Lula, na ONU: presidente intensificou viagens internacionais desde que voltou ao poder (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter especial de Macroeconomia
Publicado em 22 de agosto de 2024 às 06h00.
Última atualização em 22 de agosto de 2024 às 13h02.
“Eu acho que a Venezuela vive um regime muito desagradável. Não acho que é ditadura, é diferente de ditadura, é um governo com viés autoritário.” Nenhum tema de política externa deixa o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas cordas como a Venezuela. Na sexta-feira 16 de agosto, em entrevista à Rádio Gaúcha, Lula voltou a cobrar a divulgação das atas eleitorais no país vizinho, mas continua evitando um tom de crítica direta. Para as ambições brasileiras de ser líder regional e global num mundo cada vez mais polarizado, a falta de clareza em temas como esse segue sendo uma fragilidade, segundo especialistas ouvidos pela EXAME.
Poucos dias depois de ser eleito presidente da República em 2022, Lula embarcou para o Egito para participar da COP27, a conferência das Nações Unidas sobre clima. Durante o evento, o petista apresentou ao mundo qual seria a agenda internacional do terceiro mandato. A frase “O Brasil voltou” resumiu o que seria feito nos próximos quatro anos — um déjà vu da política externa adotada entre 2003 e 2010. Na ponta positiva, abrimos novos mercados para produtos brasileiros e temos uma meta ambiciosa de faturar 1 trilhão de dólares entre exportações e importações. Em outra perspectiva, Lula entrou em debates e fez declarações sobre conflitos globais que foram alvo de críticas da direita e até da esquerda.
Logo em seu primeiro ano, Lula fez as malas para 15 viagens internacionais, visitou 24 países ao longo de 62 dias para resgatar a imagem do Brasil, arranhada durante a gestão de Jair Bolsonaro. Além disso, o país também garantiu, até novembro de 2024, a presidência do G20, grupo que reúne as 19 principais economias do mundo, a União Europeia e a União Africana. A principal proposta apresentada pelo Brasil no G20 consiste em um imposto mínimo de 2% sobre a riqueza dos bilionários do mundo, que teria potencial de arrecadar entre 200 bilhões e 250 bilhões de dólares anualmente — a taxação de grandes fortunas é uma histórica bandeira do PT. Em novembro de 2025, o Brasil sediará a COP30, em Belém, que culminará em uma espécie de biênio dourado da diplomacia brasileira em termos de exposição.
Em paralelo aos esforços de resgatar a imagem do país, Lula estipulou a meta de alcançar uma corrente de comércio de 1 trilhão de dólares — valor que corresponde à soma das exportações e importações. Em 2023, essa corrente totalizou 580,4 bilhões de dólares, sendo 339,7 bilhões em exportações e 240,7 bilhões em importações, segundo dados do governo. De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária, 72 novos mercados foram abertos para produtos agrícolas brasileiros no comércio mundial de janeiro a junho de 2024. A diretora de Negócios da -ApexBrasil, Ana Paula -Repezza, diz que a meta trilionária deve ser alcançada até o fim de 2027. Segundo ela, esse resultado depende do desempenho da economia mundial e do esforço do governo brasileiro e das empresas em alcançar novos mercados com diversificação da pauta de produtos exportados e da origem das exportações nos estados brasileiros.
Se a diplomacia de Lula tem acertado na abertura de mercados e em atrair os holofotes para o Brasil com grandes eventos globais, o presidente tem errado, segundo analistas de política externa, ao fazer declarações polêmicas sobre a Venezuela e os conflitos globais, como as guerras entre Rússia e Ucrânia e entre Israel e o Hamas. Para Vitelio Brustolin, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Universidade Harvard, em relações exteriores não é possível separar temas econômicos de políticos. Enquanto Lula diz ser contrário à guerra entre Rússia e Ucrânia, exemplifica o professor, o Brasil aumentou a importação de óleo diesel russo em 6.000% entre 2022 e 2023. O país governado por Vladimir Putin respondeu por metade das importações de diesel brasileiras. “O Brasil ajuda a financiar o esforço de guerra da Rússia contra a Ucrânia”, diz.
Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e embaixador nos EUA, na Itália e nas Nações Unidas, divide a política externa de Lula em dois momentos. No primeiro, avalia como correto o esforço do petista de recuperar a presença do Brasil no mundo com viagens internacionais e participação em fóruns globais de debate. A segunda parte é mais complicada, avalia Ricupero: Lula tem de conviver com conflitos internacionais, menos frequentes em seus primeiros mandatos. Lula errou, segundo o ex-embaixador, ao equiparar as responsabilidades que Ucrânia (país invadido) e Rússia (país invasor) teriam na guerra. O petista também classificou como “genocídio” e “chacina” a resposta de Israel na Faixa de Gaza aos ataques terroristas promovidos pelo Hamas. Ele comparou a ação israelense ao extermínio de milhões de judeus pelos nazistas, o que gerou uma crise diplomática entre Brasil e Israel.
O mundo hoje é mais polarizado e perigoso do que no ciclo 2003-2010, nos dois primeiros mandatos de Lula. A cada nova polêmica, aumenta a quantidade de sola de sapato que precisa ser gasta para bater a meta de 1 trilhão de dólares.