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No Boticário, 200 sucessões em dois anos

Como o grupo O Boticário se prepara para lidar com a sucessão simultânea de centenas de franqueados — um movimento que pode definir sua própria expansão no futuro

Artur Grynbaum, presidente do BoticárIo: plano de abrir 100 lojas em 2011 — a maior parte delas com os atuais franqueados (Joel Rocha/EXAME.com)

Artur Grynbaum, presidente do BoticárIo: plano de abrir 100 lojas em 2011 — a maior parte delas com os atuais franqueados (Joel Rocha/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h40.

Passar sem cicatrizes por uma sucessão é tarefa difícil para qualquer companhia. Quando a troca acontece dentro de uma empresa familiar, sujeita a eventuais disputas financeiras e emocionais que passam de geração para geração, a chance de ocorrerem conflitos só aumenta. Os executivos do Boticário, maior rede de lojas de cosméticos do mundo, com vendas de 4 bilhões de reais em 2010, estão neste momento diante da missão de evitar que o processo sucessório comprometa o futuro do negócio — um desafio multiplicado por duas centenas de vezes.

Nos próximos dois anos, 200 de seus 960 franqueados estarão envolvidos em algum estágio de sucessão familiar. Até 2020, 80% deles pretendem passar o comando operacional de suas lojas para a geração seguinte. O envelhecimento dos franqueados — cuja idade média hoje é 49 anos — é uma etapa delicada e inevitável no modelo criado há três décadas pelo fundador do Boticário, o bioquímico boliviano, naturalizado brasileiro, Miguel Krigsner. Juntos, os franqueados comandam 2 910 das 2 980 lojas da rede em dez países e representam a maior parte das receitas da companhia. (Alguns deles, com várias lojas, chegam a faturar até 120 milhões de reais por ano.) “Ajudar os franqueados a passar sem traumas por esse processo é fundamental para nossa própria sobrevivência”, diz Artur Grynbaum, presidente do Boticário.

Preparação

Embora fosse uma questão com a qual cedo ou tarde os executivos da rede teriam de lidar, a discussão da sucessão em massa só se tornou concreta quando o próprio Boticário passou por uma mudança de geração, em 2008. Cunhado de Krigsner e executivo com 20 anos de experiência no grupo, Grynbaum passou por uma preparação de seis anos antes de assumir a presidência, aos 38 anos de idade. Sua rotina preparatória incluía reuniões semanais com seu antecessor e visitas conjuntas às lojas. Para a transição dos franqueados, Grynbaum organizou um processo semelhante. No início de 2010, dez executivos do Boticário e profissionais da consultoria de empresas familiares Höft foram chamados para desenhar um programa de preparação de herdeiros. A primeira dificuldade, segundo Grynbaum, foi a falta de referências no Brasil para buscar inspiração.

Por enquanto, as trocas de comando em outras redes de franquias foram concluídas a conta-gotas. O McDonald’s, por exemplo, fez apenas uma sucessão entre seus 62 franqueados, no Rio de Janeiro. O processo seguiu o modelo adotado nos Estados Unidos: para ganhar o direito de operar uma loja da rede, o filho do franqueado foi entrevistado por quatro diretores e pelo presidente da companhia. Depois, passou por um treinamento de 11 meses que incluía a fritura de batatas. A dimensão do projeto, com várias histórias, famílias e pessoas envolvidas, foi o segundo obstáculo encontrado por Grynbaum. “É o programa mais organizado já feito no Brasil e vai servir de referência para outras companhias”, diz Ricardo Bomeny, presidente da Associação Brasileira de Franchising.


Com tantas sucessões à vista, o Boticário coordenou as transições no atacado. Um curso com duração de dois anos foi montado para reunir de uma só vez dezenas de franqueados. O projeto foi apresentado à rede em setembro, na convenção anual do Boticário, realizada em Campinas, no interior de São Paulo, e a prioridade será dos 200 herdeiros de franquias que planejam a sucessão para os próximos dois anos. Desses, 60 iniciarão um curso em março, com formatura prevista para o fim de 2012. (Os demais 140 franqueados deverão iniciar o curso ainda neste ano.)

O programa envolverá aspectos como gestão de pessoas e análise da concorrência. As aulas, que vão acontecer em Curitiba, na sede da companhia, serão divididas em módulos semestrais, cada um deles com três dias de duração. Quem for aprovado ganhará o direito de suceder seus pais. Para os reprovados, o Boticário pode dar uma nova chance ou escolher um substituto por conta própria. Caso não existam sucessores, o atual dono da franquia terá de vendê-la quando deixar o negócio. A ideia, porém, é preparar o grupo de modo a atingir o máximo de aprovação. “Manter a franquia dentro da mesma família é mais rápido e menos arriscado do que buscar um novo franqueado”, diz Adir Ribeiro, da consultoria Praxis Education.

Expansão

Boa parte dos candidatos cresceu dentro das lojas do Boticário e conhece detalhes que um novo franqueado levaria anos para aprender. É o caso do paulista André Rieger, de 25 anos. Há 15 anos, sua mãe, Gisela Heitzmann, abriu a primeira de quatro lojas do Boticário em Osasco, na Grande São Paulo. Formado em relações públicas e com especialização em marketing, Rieger já passou por todas as funções nas lojas. Agora espera a conclusão do curso de sucessão para assumir de vez a operação. Sua mãe já planeja a aposentadoria. “Com a chancela da própria franqueadora, fico aliviada de deixar o negócio”, diz ela.

Em paralelo, o Boticário deve iniciar neste ano o treinamento de potenciais sucessores, hoje na faixa entre os 13 e os 18 anos de idade. Para essa garotada será oferecida uma programação com palestras e visitas à fábrica — tudo para despertar o interesse deles pelo negócio. Para o Boticário, as iniciativas ligadas à sucessão dos franqueados são uma forma de garantir a própria expansão num mercado que movimenta quase 50 bilhões de reais ao ano no Brasil. Em 2011, a companhia deve abrir 100 lojas — e a preferência, como é praxe, será dada aos atuais franqueados. “Conhecer de perto as próximas cabeças dessas operações nos dá segurança para continuar firme nesse modelo”, diz Grynbaum.

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