Pelé, principal garoto-propaganda da copa: o Rei lucra, Edson não fala sobre o assunto (Germano Lüders/EXAME)
Da Redação
Publicado em 5 de junho de 2014 às 08h37.
São Paulo - Pelé entra na sala de entrevistas na sede do banco Santander, em São Paulo, seguido por mais de 20 pessoas. Todos querem uma foto com o Rei.
Vestido de paletó vermelho, daqueles que só uma celebridade tem coragem de envergar, Pelé tinha há pouco encerrado uma palestra sobre gestão esportiva para alunos da escola de negócios espanhola Iese e também do ISE, sua afiliada no Brasil.
Quando os sete assessores que o acompanham finalmente conseguem colocar o último aluno para fora da sala, ele, com seu sorrisão inconfundível, diz estar pronto para a entrevista.
Nos primeiros 5 minutos, fala descontraidamente da seleção. Mas, ao ser perguntado se está mesmo faturando muito mais neste ano por causa da Copa, a conversa muda de tom. “Quem falou isso a você se enganou.”
Theresa Tran, a assessora sentada a seu lado, dispara em inglês: “Ele não vai falar sobre a parte financeira”. Pelé continua. “Meus contratos são de longo prazo. Se fosse para faturar, aceitaria os convites das fabricantes de bebida alcoólica.”
Enquanto Pelé fala, Theresa começa a gesticular, usando a mão como uma metafórica faca que corta sua garganta. Por fim, outra pessoa sentencia: “Última pergunta”.
Na teoria, Pelé não deveria ter medo de dizer quanto fatura com o futebol. Ele é o único jogador da história a conquistar três Copas do Mundo. Em seus 21 anos de carreira, fez 1 282 gols, recorde absoluto. De lá para cá, virou um dos maiores garotos-propaganda do planeta.
Era o alvo óbvio para personificar a alegria do futebol e do Brasil, ainda mais em ano de Copa do Mundo. Mas, desde os protestos iniciados em 2013, o torneio foi se tornando crescentemente impopular. De cada dez brasileiros, quatro se dizem contrários à realização do evento no Brasil, segundo a empresa de pesquisa Datafolha.
O fato de a assessoria de Pelé perder a paciência com perguntas sobre a Copa revela como o tema se tornou sensível no Brasil. Para empresas dos mais variados setores, que investiram pesado e tinham planos de faturar alto com o evento, ficou uma dúvida latente: afinal, pega bem se associar à Copa no país do futebol?
Era uma questão sem sentido até pouco tempo atrás. Assim que o país foi escolhido como sede da Copa, em 2007, teve início uma corrida entre as grandes empresas para se associar ao evento — bancos, montadoras, fabricantes de bebidas, escolas de idiomas etc. O mundo era outro.
O Brasil crescia 5% ao ano. A venda de itens como automóveis e eletroeletrônicos disparava. Mas as coisas mudaram. A economia não cresce essas coisas há tempos, e a gastança com estádios acabou gerando um desagradável contraste com tudo o que ainda precisa ser feito no país, sobretudo no que diz respeito aos serviços públicos.
As manifestações do ano passado transformaram as companhias em alvo. Na Copa das Confederações, realizada em 2013, agências bancárias tornaram-se alvos preferenciais de vândalos infiltrados nas passeatas. Lojas de departamentos foram saqueadas.
Concessionárias de automóveis tiveram vitrines e veículos depredados. Teme-se que cenas parecidas se repitam durante o Mundial. O medo de muita gente é que a exposição dos patrocinadores do evento poderia, no fim das contas, transformá-los em alvos preferenciais de uma nova onda de protestos.
Por tudo isso, as empresas montaram um plano de mão dupla para a Copa. Primeiro, continuam querendo aproveitar as oportunidades, que não desapareceram de um ano para o outro. A Copa deverá ser vista por 3,2 bilhões de espectadores. Mais de 600 000 turistas virão ao país.
A Coca-Cola, patrocinadora oficial, quer aproveitar o evento para divulgar sua marca de isotônicos Powerade e encostar na Pepsi, dona do Gatorade, líder absoluto de mercado. O Itaú vai usar a Copa para divulgar sua marca aos milhares de turistas dos Estados Unidos e da América Latina que estarão por aqui.
Os dois mercados são prioridade para o banco. A fabricante de material esportivo alemã Adidas espera que o patrocínio do evento e de craques como o argentino Messi ajude a impulsionar as vendas no país. O Brasil é apenas o sétimo maior mercado para a empresa e o terceiro para a rival Nike.
A montadora coreana Hyundai, outro patrocinador oficial, tem planos de brigar pelas primeiras posições do mercado brasileiro (o quarto maior do mundo em venda de carros) graças a uma fábrica recém-inaugurada no interior de São Paulo. Hoje, a empresa é a quinta do ranking nacional.
A fabricante de bebidas Ambev espera que a Copa ajude a aumentar pelo menos 3% as vendas de cerveja no país em 2014, depois de dois anos estagnadas. “Neste ano, vamos ter dois verões em termos de vendas”, diz Paulo Petroni, presidente da CervBrasil, entidade que reúne os principais fabricantes de cerveja.
Ambição x apreensão
Mas, se a ambição continua, a apreensão é enorme. Ninguém admite oficialmente, mas todas as empresas morrem de medo de que suas marcas virem alvo de manifestações, seja nas ruas, seja nas redes sociais. Seria uma tragédia. Afinal, dependendo do patrocinador, o investimento das empresas chega a 500 milhões de dólares no pacote acertado com a Fifa, organizadora do evento.
Desde a Copa das Confederações, um grupo de patrocinadores, que inclui Ambev, Itaú e McDonald’s, montou um “comitê” de executivos que se reúnem e trocam e-mails para monitorar o humor da população. Até mesmo a participação em reportagens sobre a Copa é alinhada entre os participantes do grupo.
As principais montadoras instaladas no país recomendaram às suas concessionárias operar com estoques reduzidos durante a Copa. A Hyundai deve evitar expor seus carros nas Fan Fests, eventos oficiais nos quais os jogos serão exibidos em lugares públicos. Procurada, a empresa não deu entrevista.
O transporte de convidados e mercadorias para os estádios, por exemplo, virou um jogo de xadrez. A agência de marketing esportivo Octagon, responsável pelas operações de grandes patrocinadores, como Itaú e Ambev, traçou pelo menos quatro rotas alternativas para cada um dos 12 estádios da Copa.
Na dúvida, a Ambev decidiu entregar suas bebidas nos estádios durante a madrugada. “Sabemos o que fazer mesmo que aconteçam manifestações maiores do que as do ano passado”, diz Marcelo Tucci, executivo responsável pelo planejamento de Copa do Mundo da Ambev.
A propósito: nos últimos 18 meses, a Legends 10, agência americana de marketing esportivo que gerencia a imagem de Pelé, fechou contratos com a companhia aérea Emirates, com a fabricante de produtos de higiene e beleza americana Procter & Gamble, com a Coca-Cola, com a montadora alemã Volkswagen, com o fabricante suíço de relógios Hublot e com a rede de fast- food Subway.
A estimativa da empresa é que a marca Pelé fature 25 milhões de dólares neste ano, o dobro do que ganhou no ano passado. A Copa continua a ser um grande negócio para muita gente. Mas é melhor não contar para ninguém. Entende?