Affonso Hennel, em 2005: quando a Semp era líder de mercado (Germano Lüders / EXAME)
Da Redação
Publicado em 19 de agosto de 2015 às 05h56.
São Paulo - Aos 86 anos, o empresário Affonso Hennel, dono da fabricante de eletrônicos Semp Toshiba, adora uma injeção de adrenalina. Passou as primeiras duas semanas de julho dirigindo seu jipe num rali por estradas de terra em Santa Catarina. Pelo celular, mandava vídeos para os executivos que ficaram na sede da empresa, em Cajamar, na região metropolitana de São Paulo.
Hennel participa de ralis há 15 anos. Mas as estradas esburacadas que percorre não são nada perto do lamaçal em que ele resolveu se meter dois anos atrás. Foi quando interrompeu uma aposentadoria de 13 anos para tentar salvar a Semp, a última fabricante brasileira de TVs, que ele ajudou o pai a criar há 70 anos (a sigla significa Sociedade Eletromercantil Paulista).
A sucessão de desafios que Hennel se dispôs a enfrentar são de dar calafrios. Assim como dezenas de concorrentes, a Semp não consegue competir com os preços cobrados por coreanos e chineses. Por isso, a empresa está encolhendo ano após ano. Em 2007, chegou a um recorde de 2,2 bilhões de reais de faturamento.
Em 2014, a receita foi de 1,4 bilhão de reais. Depois de passar mais de seis décadas sem prejuízos, a Semp soma 450 milhões de reais de perdas desde 2011. Os baixos volumes de produção levaram a companhia a ser escanteada pelos maiores varejistas do país, como Walmart e Via Varejo, e forçaram-na a se concentrar em varejistas regionais.
Para piorar, as vendas de TVs, que representam 80% da receita, caíram 40% neste ano no país. E, em julho, Hisao Tanaka, presidente mundial da Toshiba — sócia desde os anos 70 —, foi demitido após um escândalo contábil de 1,2 bilhão de dólares. “Os prejuízos não me assustam mais. Precisamos agora é sobreviver”, disse Hennel a EXAME.
O empresário não tem pecado pela omissão desde seu retorno. Sua primeira medida foi demitir da presidência seu filho, Afonso Antonio Hennel, e colocar no lugar o ex-diretor Ricardo Freitas. De lá para cá, Hennel e Freitas fecharam fábricas, abandonaram a produção de celulares e computadores de mesa e demitiram 1 000 funcionários, quase metade do total.
Hoje, a Semp mantém apenas a fábrica de Manaus, onde produz TVs, notebooks e tablets. A empresa ainda vendeu para uma construtora, no ano passado, o terreno no qual por 60 anos funcionou sua sede, em São Paulo — e transferiu a matriz para Cajamar, na região metropolitana.
A venda rendeu 160 milhões de reais e salvou o ano de 2014 da Semp, que teve lucro de 20 milhões de reais e conseguiu reduzir o endividamento. Mas, no dia a dia do negócio, as coisas continuam tão complicadas quanto antes: prejuízo operacional, receita em queda, custos em alta.
No início de 2015, Hennel tentou uma solução mais drástica. Contratou o banco Credit Suisse para buscar um interessado em comprar parte de sua fatia de 60% na empresa ou fazer um aumento de capital para financiar uma mudança em suas atividades. Mas o processo foi abortado por absoluta falta de interessados. A Hennel não restou nenhuma alternativa a não ser tentar resolver os problemas sozinho.
O novo plano é abandonar aos poucos seu principal negócio para investir em novos e mais lucrativos mercados. A empresa quer sair a médio prazo do segmento de TVs, que liderou por décadas no país com as famosas propagandas que diziam que os japoneses da Toshiba eram mais criativos do que os outros — quem tem mais de 30 anos há de se lembrar. “O único jeito de sobreviver é mudar totalmente”, diz Hennel.
Em outubro, a Semp Toshiba lançará uma linha de eletroportáteis, como fornos, batedeiras e aspiradores de pó. Num primeiro momento, tudo será importado da China. A ideia é, aos poucos, transferir a fabricação para Manaus. São produtos de menor valor — os mais caros, como a fritadeira que não usa óleo, não chegam a 2 000 reais.
Mas a margem de lucro é maior, a necessidade de investimento em inovação é menor e a concorrência com os asiáticos é menos intensa. A queda de vendas dos eletroportáteis também tem sido inferior à das TVs (neste ano, as vendas encolheram “apenas” 19%).
Hennel se inspira em duas concorrentes nacionais, que se concentraram nessas linhas de produtos e vêm conseguindo bons resultados — a paranaense Britânia e a paulista Mondial, que também importam a maior parte dos produtos. Em paralelo, a Semp estuda entrar no segmento de alarmes e sistemas de segurança — segmento em alta no país.
Enquanto esses novos negócios não saem do papel, a Semp vem buscando alternativas de curto prazo. Uma delas é vender aparelhos como monitores junto de softwares que gerenciem sua utilização para shopping centers, redes de varejo e bancos. A Toshiba já oferece esse serviço no Japão.
A corrida é para ganhar tempo até que a nova estratégia gere resultados, e antes que o acúmulo de prejuízos leve a empresa a repetir a história de seus concorrentes brasileiros: dificuldades para competir, perda de produção e recuperações judiciais que viram novelas. A luta de Hennel, nesse caso, é para não virar a próxima Gradiente.