Gianna Sagazio: “Lá fora, a inovação é investimento. No Brasil, é gasto” (José Paulo Lacerda/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 5 de julho de 2018 às 05h00.
Última atualização em 5 de julho de 2018 às 05h01.
A economista Gianna Sagazio é uma das pioneiras no estudo sobre inovação no Brasil. Nos anos 90, ela participou de uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) sobre o impacto da informática nas cadeias produtivas. Hoje, é diretora da CNI e coordenadora da Mobilização Industrial pela Inovação, coalizão empresarial sobre o tema. Desde 2016, Gianna já levou mais de 350 empresários e gestores públicos brasileiros para conhecer grandes polos de inovação, como o Vale do Silício, nos Estados Unidos, e o Instituto Fraunhofer, na Alemanha. Em entrevista, ela afirma que o Brasil ainda não vê a urgência de investir em inovação.
Por que levar empresários a grandes centros de inovação globais?
A ideia é dar um choque de realidade. Visitamos locais de acesso restrito, como laboratórios nucleares, salas com supercomputadores e linhas de produção digitalizadas. Para executivos de uma grande empresa, ver com os próprios olhos a ciência de ponta vale tanto quanto anos de investimentos internos de inovação.
Que tipo de mudança já ocorreu após a imersão?
Recentemente, diretores de uma grande fabricante de calçados brasileira viram um carro ser impresso em 3D num laboratório americano. Até então, a empresa levava um mês produzindo moldes das 4 000 peças que lançam por ano. Ao voltar ao Brasil, adotaram a impressão 3D e encurtaram várias etapas do processo. Depois de ir ao Vale do Silício, o reitor da FEI, uma das principais faculdades de engenharia de São Paulo, incluiu conceitos de inovação aberta, típica das startups de lá, na formação dos alunos.
É possível fazer inovação de ponta no Brasil?
Nas viagens ao exterior, é normal os participantes acharem tudo uma maravilha e ficarem desanimados por achar impossível replicar a mesma coisa no Brasil. É uma grande ilusão. Muita gente desconhece a boa estrutura do Brasil para a pesquisa. Só o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) tem 82 centros de pesquisa, que fazem inovação e prestam serviços às empresas. É uma rede tão extensa quanto à do Fraunhofer.
O que falta para deslanchar a inovação brasileira?
Falta um senso de urgência. O mundo está avançando rapidamente. Aqui, a despesa com inovação ainda é vista como custo por setores do governo. Aí acontecem absurdos, como o veto à isenção fiscal para o financiamento de bolsas de estudo quando foi sancionado o Marco Legal da Inovação [pela ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016] para evitar a piora nas contas públicas.
Como a questão deveria ter sido tratada?
Nos países inovadores, como Israel e Estados Unidos, inovação é um investimento público. Há uma visão de longo prazo. Não faz sentido cortar bolsas de estudo por causa da conjuntura ruim.
Alguma política de inovação de longo prazo já teve sucesso aqui?
Sim. Nos anos 90, a CNI e um grupo de acadêmicos fizeram um estudo sobre o impacto da tecnologia na indústria. Ele é usado até hoje como base teórica para programas como a Parceria de Desenvolvimento Produtivo, em que farmacêuticas recebem incentivos para montar, no Brasil, laboratórios de medicamentos.
Mas o Brasil segue mal em rankings globais. Por quê?
O país peca por erros básicos. Não temos a tradição de produzir com frequência os dados utilizados nos rankings de inovação. Os números ficam defasados, e o Brasil sai mal na foto quando, de fato, não está tão ruim assim. Precisamos entender a metodologia dos rankings, fazer a lição de casa e gerar os dados pedidos.