Carlos Ghosn - O mercado sempre faz análises de curto prazo, e uma empresa não investe em razão disso. Não tenho nenhuma dúvida sobre o crescimento dos emergentes. Continuamos com investimentos na China, na Rússia, na Índia, no México.
Começamos a investir na África, que é a fronteira do futuro em nossa visão. Inauguramos neste mês uma fábrica da Nissan na Nigéria. O Brasil é um dos países mais promissores para o grupo. Tem a riqueza da agricultura, do petróleo, tem o turismo se desenvolvendo, tem a demografia a favor.
EXAME - O que falta ao Brasil?
Carlos Ghosn - A única coisa que traz preocupação com o Brasil é o baixo investimento em infraestrutura. O país não está investindo o necessário em eletricidade, portos, estradas, comunicação. Todo mundo sabe disso, incluindo o governo.
A esperança é que a situação seja revertida. Se não há investimento suficiente em infraestrutura é porque o dinheiro está sendo gasto em outras coisas. E todo mundo espera a liberação dos recursos para a infraestrutura.
EXAME - O que são essas outras coisas?
Carlos Ghosn - Minha questão não é onde o governo gasta. O que me preocupa é que o governo brasileiro gasta pouco com infraestrutura. A China conseguiu crescer mais do que os outros porque investiu maciçamente em portos, em redes de comunicação, em estradas.
Se o Brasil quiser crescer 4% ou 5%, tem de fazer esses investimentos de maneira rigorosa. As empresas não podem ter medo de perder dinheiro com problemas de logística ou de eletricidade.
EXAME - Como o senhor avalia o risco de racionamento de energia neste ano?
Carlos Ghosn - Ninguém consegue entender por que o Brasil tem esse problema. Aqui há de tudo: água, gás, petróleo. No Japão, as pessoas até entendem a escassez energética porque lá não há nada. O Japão tem de importar tudo, a não ser a energia nuclear. Por isso, lá, fomos ao primeiro-ministro e pedimos: “Por favor, esclareça a equação energética”.
Como industriais, não podemos investir sem indicação de onde a energia virá e quanto ela vai custar, porque seu custo influi diretamente na competitividade. O governo japonês está nos respondendo. Ele passou algumas leis, decidiu retomar a energia nuclear, pelo menos em parte.
No Brasil está todo mundo esperando um esclarecimento sobre qual é a estratégia para o setor elétrico, e não para este ano, mas para as próximas décadas. Queremos uma visão de futuro, e uma visão crível.
EXAME - Quando a indústria automotiva brasileira será mais competitiva e menos dependente do governo?
Carlos Ghosn - Francamente, acho que, quando o governo for menos intervencionista, a indústria brasileira ficará mais forte.
EXAME - O senhor quer dizer que não precisa de corte de imposto, por exemplo?
Carlos Ghosn - Claro que é preciso baixar os tributos. A indústria automobilística brasileira é uma das mais taxadas do mundo. Os impostos precisam descer a um patamar mais global. Mas o governo tem de definir regras sem ser intervencionista.
É preciso ter previsibilidade. Baixar alíquota pode ajudar no curto prazo, mas não tem efeito algum no longo prazo. Mais uma vez: educação, infraestrutura, leis e regras claras e estáveis é que ajudam a economia.
EXAME - O mundo está mudando e as aspirações de consumo também. O automóvel tem futuro com essas mudanças?
Carlos Ghosn - Sem dúvida. O mundo está mudando, mas o carro também. Hoje as pessoas se aborrecem porque perdem tempo no trânsito. Ficam paradas sem poder fazer nada. Os carros do futuro serão conectados à internet, emitirão pouco ou zero carbono e serão autônomos. Ou seja, funcionarão como os aviões, que voam com piloto automático.
O motorista poderá fazer uma reunião por videoconferência, como se estivesse no escritório ou em casa. Enquanto isso, o carro seguirá autonomamente para o endereço programado no computador de bordo. Esse futuro não está distante. Esse carro estará nas ruas antes de 2020.