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Da Redação
Publicado em 24 de abril de 2014 às 15h11.
Rio de Janeiro - A executiva Maria das Graças Foster, presidente da Petrobras, ocupa o que deve ser hoje a cadeira mais incômoda do mundo corporativo brasileiro. Há pouco mais de dois anos no cargo, Graça comanda não só a maior empresa do país, com receita de 305 bilhões de reais em 2013, mas também a mais problemática.
A estatal, tida como um orgulho nacional, cinco anos atrás tornou-se um símbolo da ascensão do Brasil ao status de potência global. Sua valorização na bolsa a alçou ao posto de quinta empresa do mundo em valor de mercado. Partiu dela a descoberta de quase um terço das reservas de petróleo encontradas neste século.
Foi apontada como uma das novas líderes globais, à frente de uma safra de companhias emergentes dispostas a balançar o status quo. Pouco restou daquele momento mágico. Envolta numa profunda crise financeira que já consumiu dois terços de seu valor de mercado, a estatal acaba de receber mais um golpe, o rebaixamento da nota de crédito da agência de classificação de risco Standard & Poor’s.
Embora continue com o grau de investimento — patamar que sugere risco reduzido de calote —, o rebaixamento para o último degrau desse nível significa que a companhia pagará mais caro pelo dinheiro daqui em diante. Para piorar, nos últimos dias a empresa transitou do noticiário econômico para o político e o policial. E mergulhou definitivamente na maior crise de seus 60 anos de história.
O lance mais dramático — pelo menos até agora — foi a prisão de um ex-diretor da companhia, o engenheiro paranaense Paulo Roberto Costa, suspeito de envolvimento com uma quadrilha de lavagem de dinheiro que movimentou mais de 10 bilhões de reais em pouco mais de uma década.
Costa — demitido da Petrobras em abril de 2012, dois meses depois de Graça assumir a estatal — vinha sendo monitorado pela Polícia Federal por causa de suas relações com o doleiro Alberto Youssef, de quem ganhou um carro de presente, um Land Rover avaliado em 200 000 reais.
Para a polícia, o doleiro é o verdadeiro dono da corretora Bonus-Banval, usada para pagar suborno aos mensaleiros. Já o ex-diretor da Petrobras é suspeito de ter utilizado os serviços de Youssef para receber e distribuir propina de fornecedores da estatal enquanto trabalhava lá.
Coincidência ou não, Costa, que trabalhou 35 anos na Petrobras, chegou ao primeiro escalão da estatal em 2004 por indicação do deputado federal paranaense José Janene, que morreu antes de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal no processo do mensalão. A prisão do ex-diretor aconteceu porque a polícia descobriu que ele tentava destruir documentos ao saber que era investigado.
Em sua casa, no Rio de Janeiro, foi encontrado 1,2 milhão de reais em notas de real, dólar e euro. Outras 24 pessoas foram presas na operação batizada de Lava-Jato. Com o material apreendido está uma planilha que a polícia suspeita ser uma relação de pagamentos de propinas feitos por fornecedores da Petrobras.
O documento, revelado pela revista VEJA, mostra uma lista com 11 pagamentos classificados como “comissão”, que somam quase 8 milhões de reais.
O ex-diretor também é investigado pelo Ministério Público (MP), que apura possíveis irregularidades na aquisição pela Petrobras de outra refinaria, esta localizada em Pasadena, no estado americano do Texas. Um dia antes da prisão de Costa, o caso Pasadena havia se tornado o epicentro de uma tormenta que atingiu em cheio não só a estatal mas a presidente Dilma Rousseff.
O MP quer saber se Costa também teve responsabilidade na elaboração dos documentos que omitiram cláusulas importantes do contrato de compra da refinaria, que só mais tarde chegariam ao conhecimento da presidente Dilma Rousseff. Ao todo, a Petrobras gastou 1,2 bilhão de dólares com a refinaria.
Herança complicada
Boa parte dos problemas que justificam a penúria a que chegou a Petrobras é herança da administração do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na década passada, a descoberta do pré-sal foi saudada como o passaporte para uma era de ouro. Na prática, foi ali que a empresa começou a se perder.
A Petrobras sempre foi usada por governos como instrumento político, independentemente do partido que estivesse no poder. Foi assim desde sua criação pelo presidente Getúlio Vargas, em 1953. A diferença é que, com a chegada do PT à estatal, há 12 anos, o aproveitamento político da empresa cresceu ao ponto máximo, ameaçando até a capacidade de produção.
Projetos grandiosos, mal planejados e — como se vê pelo noticiário recente — com alto grau de suspeita de corrupção, como a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), foram lançados com ufanismo durante a gestão de José Sérgio Gabrielli à frente da empresa, de 2005 a 2012.
Ambas as obras extrapolaram em muito os prazos e os preços previstos. Os dois projetos são exemplos acabados da falta de planejamento e do descontrole na alocação de capital. O Comperj, prometido como futuro maior polo petroquímico do país, foi reduzido a uma refinaria de combustível. O projeto encolheu, mas o orçamento inchou.
Em vez de consumir 6,5 bilhões de dólares, a primeira refinaria do complexo demandará 13,5 bilhões. No meio do caminho, a Petrobras perdeu a sócia privada, a Braskem, com quem dividiria o risco do investimento. Por fim, em vez de ser inaugurado em 2012, o Comperj ficou para o fim de 2015, segundo a Petrobras — os fornecedores dão como certo que a obra não terminará em 2016.
Em Pernambuco, a refinaria Abreu e Lima, combinada entre os camaradas Lula e Hugo Chávez, então presidente da Venezuela, morto em março de 2013, era para ser uma sociedade entre as petroleiras estatais dos dois países. Mas a conta sobrou somente para a Petrobras.
Os venezuelanos nunca assinaram o contrato e não desembolsaram um centavo na obra. O investimento, da projeção inicial de 2,5 bilhões de dólares, já bate em 18,5 bilhões. A entrada em operação, prevista para 2011, deverá se dar, se tudo correr bem, até o fim do ano.
São pesos que a Petrobras terá de carregar por anos. Nas contas da gestora de investimento Antares, que é acionista minoritária da Petrobras e enviou duas denúncias à Comissão de Valores Mobiliários queixando-se da gestão da empresa, a construção das refinarias Abreu e Lima e Comperj está custando o triplo do que deveria.
A equipe técnica da gestora calculou os custos de 15 projetos recentes de refinarias no mundo — em países árabes, na África do Sul, no Canadá e nos Estados Unidos, entre outros. O custo médio foi de 25 000 dólares por barril que será processado por dia nas refinarias.
Aqui, de acordo com números do balanço da Petrobras compilados pela gestora, o custo até agora é de 81 800 dólares no caso do Comperj e de 88 500 no da Abreu e Lima. “Com esses valores, a construção não se paga. A Petrobras não vai conseguir recuperar o investimento”, diz Fabio Fuzetti, sócio da Antares.
Segundo ele, se o custo fosse de no máximo 37 500 dólares por barril ao dia, o investimento poderia dar retorno — desde que a Petrobras adotasse uma política de paridade com os preços internacionais do petróleo.
Para piorar a situação, a produção na bacia de Campos, a mais importante da companhia, despencou por falta de manutenção e de equipamentos. Resultado: há cinco anos a Petrobras não consegue aumentar o volume produzido e, consequentemente, não amplia o caixa.
Não bastasse isso, o governo decidiu fazer política industrial com o chapéu da Petrobras, exigindo que compre de fornecedores instalados no Brasil a maior parte dos equipamentos e serviços necessários para operar no pré-sal. O problema é que não há fornecedores em solo nacional com capacidade suficiente para atender a toda a demanda do setor.
Com isso, muitas vezes a Petrobras não recebe as encomendas no prazo e tem de pagar mais caro do que se pudesse importar. Há dois anos, a companhia teve de multar o estaleiro Atlântico Sul, construído em Pernambuco, por atrasar navios que havia encomendado. Um deles ficou famoso por ter de ir para a reforma antes de ficar pronto, tantos eram os problemas de solda em seu casco.
“Ninguém é contra o desenvolvimento da indústria nacional. Mas colocaram a régua alta demais em vez de subi-la gradualmente”, afirma Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, consultoria do setor. Tradução: não dava para exigir tanto da indústria brasileira.
A herança recebida pela presidente Dilma no setor energético, como se vê, foi pesada. Mas ela fez de tudo para complicar o quadro. Dilma, uma técnica, sucedeu a dois presidentes marcantes. Fernando Henrique Cardoso legou a estabilidade. Lula, a inclusão social.
Desde o início de seu mandato, especulou-se sobre como ela — gestora de carisma quase nulo — poderia deixar a própria marca. Aparentemente, Dilma elegeu a redução da taxa de juro como bandeira principal.
A partir daí, a Petrobras passou a fazer parte de uma engrenagem maior: para que a inflação não disparasse, o preço dos combustíveis foi mantido artificialmente baixo — uma manobra com conotação populista bem comum na América Latina. Sem capacidade de abastecer um mercado que anda de carro mais do que nunca, a Petrobras é obrigada a importar diesel e gasolina a preços mais altos do que pode vender.
Assim, quanto mais vende combustível, mais perde dinheiro — contrassenso que derrubaria qualquer negócio. Nos últimos três anos, a Petrobras perdeu 48 bilhões de reais por esse motivo, um dinheiro que poderia ter sido usado para acelerar a produção no pré-sal ou para aumentar o refino.
Não é por acaso que a evolução da extração do pré-sal tem sido mais lenta do que o esperado. Hoje está em 400 000 barris por dia, o que equivale a um quinto da produção total da empresa. Outra consequência da perda de dinheiro é a piora acentuada do endividamento.
O indicador que mede a relação entre dívida e geração de caixa aumentou de 1, em 2010, para 3,6, em 2013 — acima da meta estabelecida pela própria empresa, que é 2,5. A projeção da companhia é que o indicador volte a ficar abaixo de 2,5 em 2015. A maioria dos analistas discorda.
“A Petrobras acha que o pior já passou, e não concordamos com isso. Vai piorar antes de melhorar”, afirma Andrew Muench, analista do banco Brasil Plural. Para ele, o indicador chegará a 4 neste ano, em razão da desvalorização do real e também da necessidade de a empresa captar mais recursos para financiar projetos.
Na avaliação do analista, o indicador só ficará abaixo de 2,5 em 2019. Numa comparação com as principais petroleiras do mundo, como a americana Exxon Mobil e a anglo-holandesa Royal Dutch Shell, é a mais endividada e a menos rentável.
Como Graça reage a isso tudo? Funcionária de carreira com 33 anos de casa, nomeada por Dilma Rousseff em fevereiro de 2012 com a missão de salvar a Petrobras do atoleiro em que se encontra, Graça é descrita pela maioria das pessoas ouvidas por EXAME como uma executiva dedicada, inteligente e tecnicamente preparada.
As mesmas pessoas são unânimes em descrevê-la também como centralizadora e agressiva. “Ela é a pessoa certa para a Petrobras neste momento. Ninguém briga mais pela empresa do que a Graça”, afirma um executivo que trabalhou com ela e já deixou a empresa.
Por ora, a grande briga de Graça é com o governo, particularmente com a presidente Dilma. As duas se tornaram próximas ainda no primeiro mandato do presidente Lula, na época em que Dilma era ministra de Minas e Energia e Graça era sua secretária de Óleo e Gás.
A proximidade é tamanha que Graça chega a se hospedar no Palácio da Alvorada quando dá expediente em Brasília. Isso, no entanto, não impede que o volume da voz das duas aumente durante discussões sobre a situação da Petrobras. Um funcionário da empresa revelou que há pouco tempo as duas travaram o seguinte diálogo sobre reajuste de combustíveis.
“Eu sou paga para defender os interesses da Petrobras”, disse Graça. “E eu, para defender os interesses do Brasil”, disse Dilma, revelando seus credos mais intervencionistas.
O episódio mostrou que as esperanças em torno de Graça podem ter sido superestimadas. A executiva acaba de completar dois anos à frente da empresa. Quando seu nome foi indicado à presidência da Petrobras, o mercado se animou por causa de sua proximidade com a presidente, na esperança de que ela conseguisse convencer o governo a melhorar o preço dos combustíveis.
Os reajustes que ela conseguiu, no entanto, estão longe da necessidade da empresa. Os limites do poder da executiva ficaram mais evidentes no fim do ano passado, quando Graça anunciou que a Petrobras adotaria uma fórmula de reajuste dos combustíveis. O instrumento aumentaria a previsibilidade da empresa.
O mercado comemorou e as ações subiram. Logo em seguida, Graça foi desautorizada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, presidente do conselho de administração da estatal. A fórmula nunca foi apresentada ao mercado. O episódio é citado pelos analistas como um divisor de águas. O desapontamento foi geral e as ações voltaram à trajetória ladeira abaixo.
Reputação em risco
Duas ordens de problemas estão agora na mesa de Graça. Há aqueles que podem ser quantificáveis, traduzidos em números. É o caso, por exemplo, do custo que a Petrobras paga para levantar recursos no mercado. A empresa tem pagado, em média, 1 ponto percentual acima do que o governo brasileiro paga para se financiar. A média histórica é 0,4%, de acordo com a agência Bloomberg.
Além disso, o seguro que os investidores podem contratar para garantir sua aplicação em títulos da Petrobras está no maior valor desde o início de 2009, quando o mundo ainda vivia os efeitos da crise que estourou no ano anterior. Tudo somado, de acordo com a gestora Quantitas, o custo médio de captação de recursos para a Petrobras é de 17% ao ano.
O cálculo considera o rendimento anual oferecido por um título público mais um prêmio de risco. É um percentual bastante superior à rentabilidade da empresa, que está em 6,8%. “Como a companhia está investindo fortemente, e muitos projetos ainda não são rentáveis, é normal que o retorno caia por um tempo”, diz Marcel Kussaba, analista especializado em petróleo da Quantitas.
Mas, segundo ele, as perdas poderiam ser amenizadas se a gestão da companhia fosse mais eficiente. “Se as refinarias Abreu e Lima e Comperj já estivessem prontas, como era o plano inicial, a Petrobras conseguiria processar petróleo aqui e gastaria menos com importações”, diz Kussaba. Hoje, a Petrobras vale, em bolsa, cerca de metade de seu patrimônio.
E há também problemas mais subjetivos, mas nem por isso menos importantes. Nenhuma companhia — ou pessoa — aguenta tanta notícia negativa. Na gestão de empresas, poucos ativos são mais difíceis de construir e manter do que uma boa imagem diante do mundo externo — consumidores, fornecedores, funcionários e acionistas.
Pode levar décadas até que todo o trabalho realizado em todas essas frentes seja reconhecido. E um deslize em qualquer uma delas pode assumir proporções desastrosas. O investidor americano Warren Buffett, segundo homem mais rico do mundo, costuma repetir que são necessários 20 anos para construir uma reputação e 5 minutos para destruí-la.
O megainvestidor usou a frase pela última vez no ano passado para se referir à crise fiscal americana, em que o embate entre republicanos e democratas quase colocou a perder a credibilidade que o país construíra ao longo de mais de dois séculos. “Passamos 237 anos pagando nossas contas para construir nossa reputação”, disse Buffett. “Seria estúpido colocar tudo a perder.”
Guardadas as proporções, algo semelhante pode ocorrer com a Petrobras se a empresa for incapaz de estancar a sequência de notícias negativas.
A Petrobras, é preciso que se diga, é uma empresa de respeito. Tem um corpo técnico invejável. É capaz de feitos tecnológicos marcantes, como a exploração em águas profundas e na camada do pré-sal. Por mais que tenha sofrido, está muito, mas muito longe do caos que se vê hoje na PDVSA, a estatal venezuelana dona da maior reserva de petróleo do mundo.
Pelo menos em teoria, está em condições muito melhores de reconquistar a confiança dos investidores. Isso será fundamental para que a empresa possa voltar a crescer. Passaram-se oito anos desde que foram localizadas as jazidas no pré-sal. No mundo do petróleo, levam-se sete anos, em média, para que uma descoberta comece a se converter em dinheiro.
A revolução do pré-sal, que deveria permitir um salto do país, especialmente na educação, ainda é uma miragem. É reveladora a análise feita pelo sócio de uma grande gestora de recursos que acompanha a Petrobras há 40 anos e pede para não se identificar. Hoje, sua gestora não tem uma única ação da estatal. Nos últimos anos, foi reduzindo a posição até zerá-la.
“Tínhamos um bom volume de ações da empresa e compramos bastante quando saiu o comunicado sobre o pré-sal”, diz o investidor. “Com o tempo, desanimamos. Primeiro, percebemos que os resultados do pré-sal viriam mais lentamente do que esperávamos. Depois, a empresa começou a sangrar.”
O que pode reconduzir a Petrobras a uma rota saudável é, acima de tudo, a alforria da empresa em relação ao regime de preços controlados. Uma mostra disso foi o repique das ações da companhia há alguns dias. No meio do fogo cruzado de denúncias de corrupção, as ações subiram.
Uma das explicações para esse movimento aparentemente contraditório é que, na visão de muitos investidores, os escândalos podem forçar o governo a mudar a política de preços dos combustíveis. Outra leitura de parte do mercado é que o recrudescimento da crise na petroleira pode minar o projeto de reeleição da presidente Dilma — e favorecer a entrada de um governo menos intervencionista.
“A Petrobras é um colosso. Tem um corpo técnico de altíssimo nível, tem tecnologia e tem reservas enormes. Só está sendo esfolada por um governo que brincou com a inflação”, diz o sócio de um banco de investimento. Essa brincadeira vem causando muito prejuízo à empresa, mas também é perigosa para o governo.
A exposição de uma Petrobras periclitante pode custar caro a quem sempre tratou a empresa com tanta ufania. O futuro do Brasil depende do resgate da Petrobras — e o futuro de algumas carreiras, também.