Hospital em São Paulo: a Allianz tenta voltar a vender seus planos de saúde (Ricardo Correa / VOCÊ S/A)
Da Redação
Publicado em 24 de março de 2014 às 06h00.
São Paulo - As grandes empresas têm planos de contingência para lidar com crises. Quando acontece um desastre de avião, as companhias aéreas passam a trabalhar no modo catástrofe: disponibilizam uma linha telefônica gratuita para acesso a informações, colocam psicólogos em contato com a família das vítimas e a direção fica à disposição das autoridades para prestar esclarecimentos.
Algumas montadoras têm contratos emergenciais com empresas de logística para garantir o transporte de peças para suas fábricas se houver interrupções nas rotas tradicionais.
O Google chega ao extremo de manter um plano de segurança caso sua sede, na Califórnia, seja invadida por alienígenas: um grupo de 250 funcionários, de diferentes países, podem acionar um sistema paralelo e manter o site no ar (é claro que isso também serve caso haja algum problema mais mundano nos computadores centrais da empresa, como terremotos).
As empresas se preparam para todo tipo de crise. Mas a subsidiária brasileira da Allianz, terceira maior seguradora do mundo, não estava preparada para a crise que a abateu no início do ano. O que era para ser uma mudança complexa, mas previsível — a troca de seu sistema de tecnologia, planejada desde 2011 —, se transformou num baita problema, responsável por reduzir o faturamento da empresa em, no mínimo, 20%. O número real ainda não foi calculado, mas pode ser maior.
O que aconteceu? Entre janeiro e fevereiro deste ano, quando o novo sistema entrou no ar, dez corretores de seguros ouvidos por EXAME disseram ter passado dias sem conseguir emitir apólices para seus clientes. Eles preenchiam as propostas, mandavam para a Allianz, mas a empresa não concluía o processo.
A consequência é que esses clientes não eram reconhecidos pela Allianz. Ou seja, se tivessem algum problema e precisassem usar o seguro — por exemplo, se batessem o carro e telefonassem para a seguradora para pedir um guincho —, receberiam a informação de que não tinham direito a nada.
Alguns funcionários de empresas que contrataram planos de saúde com a Allianz estão até hoje sem o número da apólice e a carteirinha. Assim, não conseguem marcar consultas nem fazer exames.
É o caso dos clientes da corretora paulistana Raissa Zavisch. “Toda vez que ligo para tentar resolver a situação, a resposta é a mesma: ‘A culpa é do novo sistema, senhora’. Nunca vi algo parecido no mercado”, diz ela. Sem conseguir computar corretamente todas as apólices vendidas, a companhia também atrasou o pagamento de comissões a alguns corretores.
Depois da pressão do sindicato de São Paulo, passou a pagar com base na média das vendas que eles fecharam antes da implantação do novo sistema. Mas nem todos receberam (Raissa diz que continua no vermelho).
Sem um presidente formal no Brasil desde o fim de outubro — o espanhol Miguel Pérez Jaime foi nomeado para o cargo, mas ainda não foi aprovado pela Susep, entidade que regula o setor, nem tem visto para trabalhar no Brasil —, a Allianz disse a EXAME que as falhas eram esperadas.
Também informou ter destacado uma equipe para resolver as dificuldades dos clientes e que, apesar de ter atrasado, pagou as indenizações aos segurados e as comissões aos corretores e também emitiu as apólices que foram contratadas nos últimos dois meses. A companhia diz que ainda estão ocorrendo falhas pontuais, mas afirma que a operação estará totalmente normalizada até o fim de março.
Há, no entanto, uma dificuldade adicional. Ainda que a nova tecnologia passe a funcionar em menos de um mês, é possível que os problemas do início do ano gerem consequências de longo prazo para a empresa. A própria Allianz estima que de 10% a 15% de seus 14 000 corretores tenham deixado de vender seguros por medo de enfrentar novas falhas.
“Como a empresa precisa renovar sua carteira todo ano, porque as apólices vencem, uma força menor de vendas pode prejudicar os resultados”, diz um executivo da Allianz que pediu para não ser identificado.
A companhia acredita que tenha perdido de 20% a 25% de suas receitas de janeiro e fevereiro em razão das falhas tecnológicas, ou cerca de 100 milhões de reais, 2,5% de seu faturamento em 2013. Mas profissionais do sindicato dos corretores de São Paulo, onde estão aproximadamente 40% dos clientes e a maioria dos corretores da Allianz, estimam que as perdas chegaram a 400 milhões de reais.
A Allianz decidiu trocar seu sistema de tecnologia porque o anterior era pouco eficiente e diferente das plataformas da empresa em outros países. Até o fim do ano passado, a empresa trabalhava com sete sistemas no Brasil: cada um processava as apólices de um ramo de seguro, de planos de saúde a apólices de veículos.
O plano, agora, é ter um cadastro central com todas as informações dos clientes e um sistema mais ágil que ajude os corretores a vender. Além disso, produtos de outros países poderão ser vendidos aqui. Se funcionar, a companhia colocará fim a um período conturbado no Brasil.
Mesmo antes da confusão tecnológica, a Allianz teve oito planos de saúde, com quase 80 000 clientes, suspensos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar por problemas no atendimento. Em 2013, seu lucro caiu 32%, para 82 milhões de reais.
Entre alguns funcionários, o novo presidente, Miguel Jaime, está sendo chamado de “arcanjo Miguel” — a esperança é que ele consiga colocar a seguradora nos eixos até o fim do ano. O executivo foi diretor da Allianz na Espanha e acompanhou a implementação do tal sistema de tecnologia lá. Hoje, a operação espanhola é uma das mais eficientes do grupo. Se ele conseguir acabar com a crise que acontece no Brasil, já estará no lucro.