Revista Exame

Darwin explica Wall Street? Este economista do MIT diz que sim

Em novo livro, o economista Andrew Lo, do MIT, defende que os mercados financeiros se comportam conforme as regras da biologia

Andrew Lo, do MIT: para o autor, sua teoria complementa 
o modelo clássico dos mercados financeiros (Divulgação/Exame)

Andrew Lo, do MIT: para o autor, sua teoria complementa o modelo clássico dos mercados financeiros (Divulgação/Exame)

DR

Da Redação

Publicado em 29 de junho de 2017 às 05h50.

Última atualização em 29 de junho de 2017 às 15h21.

São Paulo — Ao longo do século 20, os economistas desenvolveram modelos para explicar o comportamento dos mercados financeiros, como o sobe e desce das ações. Uma das teorias clássicas é chamada de a “hipótese de mercados eficientes”. Essa teoria diz que os investidores são seres racionais, que operam de acordo com as informações de que dispõem, e o valor das ações é definido por um modelo lógico. Na prática, não é bem isso o que ocorre. Já ficou comprovado que as emoções também influenciam decisões que afetam os mercados. Mas, na falta de alternativas, a teoria clássica ainda é usada para definir estratégias de investimentos.

Andrew Lo, professor de finanças no Massachusetts Institute of Technology (MIT), tem uma explicação complementar. No livro Adaptive Markets: Financial Evolution at the Speed of Thought (“Mercados adaptativos: a evolução financeira na velocidade do pensamento”, numa tradução livre, sem edição brasileira), Lo defende que o mercado financeiro se comporta, na verdade, como num jogo de competição e adaptação muito parecido com o que é observado entre os seres vivos na natureza.

Para ele, os mercados não são racionais, como a teoria clássica sugere, nem completamente irracionais, mas, sim, uma mistura dos dois. Quando parte dos investidores vende ou compra ações por impulso, outros percebem a oportunidade de lucrar fazendo o movimento contrário. Essa teoria é chamada por ele de “hipótese de mercados adaptativos”, que é explicada a seguir no trecho do livro publicado com exclusividade por EXAME.

“Precisamos de um novo modo de pensar mercados financeiros e comportamento humano, e é disso que trato em meu livro. Chamo esse novo modo de pensar de ‘hipótese de mercados adaptativos’. Ela se refere aos múltiplos papéis que a evolução tem na formação do comportamento humano e dos mercados financeiros, e também contrasta com a ‘hipótese de mercados eficientes’ — teoria adotada pelo setor de investimento e pela maioria dos acadêmicos de finanças.

A ideia de que os mercados são eficientes sugere que não existe ‘almoço grátis’, especialmente em Wall Street: se os preços no mercado financeiro já incorporam toda informação relevante sobre uma empresa e sobre a economia, tentar vencer o mercado é uma tarefa inglória. Em vez disso, todos deveriam diversificar o investimento o máximo possível e permanecer com as ações no longo prazo. Parece familiar? Essa é a teoria que ensinamos hoje em escolas de negócios, e foi ensinada a seu corretor, a seu consultor financeiro e a seu gestor. Em 2013, o professor de finanças Eugene F. Fama, da Universidade de Chicago, recebeu o Prêmio Nobel de Economia por desenvolver essa noção de eficiência do mercado.

A hipótese de mercados adaptativos é diferente. Ela é baseada na percepção de que investidores e mercados financeiros se comportam mais como a biologia do que como a física — mais como uma população de organismos vivos competindo para sobreviver, e não uma coleção de objetos inanimados sujeitos às leis imutáveis do movimento. Essa simples constatação tem implicações de longo alcance.

Em primeiro lugar, ela implica que os princípios da teoria da evolução, de Charles Darwin — competição, inovação, reprodução e adaptação —, são mais úteis para compreender o funcionamento interno do setor financeiro do que os princípios da análise econômica racional, como os da física. Implica que os preços do mercado nem sempre refletem toda informação disponível, mas podem ocasionalmente se desviar em razão de reações emocionais poderosas, como o medo e a ganância. Implica que investir em ações no longo prazo nem sempre é uma boa ideia, em especial se suas economias puderem se esgotar no curto prazo. E implica também que as mudanças constantes são, com frequência, condutoras mais importantes das dinâmicas do mercado do que o interesse dos investidores.

Isso não significa que a economia racional não tenha nenhum valor; ao contrário, a economia financeira ainda está entre os campos de estudo mais procurados em Wall Street. Da perspectiva dos mercados adaptativos, a teoria clássica não está errada — está apenas incompleta.

É como a parábola dos cinco monges cegos que encontram um elefante pela primeira vez. Sendo cegos de nascença, eles não têm a menor ideia do que é essa estranha criatura, mas, quando um monge sente a perna do elefante, ele conclui que ‘um elefante é exatamente como uma árvore’; quando outro monge sente a tromba, ele discorda, dizendo que ‘um elefante é exatamente como uma cobra’; e assim por diante. As impressões de cada monge são tecnicamente corretas, mas todos perdem o quadro maior. Precisamos de uma teoria melhor.

O problema das emoções

Os mercados parecem eficientes em certas circunstâncias, por exemplo, quando investidores têm a chance de se adaptar às mudanças, e as condições do mercado continuam relativamente estáveis por um período de tempo suficientemente longo. O problema é que as condições de mercado, com frequência, mudam violentamente e a definição do que é um tempo ‘suficientemente longo’ depende de muitas coisas. Por exemplo, imagine se você tivesse investido todas as suas economias para comprar ações das 500 maiores empresas baseadas nos Estados Unidos de outubro de 2007 a fevereiro de 2009. Você teria perdido aproximadamente 51% de sua poupança naqueles 17 meses conturbados. Enquanto você observava sua aposentadoria evaporar a cada mês, em que momento o ‘fator medo’ teria levado você a interferir e resgatar o dinheiro investido?

Embora nosso instinto de medo possa nos proteger em situações de perigo, ele pouco faz para nos impedir de perder grandes somas de dinheiro. Psicólogos e economistas comportamentais concordam que um estresse emocional prolongado prejudica nossa capacidade de tomar decisões racionais. O medo nos leva a duplicar nossos erros em vez de reduzir nossos prejuízos; nos leva a vender na baixa e recomprar na alta, e a cair em muitas outras armadilhas bem conhecidas que confundiram a maioria dos pequenos investidores — e não poucos profissionais das finanças. Nossos medos nos deixam vulneráveis no mercado.

É por isso que precisamos de uma teoria nova e mais completa para pensar os mercados financeiros, uma explicação que incorpore o fator medo além do comportamento racional. Do mesmo modo como nenhum monge cego é capaz de imaginar o elefante sozinho, precisamos juntar as percepções de múltiplas disciplinas para obter o quadro panorâmico completo de como os mercados financeiros funcionam e por que eles falham.

A resposta curta é que os mercados financeiros não seguem leis econômicas. Mercados financeiros são produtos da evolução humana e seguem antes as leis biológicas. Os mesmos princípios básicos de mutação, competição e seleção natural que determinam a história da vida de um rebanho de antílopes também se aplicam ao setor bancário, embora com uma dinâmica populacional um pouco diferente.

A chave para entender a influência das leis biológicas nos mercados é entender a capacidade do ser humano de se adaptar a ambientes que mudam a todo instante. O comportamento econômico nada mais é do que um aspecto do comportamento humano, e o comportamento humano é produto da evolução biológica de nossa espécie, que teve de se adaptar a uma infinidade de ambientes diferentes ao longo da história. Competição, mutação, inovação e, em especial, seleção natural são os componentes básicos da evolução. Todos os indivíduos estão permanentemente competindo pela sobrevivência — mesmo que as leis da selva sejam mais violentas na savana africana do que em Wall Street. Não surpreende, portanto, que o comportamento econômico seja, com frequência, mais bem observado através da lente da biologia.

Sabedoria versus loucura

Para compreender a complexidade do comportamento humano, precisamos compreender os diferentes ambientes que o formaram ao longo do tempo e como o sistema financeiro funciona nessas diferentes condições. Mais importante: precisamos compreender como o sistema financeiro, às vezes, falha. A academia, a indústria e os governos supuseram um comportamento econômico racional por tanto tempo que nós nos esquecemos de outros aspectos do comportamento humano — aspectos que não se encaixam tão perfeitamente numa estrutura matematicamente precisa.

Em nenhum lugar isso é mais dolorosamente óbvio do que nos mercados financeiros. Até recentemente, os preços das ações sempre pareciam refletir a sabedoria das multidões. Mas em muitas ocasiões, principalmente desde a crise de 2008, o comportamento coletivo do mercado financeiro se pareceu mais com uma loucura das massas. Essa personalidade dos mercados financeiros, oscilando entre sabedoria e loucura, não é uma patologia, é mero reflexo da natureza humana.

Nosso comportamento se adapta a novos ambientes — por causa da evolução —, mas se adapta tanto no curto prazo como ao longo do tempo evolucionista, e nem sempre se adapta de maneiras financeiramente benéficas. O comportamento financeiro que pode parecer irracional agora é, na verdade, o comportamento que não teve tempo suficiente para se adaptar a contextos modernos.

Um exemplo óbvio da natureza é o de um tubarão branco — um predador quase perfeito que se move na água com espantosa graça e eficiência graças a 400 milhões de anos de adaptação. Mas tire esse tubarão da água e jogue-o numa praia arenosa, e seus movimentos convulsivos vão parecer tolos e irracionais. Ele é perfeitamente adaptado às profundezas do oceano, não à terra firme.

O comportamento financeiro irracional é semelhante à agonia do tubarão: o comportamento humano tirado de seu contexto evolutivo apropriado. A diferença entre o investidor irracional e o tubarão na praia é o período de tempo mais curto que o investidor teve para se adaptar ao ambiente financeiro, e a velocidade muito mais rápida com que esse ambiente está mudando.”

Acompanhe tudo sobre:ComportamentoEconomistasMercado financeirowall-street

Mais de Revista Exame

Melhores do ESG: os destaques do ano em energia

ESG na essência

Melhores do ESG: os destaques do ano em telecomunicações, tecnologia e mídia

O "zap" mundo afora: empresa que automatiza mensagens em apps avança com aquisições fora do Brasil

Mais na Exame