EXAME.com (EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 15 de junho de 2011 às 08h59.
Na cidade de Araras, a 173 quilômetros de São Paulo, o nome Ivan Zurita é relativamente comum. É que existem cinco Ivans Zuritas, todos da mesma família, no município de cerca de 100 000 habitantes. Eles são Ivan Estevam Zurita, o pai, e seus filhos Ivan Eduardo, Ivan Estevam Jr., Ivan Fábio e Ivan Elpídio.
A profusão de homônimos pode ter gerado pequenas confusões ao longo dos anos, mas não na Nestlé, que tem uma fábrica na cidade há 80 anos (a primeira instalada pelo grupo suíço no Brasil). Não apenas nessa fábrica, mas também no QG da multinacional, todos sabem de qual dos Zuritas se está falando quando o nome é mencionado.
Trata-se de Ivan Fábio (ele faz questão do uso do nome do meio ou ao menos de sua inicial abreviada), presidente da operação brasileira há dez meses e estrela em ascensão naquela que é a maior companhia de alimentação do mundo, com faturamento de 51 bilhões de dólares em 2001.
Zurita, 49 anos, economista com especialização em marketing, foi responsável por dobrar o faturamento da filial mexicana entre 1997 e 2001, caso que se tornou referência na matriz. Ele foi deslocado para o Brasil pelo austríaco Peter Brabeck, presidente mundial da Nestlé, para repetir o feito.
Por enquanto, o passo mais efetivo nesse sentido foi a recém-anunciada aquisição da fábrica de chocolates Garoto, responsável por quase 24% do mercado no país e dona de um faturamento de 450 milhões de reais no ano passado.
O negócio ainda depende de aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e de outros órgãos federais, o que pode levar mais de quatro meses para acontecer. A tradicional Garoto, última grande fabricante de chocolates de capital nacional, fundada em 1929 em Vila Velha, no Espírito Santo, estava à venda há quase dois anos em virtude de uma grande briga entre os sócios da família Meyerfreund.
O negócio, cujo valor é estimado pelo mercado em até 1 bilhão de reais, é uma mostra do novo ímpeto que a direção da Nestlé pretende imprimir a ela no mercado. À frente da operação brasileira, Zurita já promoveu grandes mudanças internas.
Na sede da empresa, instalada num imponente edifício localizado na avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, na zona sul de São Paulo, determinou que os 14 diretores operacionais saíssem de suas salas no andar da presidência para se sentar junto a seus subordinados. Demitiu 800 dos 13 000 funcionários e contratou um mesmo tanto para a área de vendas.
Procurou quebrar os feudos na companhia e integrar os departamentos de vendas, marketing e comercial. No front externo, lançou uma campanha de 55 milhões de reais, com sorteio de mais de 100 casas para comemorar os 80 anos da Nestlé no Brasil. O resultado de tudo isso, porém, ainda não apareceu.
O faturamento em 2001, divulgado oficialmente pela Nestlé, ficou nos mesmos 4,8 bilhões de reais registrados no ano anterior, de acordo com as informações enviadas pela empresa para a edição do anuário Melhores e Maiores, de EXAME. Ou seja, pelo menos em termos de vendas, a empresa ficou exatamente onde estava.
Se a aquisição da Garoto for aprovada, Zurita já garantirá um crescimento de quase 10% nas receitas da empresa. Talvez mais importante do que isso, o executivo consegue defender um de seus mercados mais significativos, que movimenta anualmente 2,5 bilhões de reais no país. O setor é praticamente dominado pela Lacta, pertencente à multinacional americana Kraft Foods, pela Garoto e pela própria Nestlé, dona de cerca de 32% de participação.
O risco para a multinacional suíça era que outra gigante mundial do setor, como a inglesa Cadbury ou a americana Hersheys, adquirisse a empresa capixaba. "A Garoto seria uma tremenda porta de entrada para qualquer empresa estrangeira que quisesse ingressar no mercado brasileiro", afirma um ex-diretor da Garoto.
"O que a Nestlé pretende é fechar essa porta." De acordo com uma fonte privilegiada do setor, na semana que antecedeu a compra da Garoto, o banco Merrill Lynch, que coordenava a venda da empresa, fez um leilão no qual o outro finalista era a Cadbury. A Nestlé foi representada por Zurita.
A preocupação dos executivos da Nestlé é compreensível. Nos últimos anos, o mercado de alimentação no Brasil mudou drasticamente, e ela foi uma das empresas que mais sofreram no processo. Em 1994, o aumento do poder aquisitivo gerado pelo Plano Real aqueceu muito o consumo. O crescimento atraiu gigantes internacionais que não atuavam no país e ainda incentivou a criação de empresas ou a ampliação do leque de produtos das existentes.
Em 1997, porém, o mercado se retraiu e o banquete acabou. "A competição estava absurda, os preços reais dos produtos caíram muito e o fenômeno de consolidação dos supermercados fez que as margens fossem ainda mais comprimidas", diz Francis Liu, vice-presidente da consultoria Booz-Allen & Hamilton. "Isso afetou muito o resultado das empresas."
Segundo um analista do setor, a margem operacional da Nestlé brasileira caiu para a faixa dos 5% a 7%, quando o ideal para uma empresa líder como ela seria que se situasse entre 10% e 15% (a média mundial do grupo suíço é de 12%). "A Nestlé tinha uma estrutura de custos pesada, e demorou a se adaptar às novas condições do mercado", diz um consultor.
A empresa não apenas perdeu rentabilidade, mas terreno. Entre 1995 e 2001, sua participação em várias das principais categorias de mercado -- como achocolatados em pó, na qual possui a marca Nescau, ou como a de leite condensado, em que compete com o Leite Moça, sinônimo do produto -- caiu sensivelmente (veja quadro na pág. 70).
Zurita assumiu a empresa nesse momento de baixa. Com um abrangente portfólio de produtos, de cerca de 650 itens, e muitas das marcas mais conhecidas do mercado, a Nestlé estava acuada. Com sua entrada, uma espécie de vibração percorreu as várias divisões da companhia.
"Tudo mudou", diz um gerente da empresa. "Sua dinâmica é completamente diferente, Zurita tem um ritmo intenso e se envolve bastante em todas as áreas." Embora o faturamento da empresa não tenha aumentado em 2001, não falta no mercado quem veja muitos pontos positivos nas mudanças promovidas pelo executivo.
"A equipe de vendas da Nestlé era muito engessada e está bem mais ágil", afirma Martinho Paiva Moreira, um dos sócios da rede de supermercados DAvó, com atuação na Grande São Paulo. "Antes, se eu tivesse um produto próximo ao vencimento e quisesse fazer uma promoção, a empresa demorava uma semana para me dar o desconto", diz Moreira. "Hoje, isso leva duas horas."
Outra melhoria apontada é a redução do número de lançamentos. Segundo Moreira, a Nestlé vinha lançando produtos que não agradavam ao público, ocupavam as gôndolas e não traziam o retorno esperado. "Agora, a Nestlé está mais criteriosa", diz. Se a cautela ganhou importância no campo dos lançamentos, na propaganda a empresa parece estar assumindo mais riscos.
"As peças publicitárias da Nestlé adotaram uma linguagem mais moderna, menos burocrática, com mais humor e sensualidade", afirma o consultor paulista Marcos Machado, sócio da Top Brands, um escritório de consultoria e gestão de marcas.
A questão do tratamento das marcas é fundamental para uma companhia que detém a liderança do mercado e está ancorada numa imagem de produto de qualidade. E isso era algo que, segundo um consultor paulista, estava sendo negligenciado nos últimos anos. "A visibilidade da Nestlé vinha se perdendo no tempo", afirma o consultor. "Uma das maiores contribuições de Zurita é voltar a acreditar nas marcas da empresa."
Com a concentração das redes de supermercados, as verbas de comunicação estavam indo mais para o varejo, por meio de promoções, o que enfraquecia a marca. "Ele está destinando mais dinheiro à valorização das marcas", diz.
Há indicações no mercado de que Zurita está mais duro nas negociações com as grandes redes de supermercados. Um fato que pouquíssima gente comenta abertamente é que muitos dos grandes fabricantes de alimentos tinham uma rentabilidade igual a zero, ou mesmo negativa, nos negócios com as grandes cadeias, as quais jogavam os preços dos fabricantes no chão com a ameaça de retirá-los das gôndolas.
"Zurita está acabando com essa palhaçada", afirma um consultor paulista. "Ele começou a peitar as grandes redes para melhorar as margens, o que é um benefício não apenas para a Nestlé como para as outras indústrias de bens de consumo." (Para contornar a ditadura das grandes redes, a Perdigão, segunda maior empresa de agribusiness do país, resolveu expandir sua base de clientes para o médio e pequeno varejo de alimentos. Hoje, as cinco maiores redes representam pouco mais de 25% de suas vendas, contra cerca de 40% para os grandes fabricantes do setor.)
Existe um consenso no mercado de que Zurita é um profissional mais voltado para os negócios do que seu antecessor no cargo, Ricardo Gonçalves, atualmente presidente da Parmalat. Essa é uma característica importantíssima para uma empresa que quer e precisa reverter a tendência de queda no mercado.
A matriz, baseada em Vevey, nas proximidades de Lausanne, que vive um período dourado de aumento nos lucros e no preço das ações, incentiva Zurita como pode. Além do dinheiro para a aquisição da Garoto, parece ter aberto uma linha de crédito para novas compras. A Nestlé estaria assediando os donos de pelo menos duas empresas do mercado de leite, a mineira Itambé, que está em busca de um sócio, e a Elegê, do grupo gaúcho Avipal.
Mas é sempre importante estar atento aos resultados, que até agora não foram exibidos, para avaliar a gestão de Zurita, funcionário da Nestlé há 27 anos. A exemplo de Zurita, seu antecessor Gonçalves também foi apresentado como uma espécie de salvador, ao assumir o comando da empresa, em 1997, vindo de uma experiência vitoriosa na filial do grupo no Chile.
"Ele fez muito barulho, mas os resultados não foram surpreendentes", diz um ex-proprietário de uma rede de supermercados. Gonçalves, depois de 31 anos na empresa, foi transferido para a divisão de águas da Nestlé, antes de deixá-la. Ou seja: até aqui não faltaram homens providenciais para sacudir a Nestlé. Se Zurita vai conseguir transformar a agitação em resultados, só os próximos balanços dirão.