Revista Exame

Ele não quer mais ser uma exceção

Para Brian Reaves, da Dell, atuar fora da empresa é fundamental para criar oportunidades a quem não tem, para que casos como o dele deixem de ser exceção

Reaves: “Precisamos garantir que um funcionário encontre 'as pessoas diferentes' como ele" (Marla Aufmuth/Getty Images)

Reaves: “Precisamos garantir que um funcionário encontre 'as pessoas diferentes' como ele" (Marla Aufmuth/Getty Images)

Marina Filippe

Marina Filippe

Publicado em 4 de julho de 2019 às 05h36.

Última atualização em 8 de julho de 2019 às 15h05.

Pode-se dizer que, desde a infância, o americano Brian Reaves é uma exceção. Engenheiro, ele seguiu uma trajetória oposta à de muitos que cresceram a seu lado num bairro de periferia de Los Angeles. Mesmo com poucos recursos, a família o ajudou a concluir os estudos na Universidade da Califórnia. “A maioria das pessoas ao meu redor não teve muito sucesso. Elas participaram de gangues e coisas desse tipo”, disse o executivo a EXAME.

Desde 2017, Reaves integra o topo de uma das maiores empresas de tecnologia americanas, a fabricante de computadores e prestadora de serviços Dell. Trata-se de um setor de atividade em que os negros ainda são exceção absoluta até em cargos técnicos. De acordo com uma pesquisa realizada pela agência de notícias Bloomberg nos Estados Unidos, os negros ocupavam 3,1% dessas posições em 2017. Três anos antes, a taxa era de 2,5%. A missão de Reaves hoje, depois de mais de 30 anos em diversos cargos em companhias de tecnologia, é justamente mudar essa realidade. Como chief diversity and inclusion officer, principal executivo de diversidade, ele tem o desafio de estruturar políticas para a inclusão de mulheres, negros, LGBTI+ e pessoas com deficiência na liderança da Dell, que atualmente emprega mais de 100.000 pessoas no mundo todo. 

Em visita ao Brasil, Reaves falou com exclusividade a EXAME sobre como a companhia se mobiliza para cumprir esse objetivo. Para ele, é preciso agir fora dos muros da empresa a fim de ampliar as oportunidades para quem não tem. No Brasil, um exemplo é a parceria com a Universidade Estadual do Ceará para desenvolver tecnologias para pessoas com deficiência, como um exoesqueleto para habilitá-los ao trabalho em fábricas.

Assim como a Dell, empresas como o serviço de streamig Spotify e a indústria química Dow também criaram recentemente um cargo de vice-presidência para aumentar a diversidade na empresa. Por quê?

Formalmente, minha posição existe desde setembro de 2017. No entanto, esse olhar sempre existiu na companhia. A diferença é que agora as pessoas sabem quem podem procurar para discutir questões de gênero, raça, LGBTI+, deficiências físicas e intelectuais, entre outros grupos. E hoje entendemos a diversidade estruturada como fundamental para os negócios. Muitos estudos mostram que empresas diversas são mais inovadoras e geram mais engajamento e retenção dos funcionários. Tudo isso fomenta o crescimento de receitas e, consequentemente, melhores margens. Comecei a me familiarizar com esse tema em janeiro de 2016, quando fui convidado a exercer o mesmo cargo na SAP [empresa de tecnologia alemã]. Menos de dois anos depois, Michael Dell, que fundou a Dell na década de 80, me contratou.

No caso de negros e mulheres na tecnologia, é fato que existem menos pessoas com esse perfil já na universidade. Como avançar apesar dessa realidade?

Cresci num bairro muito pobre de Los Angeles, nos anos 60, e a maioria das pessoas ao meu redor não teve muito sucesso. Eles participaram de gangues e outras coisas desse tipo, que acontecem em muitas comunidades no mundo. Mas, graças à minha família, que se sacrificou para me proporcionar educação até a faculdade de engenharia, pude ter oportunidades melhores. Percebi que as pessoas que não se saíram tão bem não eram más, mas não tiveram oportunidades. E é isso que quero oferecer com a Dell aos mais diferentes perfis de pessoas e em qualquer localidade. Algumas pessoas tiveram sua família, dinheiro e escola, enquanto outras, não. A boa notícia é que, quando geramos essas chances para pessoas com diferentes históricos e experiências, elas nos ajudam com inovação e ganhos para o negócio.

Como gerar essas oportunidades?

Temos muitos programas. Fora da empresa, por exemplo, capacitamos mulheres após a maternidade. Sabemos que, quando elas voltam ao mercado depois de um tempo afastadas, nem sempre estão atualizadas. Damos competências tecnológicas para que possam competir no mercado. Esse é um programa global que começamos no ano passado nos Estados Unidos, mas já está na Índia, na China e em breve deve chegar a toda a operação global. Também nos Estados Unidos iniciamos um trabalho com foco em americanos negros em universidades. Conversamos com eles sobre suprimentos, cibersegurança e outros temas valiosos que os ajudam a conseguir emprego em boas companhias. O terceiro trabalho que pretendo trazer ao Brasil em breve é a construção de um contêiner em uma área remota e nele ensinar tecnologia, e até robótica, para crianças e adolescentes. Hoje há 18 desses laboratórios em seis países, como Marrocos, Nigéria e México.

E dentro da Dell, o que é possível fazer?

Dentro da empresa existem grupos dedicados a mulheres, a raça e a outros segmentos. Os membros desses times promovem iniciativas, como desenvolvimento de liderança, mentoria e pesquisas para aumentar a inclusão. São cerca de 37.000 pessoas participando desses grupos ao redor do mundo. Um exemplo de atividade que surgiu desse movimento é o treinamento sobre vieses inconscientes, para deixar as pessoas atentas às decisões que tomam com base nas ideias preconcebidas que têm inconscientemente. No ano passado, todos os executivos receberam o treinamento e até 2021 todos os funcionários terão passado por ele. É uma maneira de envolver a força de trabalho no tema da diversidade; afinal, todos têm vieses e precisam estar cientes de suas escolhas.

O movimento para ampliar a participação feminina na liderança das empresas é o mais antigo de todos. Ainda assim há pouco avanço nesse sentido. Por quê?

No caso da indústria da tecnologia, existe mesmo a questão de que é preciso atraí-las para as iniciativas dessa área. Se uma mulher quer trabalhar com saúde, por que não mostrar de que modo a tecnologia pode ajudar na cura de doenças como o câncer? Além disso, há questões mais complexas do que apenas o gênero. Sabemos que metade do mundo é formada por elas e nossa meta é refletir esse contingente na companhia. Mas há complexidades para lidar no meio do caminho e uma delas é a interseccionalidade. Ou seja, precisamos pensar em características diferentes em uma única pessoa, como acontece com as mulheres negras. Para uma parcela das mulheres, a questão é ainda mais crítica.

Laboratório da Dell em Fortaleza, no Ceará: inclusão de pessoas com deficiência | Divulgação

O Brasil é diferente de outros países quando se fala de diversidade?

Os grupos de diversidade daqui estão em crescimento constante e isso é ótimo porque queremos que as pessoas se sintam à vontade como elas são e tenham oportunidades semelhantes. Precisamos garantir isso em todos os níveis da Dell para que um funcionário encontre, como chamamos, “as pessoas diferentes como ele”, seja ele LGBTI+, negro, mulher ou uma pessoa com deficiência.

Quais são as frentes de trabalho para ampliar a diversidade mais importantes na subsidiária brasileira da Dell?

Em Fortaleza, em parceria com a Universidade Estadual do Ceará, há o desenvolvimento de tecnologia que auxilia o trabalho e a vida de pessoas com deficiências físicas e intelectuais. Desde 2011, a Dell mantém esse laboratório para que pessoas com deficiência aumentem as oportunidades de ser empregadas. O time é multidisciplinar, formado por pesquisadores, desenvolvedores, designers, pedagogos, tutores. Lá no laboratório de Fortaleza há algumas ferramentas de que gosto bastante e são inovadoras para o mundo todo.

A primeira é um aplicativo que transforma sons em estímulos visuais, permitindo que deficientes auditivos possam trabalhar, inclusive, em posições cujos retornos da operação sejam sonoros. Há também um exoesqueleto que permite que pessoas com limitações em membros inferiores, como paraplégicos e amputados, fiquem de pé e trabalhem em posições que exijam movimento como na linha de produção. Essas tecnologias são testadas também na fábrica de Hortolândia, no interior de São Paulo. É impressionante como a tecnologia nos ajuda a fazer com que as deficiências deixem de ser impeditivas para que essas pessoas sejam incluídas na força de trabalho.

O senhor acredita que esses esforços tornam a empresa mais atraente aos olhos dos consumidores?

Há uma relação de causa e efeito. Os consumidores querem inovação e com nossos programas podemos desenvolver produtos melhores e mais inclusivos. Ao mesmo tempo, os consumidores estão cada vez mais preocupados com a maneira como as empresas trabalham e precisamos atender a essas demandas. Os consumidores também estão se tornando cada vez mais diversos. Por exemplo, as mulheres gastaram globalmente 18 trilhões de dólares no ano passado, e pesquisas mostram que muitas vezes elas estão propensas a dar preferência por consumir produtos das empresas que mais claramente as apoiam.

Apoiar a diversidade só traz benefícios ou é preciso enfrentar riscos?

Pode trazer riscos, porém nós somos quem somos e levamos adiante a mensagem pró-diversidade de Michel Dell. Nós apoiamos pessoas diversas, e isso não deve mudar. Se alguém decidir que não quer comprar produtos de nossa companhia somente porque apoiamos LGBTI+, por exemplo, está bem, mas não há um caminho de volta.

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