Diferença no passo: exportadas para os Estados Unidos, as sandálias Havaianas levam, aqui, dez dias da fábrica ao porto. Lá, em três dias estão nas lojas (Astrid Stawiarz/Getty Images for Marie Claire/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 17 de julho de 2014 às 16h19.
São Paulo - Os cobradores de impostos da época do Brasil colônia não tinham vida fácil. Diz a lenda que, sempre que iam buscar os 20% destinados à coroa portuguesa sobre a produção de ouro — que eram chamados de quinto —, eles ouviam um desaforo do contribuinte: “Vá buscar o quinto nos infernos!” Daí teria surgido a expressão “vá para o quinto dos infernos”.
Hoje, os contribuintes não poderiam usar essa imprecação por uma razão simples: no Brasil atual, o quinto virou dois quintos. Ficaria esquisito mandar alguém para os “dois quintos” dos infernos.
O fato é que 40% da riqueza produzida no país segue para os cofres do Estado, conforme demonstra um levantamento feito pela Fipecafi, fundação de estudos de contabilidade ligada à Universidade de São Paulo e responsável técnica pela coleta e análise da maior parte dos dados econômico-financeiros publicados em Melhores e Maiores.
O estudo da Fipecafi pegou uma amostra de 862 grandes empresas e avaliou o destino da riqueza gerada por elas. Como se disse, a maior fatia é levada pelo Estado — incluindo União, estados e municípios. Cerca de um quarto vai para os trabalhadores via salários e benefícios pagos pelos empregadores, como plano de saúde e previdência privada.
Outros 21% vão para o pagamento de juros. E sobram 13% de lucro para o dono ou para ser distribuídos entre os acionistas. Em 2008, a situação era melhor para os investidores: a fatia da riqueza gerada que ficava com eles era de 18%.
Essa queda ocorreu por causa do aumento de 6 pontos percentuais de lá para cá na fatia destinada aos trabalhadores — reflexo do aumento dos quadros de funcionários e dos ganhos reais no salário mínimo. Mas o que chama a atenção é o naco do setor público, que sempre ficou em torno de 40%.
“O Estado é praticamente o sócio majoritário das empresas no Brasil”, diz Ariovaldo dos Santos, autor do levantamento. “Isso não vai mudar, mas o que poderia melhorar é a forma como esses impostos são usados.”
Desde que os seres humanos acharam por bem se organizar em sociedades subordinadas à autoridade do Estado, passaram a ter uma certeza inescapável: impostos existem e devem ser pagos. Pode-se dizer que, hoje, a situação é muito melhor do que até poucos séculos atrás, quando os impostos serviam apenas para sustentar o monarca, sua família e a nobreza.
São poucos os países que não oferecem, em troca dos impostos, serviços como segurança pública, saúde e educação. O problema é que, no Brasil, os impostos são altos demais. Segundo o Banco Mundial, somos o 15o país que mais tributa as empresas num ranking com 189 países.
Estamos acima de todos os desenvolvidos — Estados Unidos, Canadá, Japão e os membros da União Europeia. Piores do que nós, só 14 nações do quilate de Bolívia, Uzbequistão, Argentina e Chade. O fardo seria mais facilmente aceito se, em troca, as empresas (e os cidadãos brasileiros) recebessem serviços públicos adequados.
A (má) qualidade de estradas, portos e ferrovias, a lentidão e a ineficiência do Poder Judiciário, a incapacidade do Executivo e do Legislativo de realizar as reformas de que o país precisa para se modernizar são um calo no pé do setor produtivo.
A ineficiência estatal impõe outro custo elevado. Tome-se o caso da rede de farmácias Pague Menos. No ano passado, a empresa perdeu 12 milhões de reais em cargas roubadas. O valor correspondeu a 26% de seu lucro no ano. “Pagamos uma montanha de impostos, mas não vemos o retorno em serviços públicos”, diz Deusmar de Queirós, dono da Pague Menos.
A saída para driblar os maus serviços tem sido assumi-los. Segurança é um deles. “Quando visito fábricas na Europa, noto que, terminado o expediente, só fica um porteiro de plantão na empresa”, diz Mauricio Harger, presidente no Brasil do grupo Mexichem, dono da fabricante de tubos plásticos Amanco. “Aqui, é necessário manter segurança 24 horas.”
A empresa conta com um pelotão de 60 guardas. Como muitas outras companhias, é obrigada a assumir também despesas como planos de saúde e previdenciário. Eles custam o correspondente a 12% da folha de pagamentos.
“O Brasil tem carga tributária de país desenvolvido, mas os serviços públicos ainda são de país em desenvolvimento”, diz Fernando Alves, presidente da consultoria de gestão PwC.
Carga menor
De todos os serviços ruins, talvez o que mais afete as empresas seja a infraestrutura precária. A ineficiência dos portos encarece o custo da matéria-prima importada pela Mexichem num valor que equivale a 10% do lucro. A fabricante de calçados Alpargatas sofre na hora de exportar.
Enviar um par de Havaianas aos Estados Unidos é uma tarefa que pode levar mais de duas semanas. Só o transporte de um contêiner que sai da fábrica de Campina Grande, na Paraíba, até o porto de Santos demora dez dias. O calvário continua na aduana. Nos Estados Unidos, a situação muda completamente.
Em 24 horas, o contêiner é liberado e sai de Miami. Em dois dias, chega ao centro de distribuição em Ohio, no nordeste do país. “Em até três dias, as sandálias estão nas lojas nos quatro cantos dos Estados Unidos”, diz Marcio Utsch, presidente da Alpargatas. Detalhe: lá, a carga tributária sobre as empresas é 32% menor do que a daqui. A pergunta que fica: por que tanta diferença?