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Digite com moderação

De fabricantes de smartphones a aplicativos, cada vez mais empresas de tecnologia criam ferramentas para controlar o tempo que as pessoas passam conectadas

Pessoas com o smartphone em Hong Kong: o uso compulsivo de tecnologia virou um problema para consumidores e fabricantes (Alamy/Fotoarena/Reprodução)

Pessoas com o smartphone em Hong Kong: o uso compulsivo de tecnologia virou um problema para consumidores e fabricantes (Alamy/Fotoarena/Reprodução)

Lucas Agrela

Lucas Agrela

Publicado em 18 de julho de 2019 às 05h30.

Última atualização em 18 de julho de 2019 às 15h14.

Uma das metas das empresas de tecnologia do Vale do Silício é, além de conseguir milhares de usuários para seus aplicativos, conquistar o engajamento deles. Quanto mais tempo e mais interações das pessoas com as ferramentas digitais, melhor para as empresas por trás delas. Assim, as companhias aumentam a chance de vender produtos ou de exibir anúncios.

Todos esses esforços de uma série de aplicativos — do Instagram ao YouTube, do Twitter ao WhatsApp — levaram a um nível de uso exagerado de dispositivos conectados à internet. Ao longo dos últimos anos, a média do tempo de uso da internet só aumentou. Mas, em 2019, isso deve mudar. As pessoas começaram a perceber que estão passando tempo demais conectadas à rede, seja no celular, seja no notebook, seja no tablet.

A consultoria inglesa GlobalWebIndex, especializada em coletar e analisar dados sobre o comportamento digital, prevê uma queda de 1% no tempo de uso da internet neste ano. Será a primeira vez que isso acontece desde que esse dado é acompanhado. Prevendo uma tendência de maior desconexão, empresas de tecnologia, como a Apple e o Google, começaram a oferecer recursos para monitorar o tempo de uso do smartphone.

Aparelhos como o Pixel, do Google, permitem bloquear aplicativos depois que a pessoa ultrapassa o tempo de navegação preestabelecido. Essas funções podem, ainda, mostrar estatísticas de uso diário. Desse modo, é possível descobrir quais são os aplicativos que tomam a maior parte do tempo e definir um limite para eles — 1 hora para redes sociais ou 2 horas para aplicativos de e-mails, por exemplo.  Segundo a consultoria eMarketer, só nas redes sociais as pessoas passam, em média, 1 hora e 15 minutos por dia.

Com o uso excessivo do celular, as pessoas tendem a perder a noção do tempo, passar menos tempo conversando com familiares e amigos no mundo real e apresentar sinais de falta de concentração e piora na qualidade do sono, segundo o Centro de Vício em Internet e Tecnologia da Universidade de Connecticut. Fora isso, segundo dados da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, usar o celular ao volante é a terceira maior causa de morte no trânsito no Brasil. Mas o que as empresas bilionárias de tecnologia ganham ao ajudar a usar menos o smartphone no dia a dia?

Na Apple, a demanda surgiu como um pedido de dois grandes acionistas para que algo fosse feito a fim de evitar que crianças ficassem “viciadas” em iPhones. A maior parte da receita da empresa vem da venda de dispositivos. Portanto, seus aparelhos não precisam ser “viciantes”.

Para o Google, que tem um forte negócio de publicidade e é dono do sistema Android presente em smartphones de várias fabricantes, o tempo que os usuários passam em seu ambiente digital é particularmente importante. Flavio Ferreira, diretor de parcerias do Android para a América Latina, diz que o recurso de moderação, chamado Bem-Estar Digital, foi criado por demanda dos usuários. “O exagero leva ao desgaste da relação com a tecnologia. Buscamos garantir que o uso dos produtos Google seja harmonioso e duradouro”, afirma Ferreira.

A ferramenta do Google  está disponível apenas nos smartphones mais novos, o que abre espaço para startups de aplicativos para controlar o uso do celular. Dois deles são o Action Dash e o RescueTime. “Quando as pessoas são confrontadas com estatísticas sobre o tempo que passam no celular, elas refletem sobre o que estão fazendo”, afirma Chris Lacy, presidente da Action Dash. Para Robby Macdonell, presidente do RescueTime, as empresas de tecnologia tentam corrigir uma questão que elas mesmas criaram. “Se não resolverem esses problemas, as pessoas podem trocar os produtos por aparelhos de outras marcas”, diz Macdonell.

A tendência de moderação de uso não se restringe às empresas de smartphones. Diversos aplicativos também entraram na onda, como é o caso do YouTube, do Instagram e do Facebook. Para Roger McNamee, investidor do Vale do Silício, as medidas das empresas de tecnologia não resolvem o problema do comportamento compulsivo, mas são uma oportunidade para as empresas que mudarem de mentalidade.

“As companhias que tratarem seus consumidores como clientes de verdade, não só como combustível para o negócio, têm grande chance de se beneficiar. Os aplicativos das grandes empresas já são populares o suficiente e podem explorar novos modelos de negócios”, diz McNamee, autor do livro Zucked: Waking Up to the Facebook Catastrophe (“Ludibriado: Acordando para a catástrofe do Facebook”, numa tradução livre), em que trata dos danos causados pelas redes sociais.

O tempo de uso da internet pode variar de país para país. O Brasil ocupa o segundo lugar quando o assunto é tempo gasto na internet, atrás somente das Filipinas. Por aqui, as pessoas passam quase 9 horas e meia por dia conectadas a seus smartphones ou computadores. Nos paí-ses desenvolvidos, como os Estados Unidos, a Coreia do Sul, a Alemanha e o Japão, onde a preocupação com o excesso de conexão é mais forte, o tempo é menor do que a média global.

Na visão de Fabro Steibel, diretor executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade, um centro de pesquisa do Rio de Janeiro, as empresas de tecnologia sempre usaram a atenção do usuário como moeda de troca, mas o novo contexto do mercado altera essa dinâmica. “O que as empresas notaram é que o excesso de informações gerou um efeito inverso. Com grande volume de informações, a tendência é as pessoas ignorá-las”, afirma Steibel. “Agora vai se destacar quem oferecer informações de qualidade. O bem-estar está relacionado não a oferecer menos notificações, mas  notificações melhores.”

Lançamento do celular Pixel, do Google: novos recursos para reduzir o tempo gasto nos apps | Justin Sullivan/Getty Images

Hoje, não há uma fórmula mágica para usar menos o celular ou a internet. Anna Lomanowska, professora de psicologia e chefe do laboratório de bem-estar digital da Universidade de Toronto, acredita que usar o celular por muito tempo não é um vício, mas um hábito compulsivo.

“Os recursos dos aplicativos para capturar a atenção produzem um padrão de resposta que leva à compulsão. Esses recursos foram usados por muitos anos, tanto pelo marketing quanto por cassinos. O problema agora é que o smartphone é algo sempre presente em nossa vida”, diz Anna, uma das maiores pesquisadoras sobre o tema no mundo.

O problema tem ganhado uma dimensão tão grande que especialistas defendem que o modo como os aplicativos funcionam deveria ser regulado pelas autoridades. É o caso do pesquisador canadense Luke Stark, do Centro de Internet e Sociedade da Universidade Harvard. “Os aplicativos de smartphones são feitos para ser cativantes o máximo possível. Isso tem base numa longa história do design de aplicações digitais, influenciada pelas ciências psicológicas. Eles exploram hábitos humanos inconscientes”, diz Stark. 

Antes que haja uma regulação, no entanto, as empresas de tecnologia se antecipam para se resguardar de acusações e evitar que sejam associadas ao uso compulsivo. Assim como no setor automotivo, as ferramentas de bem-estar digital são uma espécie de cinto de segurança que as companhias desenvolvem para reduzir os impactos negativos dos produtos. Por enquanto, a proteção não é obrigatória. Cabe a cada pessoa decidir como usá-la para reduzir o tempo que passa nos aplicativos. Mas só o fato de as empresas estarem preocupadas com o tema já é um marco para a indústria de tecnologia. Se funcionar, todos tendem a ganhar.

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