Revista Exame

Como o Brasil se tornou essencial na estratégia global da Lacoste

Com investimento em redes sociais, novas lojas e agora à frente da subsidiária da América Latina, o Brasil se torna peça-chave na estratégia global da Lacoste. A meta: dobrar o faturamento da região nos próximos cinco anos

Pedro Zannoni, CEO da Lacoste para a América Latina: o foco é aumentar a produção nacional, unir coleções e atingir novos públicos (Leandro Fonseca/Exame)

Pedro Zannoni, CEO da Lacoste para a América Latina: o foco é aumentar a produção nacional, unir coleções e atingir novos públicos (Leandro Fonseca/Exame)

Ivan Padilla

Ivan Padilla

Publicado em 20 de janeiro de 2022 às 05h21.

Última atualização em 1 de fevereiro de 2022 às 13h23.

O primeiro post da conta do Instagram @lacostebrasil foi publicado no dia 28 de julho do ano passado. Trata-se de um carrossel com duas imagens de René Lacoste, fundador da marca esportiva que leva seu nome: um retrato de frente e uma foto do ex-jogador de tênis na quadra. Quando a conta foi aberta, a meta era terminar 2021 com 120.000 seguidores. Em dezembro, o número já passava de 1 milhão, com alto engajamento. Esse feito revela dois fatos. O primeiro: somos realmente o país das redes sociais. O segundo: o Brasil virou uma aposta da marca, uma espécie de cabeça de chave em sua estratégia global. O Instagram brasileiro é o único regional autorizado.

“O Brasil é um dos quatro países com prioridade estratégica para a marca, ao lado de Estados Unidos, França e China”, afirma Pedro Zannoni, CEO da Lacoste para a América Latina. Zannoni, um ex-tenista profissional que chegou a ser patrocinado pela Lacoste, foi contratado em meados de 2020 com a missão de estruturar a subsidiária regional. Até então, cada país respondia para a matriz. O bloco hoje é formado por Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Colômbia, Peru, América Central e Caribe. “Dessa forma conseguimos unificar processos, calendário de lançamentos e discurso”, diz o executivo.

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Zannoni esteve em novembro passado em Barcelona para participar de um encontro global de lideranças da marca. Saiu de lá com metas bem definidas — e arrojadas. A principal: dobrar o faturamento da região nos próximos cinco anos. A Lacoste, que pertence à holding suíça Maus Frères, não divulga números. Zannoni, porém, revela as ferramentas para atingir esse crescimento. Uma delas é o foco na comunicação. A área de marketing recebeu neste ano o dobro de investimento, destinado principalmente a ações em redes sociais com influenciadores, da elite à periferia (veja quadro abaixo).

Outra estratégia passa pelo aumento no número de pontos de venda. A Lacoste conta hoje com cinco lojas próprias, 13 outlets e 42 franquias, além do e-commerce e da presença em centenas de marketplaces e lojas multimarcas. Nos próximos dois anos, a ideia é triplicar o número de lojas próprias, a maioria com um conceito chamado Le Club Evolution, com uma linguagem visual que simula uma arena de tênis. O número de franquias deverá passar para 65, e a quantidade de outlets será mantida.

O incentivo à produção local deve ajudar na estratégia de crescimento. Dois anos atrás, 90% dos calçados, por exemplo, eram importados. Hoje, mais da metade vem de fornecedores nacionais. Tudo é homologado pela matriz. Nem uma etiqueta pode ser produzida sem aprovação. Parte das clássicas camisas polo já vinha de uma fábrica própria na Argentina e de um produtor no Peru. Agora elas começam a ser feitas aqui. Dessa forma, a marca se protege do câmbio alto e melhora a margem de lucro. “Também nos dá flexibilidade. Se um tom de azul vendeu bem, não preciso esperar uma remessa de fora para repor o estoque”, diz Zannoni.

Catherine Spindler, chief brand officer da Lacoste: potencial de crescimento no Brasil em calçados, roupas íntimas e femininas (Divulgação/Divulgação)

O embaixador Guga Kuerten

A Lacoste foi fundada por René Lacoste em 1933, com as clássicas polo para a prática de tênis. No Brasil, a Paramount Têxteis, do empresário paulistano Fuad Mattar, pai do ex-tenista Luiz Mattar, manteve o licenciamento por 26 anos. Em 2008, a Lacoste, então avaliada em 1 bilhão de euros, foi comprada pela holding suíça Maus Frères. No mercado brasileiro, nesse mesmo ano, a marca passou a ser administrada por uma joint-venture entre a Devanlay Ventures do Brasil e a companhia argentina Vesuvio. Em 2018, a empresa francesa passou a ser a única acionista de suas operações na América Latina. 

“O Brasil é um país querido pela Lacoste por vários motivos”, diz Catherine Spindler, chief brand officer global da marca. Uma dessas razões, diz a executiva, é a base de fãs. Uma pesquisa mundial conduzida em setembro passado apontou que o Brasil foi o país em que a imagem da marca mais cresceu. Contou para isso, de acordo com Spindler, o lançamento da única conta da Lacoste no Instagram além da global. “Temos grandes ambições no Brasil, onde o potencial de crescimento é significativo. Também é uma grande satisfação ter o lendário Guga como um amigo querido.”

René Lacoste, fundador da marca: camisas polo em tecidos mais leves revolucionaram a roupa para a prática de tênis nos anos 1930 e reforçam até hoje o legado esportivo (Divulgação/Divulgação)

Como embaixador global da marca, Gustavo Kuerten participa de alguns lançamentos e eventos por ano, como o torneio de Roland Garros, em que foi tricampeão. A admiração pelo logo do crocodilo, diz, vem do início de carreira. “Na Copa Davis, a equipe brasileira era dividida entre os mais jovens e os profissionais. Uma vez, eu, o Márcio Carlsson e o André Sá decidimos bagunçar o quarto do Fininho [Fernando Meligeni], do Jaime [Oncins], do Fernando Roese. Quando chegamos ao closet do Nico [Luiz Mattar], vimos as roupas arrumadinhas, as polos da Lacoste dobradinhas, parecia até vitrine. Aí não tivemos coragem, pelo respeito a toda aquela elegância.”

Calendário da moda

Guga ajuda a criar a conexão com a herança da marca. A Lacoste se posiciona como uma marca de fashion sport, entre a moda e o esporte, no segmento premium. A camisa polo básica é vendida a 450 reais. Não é barato — mas uma peça similar em uma marca de luxo, como a Zegna, pode custar cinco vezes mais. A ligação entre esporte e moda é recente. O tweed era utilizado em peças para cavalgada no começo do século passado. A Adidas criou forte conexão com artistas de hip hop, e grifes de moda, como Balenciaga, se inspiraram no surfe para apresentar suas coleções na passarela. Mas nenhuma marca esportiva tem uma presença tão forte no universo fashion. Recentemente, a Lacoste trocou a Semana de Moda de Nova York, mais comercial, pela Paris Fashion Week, que dita tendências — e é nesse território que a Lacoste quer trafegar.

A partir do próximo ano as coleções verão e inverno serão unificadas em todos os mercados. Tradicionalmente, o que é mostrado nos desfiles na Europa no verão, por exemplo, demora seis meses para chegar ao Brasil. “Teremos de fazer adaptações. Talvez não faça sentido trazer uma jaqueta grossa no nosso verão”, diz Zanno­ni. Está prevista para este ano uma exposição em um museu brasileiro. Essa é uma estratégia adotada por marcas de luxo como Chanel e Dior em espaços como o Metropolitan, em Nova York, e o Louvre, em Paris. Com isso, as grifes saem do patamar do consumo e se posicionam como arte. A exposição brasileira deve trafegar entre as colaborações com cantores de rap e a conexão com o tênis, traduzidas hoje no patrocínio a Novak Djokovic e Daniil Medvedev, tenistas número 1 e 2 do ranking mundial. Djokovic foi notícia recentemente pela deportação da Austrália, por se recusar a se vacinar contra a covid. Resta saber qual será a repercussão em imagem para a Lacoste.

(Arte/Exame)

A Lacoste vive hoje um momento muito mais favorável, diferentemente do que acontecia nos anos 1990, quando a marca passou por uma popularização excessiva, que atingiu seu prestígio como um forehand. Na época, algumas medidas foram adotadas. Lojas menores foram fechadas e peças foram tiradas das promoções das lojas de departamento. Também houve o início do rejuvenescimento das coleções, com cortes e cores com informação de moda e colaborações com marcas de luxo, uma forma de atingir um público diferente do consumidor clássico da polo lisa. Os resultados vieram. No Brasil, a operação cresceu dois dígitos em 2021 em relação a 2019, antes da pandemia.

Loja da Lacoste em Paris: a herança do tênis é reforçada pelo conceito Le Club Evolution, com referências às quadras (Divulgação/Divulgação)

O principal desafio hoje da Lacoste é atingir o segmento feminino. Mais mulheres entram nas lojas, mas para comprar itens masculinos. A preferência das consumidoras brasileiras é por cores chamativas e modelagens justas. “Alinhadas com todos os nossos mercados, temos ambições em categorias de grande potencial, como roupas femininas. Vamos oferecer em breve uma nova coleção que materializa nossa visão, que permitirá às mulheres abraçar sua feminilidade em sua vida diária”, diz ­Catherine Spindler.  


LACOSTE NA QUEBRADA

A grife abraça a ideia de que faz sucesso nas periferias e forma parcerias com artistas de rap | André Lopes

MD Chefe: mudança de visão da marca (Divulgação/Divulgação)

É esperado ver Maurizio Gucci, o herdeiro da maison francesa protagonista do filme Casa Gucci, de polo Lacoste voltando de uma partida de tênis. Assim como os mimados adolescentes espanhóis da série Elite, na Netflix. Mas o que dizer quando jovens da série Sintonia, ambientada em um bairro fictício em São Paulo, aparecem com peças da marca? A cena exemplifica bem como a grife agora compõe estilos nos rincões das comunidades brasileiras. 

O caminho para a periferia, quase sempre, é via música. Nos últimos tempos, a Lacoste se tornou rima e fonte de inspiração para uma dezena de canções de rap, em composições que retratam mais a ostentação para mostrar superação do que a crítica social tão característica do gênero. “Hoje eu porto Lacoste porque eu posso. Até o senhor René hoje me chamará de sócio”, dizem os versos cantados pelos artistas Kyan e Kayblack. No clipe, ambientado em um conjunto habitacional, todos vestem a marca. 

Na música Rei Lacoste, MD Chefe, também vestido de Lacoste, canta: “Se abrir o meu closet, vira um pântano dentro de casa. Estrearam a loja nova bem no meio da minha sala”. Segundo o artista, citar a marca transfere parte de seu status a quem ouve a música. “É uma forma de se sentir bem pelo que está vestindo e pela conquista da compra”, diz. A julgar pelos 60 milhões de ouvintes no YouTube, MD tem razão. Em setembro, a marca chamou o rapper para ser modelo de uma coleção e usou o ensaio no novo plano de engajamento no Instagram. “Eles entenderam que uma música como a minha é uma força imbatível, uma mudança de visão sem volta”, diz o músico.

A parceria da Lacoste com artistas nacionais tem sido orgânica, ou seja, a marca cede as roupas, mas neste ano devem ser assinados acordos comerciais com cerca de 20 influenciadores, de socialites a jovens de comunidades. A associação de artistas de rap com marcas de luxo não é nova. A moda é tema das letras desde os anos 1990. O americano Tupac e os brasileiros dos Racionais já listavam suas grifes favoritas nas letras, com faixas repletas de citações a Gucci, Prada e Versace. Tome-se, como outro exemplo, o cantor americano ASAP Rocky, que depois de tanto cantar e rimar sobre a Dior se tornou um dos principais embaixadores da marca. Faturou tanto com a parceria que deixou a carreira da música e agora vive de ser o rosto da grife.

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