Revista Exame

Por que os CEOs devem ir além da função de liderar as próprias empresas

Não basta apenas gerenciar. Os Líderes são cobrados a se engajar em causas sociais e ambientais e ser agentes de mudança. O exemplo pode começar na própria empresa

Sede do Google: as empresas podem promover um modo de vida sustentável e adotar práticas de igualdade de gênero, como a licença parental, sem esperar o poder público (Michael Short/Getty Images)

Sede do Google: as empresas podem promover um modo de vida sustentável e adotar práticas de igualdade de gênero, como a licença parental, sem esperar o poder público (Michael Short/Getty Images)

No começo de abril, o Grupo Boticário anunciou a extensão da licença-paternidade na empresa para quatro meses. Para dar um ar mais igualitário, batizou a regra de licença parental. Ela vale para homens, casais homoafetivos e pais de filhos não consanguíneos. “Discutimos o assunto há dois anos e achamos que agora é o momento ideal para isso”, diz o presidente do Grupo Boticário, Fernando Modé. A companhia não foi a primeira no Brasil a ampliar a licença-paternidade.

No Brasil, empresas como ­Mastercard, Salesforce e Google são algumas que vão além do básico exigido pela lei — cinco dias, segundo a Constituição. A medida é uma tendência que vem ganhando adeptos e vai ao encontro do desejo de diversidade e igualdade entre gêneros na sociedade e no mundo corporativo. O que chama a atenção é que essas empresas não estão esperando o governo alterar as regras sobre a licença-paternidade para se adaptar ao “novo normal”. Pelo contrário. Elas se adiantam a ele.

Ao fazer isso, estão não apenas promovendo uma modernização do país. Estão seguindo um anseio da sociedade. “Não gostamos que as coisas se tornem obrigatórias”, diz Modé. “Fazemos essas ações de dentro para fora com base em nossa convicção, buscando impactar as famílias de nossos colaboradores, inspirar nossos fornecedores e a sociedade.”

Um estudo global recém-publicado pela Edelman, o Trust Barometer (“Barômetro da confiança”, numa tradução livre), mostrou que as pessoas esperam que os líderes empresariais assumam um maior protagonismo na sociedade. Querem que eles arquem com responsabilidades e atuem de forma proativa na modernização e na resolução de problemas da sociedade — inclusive preenchendo os vazios deixados pela inépcia governamental.

O estudo da empresa de relações públicas e marketing ouviu 31.050 pessoas no mundo e 1.150 no Brasil. Os resultados são parecidos: 68% das pessoas, no país e no mundo, concordam com a ideia de que os CEOs devem interceder quando o governo não resolve os problemas da sociedade, e 60% dos brasileiros (66% na média global) dizem que os líderes das empresas devem tomar iniciativas de mudanças, em vez de esperar uma eventual imposição de governos, da legislação ou da Justiça.

Equipamentos de proteção individual: na pandemia, muitas empresas se mobilizaram para ajudar hospitais (Pedro Vilela/Getty Images)

Não que as pessoas vejam nos líderes empresariais os bastiões da moralidade isentos de falhas. O estudo também mostrou que, no Brasil e no mundo, 68% acreditam na ideia de que os CEOs tentam enganar as pessoas propositalmente, defendendo posturas ou decisões que sabem ser falhas ou exageradas. O ponto é que o descrédito com os agentes públicos é alto.

Enquanto o índice de confiança das empresas está em 61 no Trust Barometer, no caso dos governos o número está em 39. Segundo a metodologia do estudo, abaixo de 49 é um sinal de desconfiança e, acima de 60, de confiança. “A sociedade demanda cada vez mais e, como a confiança nos governos está baixa, as pessoas passaram a pedir que as empresas atendam a essas demandas”, diz Ana Julião, presidente da Edelman Brasil.

Maurício Harger, da CMPC: a fabricante de celulose adaptou a linha de montagem para produzir milhões de máscaras para doação (Marcelo Curia/Exame)

A pandemia de covid-19 tornou mais premente o papel das empresas em assumir — pelo menos em parte — as atribuições que cabem ao governo. A crise entre os estados e a Presidência e a incapacidade do poder público de assistir a população levou as companhias a um nível de engajamento pouco visto anteriormente. Inúmeras empresas fizeram doações vultosas para ajudar no combate à pandemia.

“A tendência de uma maior cobrança por parte das empresas por responsabilidade do ponto de vista social e ambiental se acelerou com a covid e deu oportunidade para as empresas mostrarem um comportamento altruísta para a sociedade”, diz Roberto­ Saloutti, presidente do banco BTG Pactual­ (empresa do mesmo grupo que controla a EXAME), que mobilizou a doação de 70 milhões de reais na luta contra o vírus.

(Arte/Exame)

Segundo a Associação Brasileira de Captadores de Recursos, o enfrentamento à ­covid-19 envolveu 6,7 bilhões de reais até março. Há doações bilionárias, como o montante destinado pelo banco Itaú, de 1,24 bilhão de reais, e ações menos vultosas, mas relevantes.

No começo da pandemia, a fabricante de celulose CMPC, com sede em Guaíba, no Rio Grande do Sul, importou máquinas e adaptou sua linha de montagem para fabricar máscaras. Toda a produção dos três primeiros meses, 4,5 milhões de unidades, foi doada para hospitais públicos.

“Era um momento em que faltavam máscaras no mercado e o preço estava até seis vezes acima do normal”, diz Maurício Harger, presidente da CMPC. A empresa também investiu para transformar um pronto-atendimento de Guaíba num hospital de média capacidade, com 40 leitos, sendo dez deles de unidades de tratamento intensivo (UTI). “As empresas precisam devolver parte dos lucros para as regiões e as comunidades onde atuam para gerar valor e melhorar a qualidade de vida da sociedade”, diz Harger.

Essa visão, alinhada com a opinião das pessoas a respeito do papel dos líderes empresariais, reflete a evolução do capitalismo. No século 21, a função das empresas não se restringe à geração de lucro aos acionistas e controladores; é também beneficiar toda a sociedade, incluindo o meio ambiente. Essa evolução é chamada de capitalismo consciente. O conceito passa longe da ideia de que o lucro é ruim e não deve ser o objetivo principal das companhias.

O mais correto é pensar que o lucro não deve ser o único objetivo de uma empresa. O lucro é uma medida quantitativa do sucesso de um negócio. Empresas com propósito e que não geram resultado não são sustentáveis. Em última instância, o lucro perpetua o negócio. “A diferença é que antes não importava como uma empresa obtinha lucro. Hoje, o como importa e muito”, diz Hugo ­Bethlem, presidente do conselho do Instituto Capitalismo Consciente Brasil. 

A Malwee, fabricante de moda de Santa Catarina, busca adequar o modo como ganha dinheiro ao núcleo de seu negócio. A forma encontrada é adotar uma pegada sustentável e que gere valor aos clientes da marca. Inserida em uma das indústrias que mais emitem gases de efeito estufa, a empresa reduziu a pegada de carbono em 75% nos últimos cinco anos — superando em 35 pontos percentuais a meta para 2020.

E a empresa foge da ideia do fast fashion — que incentiva a compra e limita o tempo de uso de cada peça. A empresa diminuiu o mix de produtos em 30%, dando prioridade para a confecção de peças mais atemporais. “Não temos coleção primavera ou verão. Preferimos vender o conceito de que nossas roupas devem ser usadas em várias primaveras e vários verões”, diz Guilherme Weege, presidente da Malwee.

Focado no público classe C, o modelo da empresa se torna um imperativo ainda mais relevante. “A classe A pode renovar as roupas com facilidade. Já a classe C precisa de produtos duráveis”, diz Weege, que também é embaixador da Organização das Nações Unidas (ONU) e que, em 2019, foi o primeiro executivo do setor a assinar o termo de compromisso de uma campanha da ONU para as empresas atuarem contra o aquecimento global.

Invasão ao Capitólio: o ataque ao Congresso americano gerou uma forte reação contrária de líderes empresariais em todo o país (Tayfun Coskun/Getty Images)

A despeito do desejo das pessoas — e de todo avanço no capitalismo —, substituir o governo não deve ser o alvo das empresas. E, na prática, nenhum CEO é capaz de assumir tal responsabilidade. “As empresas não substituem e nunca substituirão o Estado”, diz José Félix, presidente da operadora Claro. “O Estado tem um tamanho e uma quantidade de obrigações que, se não são cumpridas, não podem ser feitas pelas empresas.”

Não é por acaso que as empresas são muito precisas ao definir seus projetos sociais. A Claro, por meio de seu instituto, atua nos eixos de educação e cidadania. E, para restringir ainda mais, dá ênfase a projetos ligados à tecnologia e ao conteúdo. Um deles é o Educonex@o, um programa que capacita profissionais do ensino para o uso de novas tecnologias em sala de aula, além de levar TV por assinatura e internet para escolas públicas. Desde 2011, o projeto formou quase 3.000 professores de 56 cidades.

“Não podemos simplesmente contratar professores e colocá-los para dar aulas em comunidades carentes. Isso não tem a ver com o negócio da Claro”, diz Félix. “Procuramos contribuir com algo que dominamos, que é a tecnologia.” Por mais que a qualidade dos serviços prestados pelo setor público deixe a desejar, a atuação das empresas deve ser feita dentro de alguns limites.

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