Porto da Cidade do Cabo, na África do Sul: país abriga maior número de empresas emergentes (David Rogers/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.
Mais miserável e violento entre todos os continentes, a África finalmente começa a mostrar ao mundo uma face menos sombria. A grande oportunidade, claro, tem sido a Copa do Mundo, sediada no país mais desenvolvido da região, a África do Sul - pelo menos até agora, a animação do público e o estridente som das vuvuzelas têm chamado muito mais a atenção do que os problemas com furtos e desorganização. Mas também na economia os sinais são promissores. A principal novidade do momento é o surgimento de um grupo de empresas emergentes que finalmente entraram no radar do mercado internacional, algo impensável até muito recentemente. Na última década, as 500 maiores companhias da África (excluído o setor bancário) cresceram em média mais de 8% ao ano, um ritmo invejável em qualquer lugar. Entre elas, 40 corporações foram destacadas num recente estudo da consultoria BCG como as melhores representantes do momento econômico vivido na região. São companhias de diversos setores, com faturamento anual de centenas de milhões de dólares, a maioria delas fundada em um dos oito países mais desenvolvidos, batizados de "leões africanos" - sobretudo África do Sul, Egito e Marrocos. Todas têm algum tipo de atuação fora de seu país de origem, mesmo as de menor porte. "Essas empresas são um retrato da nova fase da economia africana", diz o pesquisador Patrick Dupoux, um dos autores do estudo sobre a África. "O principal motivo da virada é que finalmente vemos em vários países da região um mínimo de estabilidade política, muito superior a tudo o que se viu no passado recente."
A Tunísia costuma atrair a atenção apenas de turistas, graças à beleza de sua natureza e à sua história - a capital, Túnis, é vizinha da antiga Cartago, que duelou com Roma no passado pelo domínio do Mediterrâneo. Foi lá que nasceu o Groupe Elloumi, cuja principal subsidiária, a Coficab, é um dos cinco maiores fornecedores globais de fios e cabos para automóveis, com 10% de participação no mercado mundial e 25% no mercado europeu. Até 2012, a companhia, que faturou cerca de 430 milhões de dólares em 2009, diz esperar ser líder no segmento. Outro exemplo de empresa campeã em um nicho de mercado é a sul-africana Aspen Pharmacare. A farmacêutica, listada na Bolsa de Valores de Johannesburgo, cresceu 37% ao ano na última década e já é a maior fabricante de medicamentos genéricos do hemisfério sul. Tem operações em Hong Kong, África do Sul, Austrália, Brasil, México, Venezuela, Tanzânia, Uganda, Ilhas Maurício, Dubai e Alemanha. Num continente tão rico em riquezas naturais, as maiores da lista são bancos e empresas que exploram os abundantes recursos da África. A grande exceção entre as companhias de maior porte é a SABMiller, segunda maior cervejaria do mundo. Em 1999, a empresa, nascida na África do Sul, abriu o capital na Bolsa de Valores de Londres e transferiu sua sede para a capital inglesa para prosseguir com seu plano de expansão global. Numa época em que o centro financeiro de Johannesburgo ainda era pouco desenvolvido, o processo foi crucial para reduzir o custo de capital de 13% para cerca de 9%, de acordo com a empresa. Fabricante, entre diversas outras marcas, da cerveja Miller, a SABMiller tem negócios em 75 países, sendo 30 na África.
Muito dos bons números apresentados por empresas e países africanos relaciona-se com o ciclo de preços altos de commodities dos últimos anos. Estima- se que, na última década, as cotações de petróleo, fosfato e platina, três importantes itens da pauta de exportação africana, tenham quintuplicado. A Sonatrach, estatal petrolífera da Argélia e maior da África no setor, foi uma das maiores beneficiárias do período de bonança. De acordo com o mais recente ranking das 500 maiores empresas do continente, elaborado pela publicação francesa The Africa Report, a Sonatrach foi a empresa mais lucrativa da lista, registrando ganhos de mais de 8 bilhões de dólares. No setor financeiro, um dos maiores destaques é o banco sul-africano Standard Bank, o maior do continente. Está presente em 33 países, inclusive no Brasil, onde atua como banco de investimento e é um dos principais intermediadores de investimentos diretos estrangeiros entre o Brasil e países africanos. Com a ascensão de novas economias na África e a desaceleração nos países desenvolvidos, o foco do banco em mercados emergentes favoreceu ainda mais sua expansão. "Quando fala em alocar recursos hoje, a maioria dos investidores não pensa mais em Europa ou Estados Unidos, mas em países que continuaram crescendo apesar da crise", diz Eduardo Centola, presidente do Standard Bank para as Américas. "O fluxo não apenas de investimentos como também de comércio entre países do próprio continente e com os emergentes de outras regiões nunca foi tão pujante." De acordo com o estudo do BCG, os investimentos estrangeiros realizados por corporações africanas aumentaram cerca de 81% ao ano desde 2002.
Não existe economia forte sem empresas fortes. Por isso, é uma ótima notícia que alguns países da África comecem a dar as caras no mercado global. Quão sustentável é o fenômeno dos leões africanos, porém, é uma questão em aberto. Economistas e historiadores debatem há décadas se recursos naturais são uma bênção ou uma maldição, sem terem chegado a um acordo. Em teoria, preços de commodities em alta permitem um reforço importante no caixa normalmente combalido dos governos africanos. Daria para enfrentar algumas das necessidades mais urgentes, especialmente nas áreas de saúde e educação - não custa lembrar que quase metade da população da África Subsaariana, mais de 400 milhões de pessoas, vive com menos de 1 dólar por dia. Mas o dinheiro extra também pode ser um poderoso indutor de mais corrupção, violência e a típica rapinagem que assolam o continente há séculos. Até para se precaver da instabilidade inerente da região, muitas das empresas africanas que mais crescem hoje se abriram para o mundo há vários anos. A atuação global sugere que, se continuarem a trabalhar direito, elas têm chances de manter o crescimento mesmo se os países de origem voltarem a patinar. Para os africanos em geral, porém, o que importa mesmo é que elas sejam parte de um quadro mais amplo de desenvolvimento. Infelizmente, empresas sozinhas não carregam países nas costas - e a África ainda tem um longo caminho a trilhar para deixar de ser o pior dos continentes.