Malcolm Gladwell: sucesso ao desafiar o senso comum (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 23 de março de 2014 às 07h56.
São Paulo - Com uma linguagem simples para apresentar raciocínios complexos e habilidade para desafiar o senso comum, o jornalista canadense Malcolm Gladwell, colaborador da prestigiada revista americana New Yorker, é um dos poucos autores que colecionam best-sellers.
Seu sucesso como autor começou em 2002, quando lançou O Ponto de Virada, no qual explica como alguns fenômenos se espalham pela sociedade como epidemias. De lá para cá, lançou quatro outros livros. No total, já vendeu 10 milhões de exemplares em mais de 30 idiomas.
Seu último livro, Davi e Golias, foi lançado nos Estados Unidos em outubro e está no topo da lista dos livros de não ficção mais vendidos do jornal The New York Times desde então, a despeito das críticas negativas que recebeu.
Desta vez, a principal teoria explorada por Gladwell é que as adversidades e as deficiências podem ser um ótimo empurrão para que pessoas — e também países e empresas — sejam bem-sucedidas. Em entrevista a EXAME, o autor falou sobre o livro, que chega às livrarias brasileiras em abril.
EXAME - O que o motivou a escrever seu novo livro?
Malcolm Gladwell - Fico muito intrigado com o que faz alguém ter sucesso. Desta vez, quis entender por que e como algumas pessoas com características que seriam consideradas desvantajosas conseguem usar isso a seu favor e se dar bem. Parto de uma história muito conhecida.
Sempre se acreditou que o pastor Davi era inferior ao guerreiro Golias. Na verdade, foi justamente a inferioridade de Davi — o fato de ele ser pequeno e, portanto, muito mais ágil — que o fez vencedor da luta.
EXAME - A conclusão então é que desvantagens podem se tornar vantagens?
Gladwell - Sim. É bom ter problemas. Acreditamos em geral que as desvantagens sempre trazem prejuízo. Mas não. Quando temos menos recursos, somos mais criativos. No livro falo sobre a educação infantil. Por muito tempo, os pais nos Estados Unidos acreditaram que crianças que estudam em turmas menores aprendem mais.
As pesquisas, porém, revelam que, se as turmas forem pequenas demais, as crianças aprendem menos do que se estudassem em salas lotadas.
Em ambientes maiores e complexos, as crianças são obrigadas a lidar com mais competição, precisam aprender a conviver com personalidades diferentes e a encontrar maneiras de se destacar. As pessoas precisam ter um pouco de dificuldade na vida, senão se acomodam.
EXAME - Em que casos isso acontece?
Gladwell - Quando as dificuldades despertam um senso de urgência na pessoa. O caso das pessoas com dislexia ilustra esse raciocínio. Vários estudos apontam que muitos empresários bem-sucedidos são disléxicos. Estamos falando, por exemplo, de John Chambers, presidente da empresa de tecnologia Cisco, e David Neeleman, da JetBlue.
Eles nasceram com dificuldade de aprendizado e conseguiram fazer disso uma vantagem. Justamente por terem um problema, desenvolveram outras habilidades para compensá-lo.
David Boies, famoso advogado americano e atual presidente do banco Goldman Sachs, compensou a dificuldade de leitura desenvolvendo a capacidade de observação e memória, e usou muito isso em sua carreira como advogado. Não tinha facilidade para ler, mas se transformou num exímio orador. Essa é a ideia crucial do livro: o problema pode levar a um caminho de sucesso.
EXAME - O contrário também acontece? Uma vantagem pode virar desvantagem?
Gladwell - Sim. No livro conto uma história de uma garota que foi aceita numa das melhores universidades do mundo, a universidade Brown, em Rhode Island, nos Estados Unidos. Ela pensou que estar numa escola de elite a faria ter uma vantagem, mas acabou abandonando o curso no segundo ano.
Simplesmente porque não alcançava as notas mais altas, se comparava com os outros alunos e se sentia muito desmotivada. Aparentemente, o ambiente que deveria fazê-la se sentir desafiada teve um efeito contrário.
Talvez, se ela tivesse ido para uma universidade considerada regular, teria continuado os estudos, se destacado e sido bem-sucedida. Pense no Golias. Supostamente sua vantagem era ser grande, mas foi essa grandeza que o prejudicou.
EXAME - Sua teoria também pode ser aplicada aos negócios?
Gladwell - Empresas chefiadas por líderes capazes de mostrar que as desvantagens fazem parte do jogo podem se dar bem. Eles deixam claro que a grande sacada é lidar com a situação. O importante é acreditar que aparentes problemas, como a entrada de um concorrente ou a vigência de uma nova lei, podem se transformar em oportunidades.
A pergunta é: o que podemos fazer daqui em diante? Isso vale para os chefes também. Em vez de entregar soluções ou fórmulas prontas, deveriam distribuir problemas.
EXAME - Muitos países têm várias desvantagens e não conseguem usar isso a seu favor. Como mudar isso?
Gladwell - Para que haja uma mudança, não podem existir desvantagens demais. Ninguém consegue lidar de maneira criativa e inovadora com muitos problemas. No caso do Brasil, as pessoas têm de lidar com pobreza, violência, saúde pública de má qualidade, entre outras questões.
É muito problema ao mesmo tempo. Os países devem escolher entre suas desvantagens as que são mais importantes e tentar eliminá-las. Há muitos anos, o Canadá percebeu que a saúde era uma questão crucial para a população. Resolveu gastar muito dinheiro com saúde e resolveu o problema.
EXAME - O jornal The New York Times e a revista The Economist criticaram a consistência dos argumentos de seu novo livro. O que o senhor acha disso?
Gladwell - Davi e Golias é meu maior sucesso até hoje. Mas não dá para deixar todo mundo satisfeito com o que escrevo. Me dedico a temas que saem do senso comum e as pessoas gostam disso. Elas leem porque passam a olhar o mundo de uma forma diferente. Mostro teorias que ajudam a melhorar vidas.