Mercado Imobiliário

Era dos "apertamentos" tem até imóvel de 14 m²

Será lançado em novembro um prédio com apartamentos de 14 metros quadrados. É o auge da onda dos “apertamentos”. A má notícia: está meio difícil vendê-los

Um studio à venda: as incorporadoras apostaram no segmento (Leandro Fonseca / EXAME)

Um studio à venda: as incorporadoras apostaram no segmento (Leandro Fonseca / EXAME)

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Da Redação

Publicado em 12 de novembro de 2015 às 04h56.

São Paulo — Um lançamento imo­bi­­liá­rio previsto para novembro marcará o auge de uma era – a era dos “apertamentos”. O prédio, que será erguido no bairro do Bom Retiro, na região central de São Paulo, terá imóveis de 14 metros quadrados. Ou seja, mais ou menos quatro passos de largura por três de comprimento: quase o tamanho de uma vaga de garagem.

Agora imagine espremer num espaço desses uma cozinha, um banheiro, uma cama de casal, uma mesa, algumas cadeiras. Ah, e o morador, claro, já que o apartamento será feito para que alguém viva nele. Naturalmente, o preço do imóvel será proporcional à sua pequenez. Cada um vai custar 89 000 reais. “Acho que é possível fazer imóveis ainda menores”, afirma Alexandre Frankel, presidente da Vitacon, incorporadora que erguerá o prédio. Possível até deve ser — mas há mesmo quem queira morar num apartamento tão minúsculo?

Assim como tantos outros, o mercado imobiliário se movimenta em grandes ondas. Ninguém se preocupava em ter churrasqueira na varanda até outro dia — mas hoje a moda é essa, e de repente esse se tornou um item de primeira necessidade na chamada “vida moderna”. Foi assim com os prédios “neoclássicos”, depois com os condomínios-clube e por aí vai. Há coisa de três anos, começou a onda dos “apertamentos”.

Em 2009, apenas 500 apartamentos com menos de 40 metros quadrados foram lançados na Grande São Paulo, região que concentra a maior parte dos imóveis desse tipo no país. O número come­çou a aumentar, mas aos poucos, até que em 2013 a moda pegou de vez. Quase 8 000 “apertamentos” foram lançados naquele ano.

Em 2014, outros 10 000. Aquela era a última fronteira do mercado imobiliário, que procurava atender uma demanda de solteiros e recém-casados por imóveis práticos, mais baratos e em prédios repletos de serviços. Parecia fazer sentido, mas há sinais claros de que as construtoras exageraram na dose. Hoje, há “apertamentos” de mais para compradores de menos.

Os sinais de um excesso de oferta são claros. Apesar da disparada nos lançamentos, o valor de venda de apartamentos de um dormitório em São Paulo caiu de 305 milhões de ­reais, em agosto do ano passado, para 139 milhões, em agosto deste ano. É a maior queda entre as categorias de imóvel pesquisadas pelo Secovi, associação dos empresários do setor imobiliário.

Vender, hoje, está demorando muito mais. Segundo o ZAP, maior portal de anúncios de imóveis pela internet, o interesse dos potenciais compradores de um dormitório caiu 41% desde janeiro — bem mais do que a queda de 18% para os interessados em dois, três e quatro dormitórios. Como resultado, os anúncios desse tipo de imóvel permanecem mais tempo na base do site: de 94 dias, em julho de 2014, para os atuais 130.

Nos últimos cinco anos, cerca de 130 construtoras ergueram prédios com apartamentos pequenos. Quase 90% deles na cidade de São Paulo, onde há grande concentração desses imóveis em poucas regiões. Um levantamen­to da empresa de análise de dados Geo­fusion, a pedido de EXAME, mostra que apenas cinco bairros — Brooklin, Campo Belo, Consolação, República e Vila Olímpia — receberam quase metade dos apartamentos pequenos lançados entre 2010 e 2015.

Nos bairros Consolação e República, os “apertamentos” representaram cerca de 60% do total de imóveis lançados nesse período. A consequência disso é que a dificuldade para vender é maior. Os problemas dividem-se em duas categorias — a dos prédios quase prontos e a dos que estão sendo lançados.

À medida que os empreendimentos são entregues, essas construtoras veem-se diante de um problema. Mesmo que tenham vendido todos os apartamentos durante as obras, elas têm de enfrentar o drama das devoluções — ou distratos. Imóveis tão pequenos têm como público-alvo investidores que pretendem alugá-los ou revendê-los ao receber as chaves.

O problema é que esse é exatamente o tipo de comprador que tem mais facilidade para devolver o imóvel caso o mercado tenha virado para baixo. Assim, as construtoras acabam com um estoque grande de apartamentos prontos e têm de fazer o possível para desová-los.

A Setin, que se especializou nesse nicho, fez a campanha mais agressiva da cidade: dispôs-se a pagar, por até dois anos, IPTU, condomínio, um “aluguel” mensal equivalente a 0,5% do valor do imóvel e, em alguns casos, parte da decoração. A promoção terminou no início de outubro e a empresa diz ter vendido 80% do estoque.

Com tantos imóveis prontos disponíveis, quem está lançando apartamentos pequenos tem tido dificuldade para viabilizar os empreendimentos — estima-se que as obras só comecem de fato depois que metade dos imóveis tenha sido vendida. Na tentativa de mostrar que espaço não é tudo, a Vitacon, que é especializada em apartamentos compactos, passou a permitir que potenciais compradores “morem” por 24 horas em apartamentos de 35 a 45 metros montados em dois prédios que a empresa está construindo em São Paulo.

Desde agosto, quando o serviço — chamado de test life — foi lançado, 30 pessoas já fizeram o teste e, segundo a Vitacon, metade delas decidiu comprar. Outras incorporadoras, como Esser, Gafisa, Tibério e You (além da própria Vitacon), têm oferecido carros e bicicletas para ser compartilhados entre os moradores.

Mudança demográfica

Apesar das dificuldades atuais, o número de imóveis pequenos deve continuar crescendo — num movimento ditado por tendências demográficas e sociais. Há mais casais jovens, solteiros vivendo sozinhos, adultos separados ou divorciados, viúvos que namoram mas moram cada um em seu canto, profissionais com casas espaçosas no interior que preferem, durante a semana, dormir em apartamentos menores perto do trabalho.

Em 1991, segundo o censo, 22% dos brasileiros moravam com uma pessoa ou sozinhos. Em 2000, essa taxa subiu para 26% e, em 2010, ano do último censo, chegou a 34%. “Hoje, em mais de 40% dos domicílios, vivem uma ou duas pessoas e caminhamos para 50% em pouco tempo”, diz João Meyer, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Em grandes capitais, o microapartamento é coisa da vida. Metrópoles como Nova York, Londres, Paris e Japão estimulam os escritórios de arquitetura e as construtoras a investir em imóveis de até um dormitório. No início do ano, a prefeitura de Nova York mudou o zoneamento só para permitir a construção de apartamentos de 24 metros quadrados de módulos pré-fabricados. Lá, como cá, o apartamento do tamanho de uma vaga de garagem veio para ficar.

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