Revista Exame

Migração para países ricos pode ajudar países pobres

Para o professor da Universidade de Oxford Paul Collier, um dos maiores especialistas em migração do mundo, o fluxo de pessoas em direção às nações ricas pode ser uma arma para desenvolver os países mais pobres


	Universidade da Califórnia: aprender lá fora para aplicar no país de origem
 (Divulgação)

Universidade da Califórnia: aprender lá fora para aplicar no país de origem (Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 14 de maio de 2014 às 08h56.

São Paulo - "O fato de muitos países não oferecerem a seus cidadãos uma esperança de prosperidade, a mais básica que seja, é o grande desafio global de nosso século. É vital que as nações mais pobres alcancem o padrão mínimo de quali­dade de vida do mundo rico, o que demandará crescimento alto e sustentado por muitas décadas.

Nesse sentido, a emigração pode ajudar no processo de convergência. Antes, porém, é preciso entender por que os países pobres permanecem nessa situação. A pobreza persiste em razão de instituições políticas frágeis, atitudes sociais disfuncionais e falta de trabalhadores qualificados. Sem isso, é difícil aproveitar as opor­tunidades econômicas.

Paradoxalmente, a emigração pode ser boa para os países de origem. O efeito mais importante é nas instituições políticas e nas atitudes sociais. Já existem sólidas evidências de que os emigrantes podem ser influentes em sua sociedade.

Os estudantes de paí­ses pobres que vão passar alguns anos em universidades do mundo rico voltam para casa com atitudes pró-democracia na bagagem. Uma proporção espantosamente alta dos líderes políticos de nações pobres estudou ou trabalhou no exterior — e trouxe novas competências e atitudes. 

O meio acadêmico está em permanente debate se a emigração causa uma fuga ou um ganho de cérebros. Intuitivamente, se pessoas educadas saem, só pode haver uma fuga de cérebros. Mas o desejo de emigrar proporciona uma espécie de efeito colateral benéfico para a sociedade local.

Se a educação é um pré-requisito para os mexicanos vencerem nos Estados Unidos, os africanos terem mais oportunidades na Europa ou os haitianos conseguirem melhores empregos no Brasil, muitos jovens que sonham ir para esses lugares vão se esforçar na escola. Parte não conseguirá realizar o desejo de migrar, mas, no processo, terá adquirido mais qualificação. 

Por outro lado, a drenagem de cérebros tem, sim, aspectos negativos. Muitas sociedades pobres são afetadas pelo oportunismo: professores que faltam ao trabalho, enfermeiras que roubam remédios dos hospitais e policiais que cobram propinas. Os que são motivados a fazer seu trabalho de maneira correta e honesta acabam virando uma desconfortável minoria.

Emigrar para sociedades nas quais as normas são mais funcionais pode ser uma opção atraente para esses trabalhadores, mas isso agrava a situação. Quanto maior a quantidade dos que partem, menos atraente fica a sociedade para os que permanecem. 

Em termos financeiros também há perdas. A migração para um país mais rico é o resultado de milhares de escolhas individuais de gente que gostaria de ir embora. O incentivo é claro: a obtenção de um grande aumento da renda. Mas, para conseguir essa recompensa, o candidato a migrante precisa incorrer em custos iniciais.

A jornada pode ser cara, complexa e lenta, e, uma vez chegado ao destino, haverá um período de gastos e riscos. Nesse sentido, a migração é uma forma de investimento: quem parte tem de financiar custos para conseguir um fluxo de retornos no longo prazo. O problema é que o dinheiro enviado por emigrantes para casa é menor do que se suponha. 

Embora esses recursos sejam úteis para os parentes que ficaram para trás, a remessa média gira em torno de 1 000 dólares por ano. Se tivessem permanecido no país, é possível que os trabalhadores que emigraram produzissem mais riqueza. Ou seja, existe uma perda líquida para a economia de origem.

Ao tentar pesar esses efeitos díspares, fica claro que ter algum grau de emigração é melhor do que não ter nenhum. A questão que se impõe para essas nações é qual o ritmo de emigração desejado. Países pobres ficariam melhores com uma emigração mais rápida ou mais lenta do que a que têm atualmente?

A resposta depende de quem está partindo: jovens em busca de educação, trabalhadores sem qualificação que precisam de emprego ou especialistas. Os estudos sugerem que, quanto mais estudantes migrarem, melhor — especialmente se eles depois voltarem.


A resposta para trabalhadores não especializados depende se eles conseguem enviar mais remessas de dinheiro do que receberiam na própria pátria. Mas a emigração de gente qualificada pode ser um problema grave. Estudos recentes revelam que as taxas de emigração de muitos países pobres já ultrapassaram o ponto em que há um benefício para a sociedade.

Um dos exemplos mais notórios é o de Gana, onde o governo já tentou multar enfermeiras que não trabalhem um tempo mínimo no serviço de saúde. São essas nações que estão sofrendo uma hemorragia de seus escassos talentos. 

Uma das questões debatidas por estudiosos do tema é a escalada da migração nas próximas décadas. O que está claro é que a migração só deverá diminuir quando a diferença de renda entre pobres e ricos se estreitar. Sempre haverá pessoas se movendo de um país para outro, mas os grandes fluxos de países pobres para países de renda média e ricos cessarão.

A expectativa é que isso ocorra por volta do fim do século 21, quando os países pobres deverão ter alcançado o patamar mínimo de bem-estar das sociedades ricas. Até lá, haverá um período de desequilíbrio, no qual a migração tende a acelerar.

A explicação vem de uma importante descoberta recente. O fator que mais influencia a migração é o tamanho da diáspora — os migrantes que mantêm conexões com seu país de origem. 

Ter amigos e parentes no país de destino reduz substancialmente os custos do investimento inicial de quem parte. Ou seja, a migração se autoalimenta: quanto mais migrantes há hoje, maior a probabilidade de haver migrantes amanhã. Esse tem sido o padrão desde os anos 60. Década após década, o fluxo em direção ao mundo rico só expandiu.

É verdade que a pressão sobre a política migratória é cada vez maior, o que faz com que os controles sejam progressivamente apertados. O fechamento das fronteiras é uma das forças que podem conter o aumento da migração.

Para algumas pessoas, essas tentativas de barrar estrangeiros são incorretas porque são contrárias ao direito de migrar. Pessoalmente, não creio que os indivíduos possam viver no país de sua escolha, mas, se achasse, recomendaria a Suíça.

Os suíços certamente concordam com minha preferência de país, mas não se entusiasmam com as implicações que um influxo em massa de migrantes causaria. Eles, por sinal, acabaram de aprovar novas regras que impedem a entrada de imigrantes.

Da perspectiva egoísta das sociedades ricas, a imigração deveria ser limitada aos trabalhadores altamente especializados, mão de obra valiosa em qualquer sociedade porque aumenta a produtividade da economia. Mas, ao abrir a porta para estrangeiros preparados, os países deveriam estar conscientes da implicação para as sociedades pobres.

Acolher gente especializada costuma ser ruim para a maioria dos pobres deixados para trás. A migração, como se vê, pode ajudar as nações menos abastadas — desde que não se limite à fuga de seus talentos.”

Acompanhe tudo sobre:Desenvolvimento econômicoEdição 1063Países emergentes

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda